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Sob ataque, socialistas franceses demonstram falta de fraternidade

Hollande deixou o primeiro ministro Jean-Marc Ayrault sozinho para lidar com o problema econômico

Internacional|Do R7

O símbolo do vitorioso partido socialista francês é uma rosa, mas a flor parece ter murchado e, meses depois de François Hollande ter vencido a campanha presidencial, o vento está levando as pétalas para todos os lados.

Abalada pela economia ruim e pelo aumento na taxa de desemprego, Hollande deixou o primeiro ministro Jean-Marc Ayrault, um homem honesto, mas pouco inspirador, sozinho para lidar com o problema. Entretanto, patrões estão nervosos, trabalhadores estão nervosos e a lista de erros não para de aumentar, deixando os socialistas em conflito, mirando contra seus próprios líderes.

Na recente congresso anual do Partido Socialista, em Toulouse, havia reclamações de que o rigor econômico teria ido longe demais e que o governo deveria quebrar as promessas que havia feito para os aliados europeus de não permitir que o déficit orçamentário deste ano ultrapasse 3 por cento do PIB.

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Outros reclamavam que a decisão de Hollande de alcançar esse objetivo por meio do aumento dos impostos e do congelamento de gastos iria aumentar ainda mais a recessão francesa, quando um possível crescimento poderia aumentar naturalmente a receita fiscal e o número de empregos.


O Medef, o principal lobby empresarial do país, alertou para a possibilidade de mais falências e demissões, enquanto a associação das principais empresas da França, a Association Française des Entreprises Privées, exigiu um corte de 30 bilhões de euros nos impostos pagos por funcionários para a previdência social nos próximos dois anos, na tentativa de reduzir o peso dos impostos e aumentar a competitividade. O grupo também pediu que o governo cortasse 62 bilhões de euros em gastos públicos ao longo de cinco anos, alertando que o Estado francês não tem mais condições de gerar 56 por cento do PIB nacional.

As reclamações surgiram após a divulgação de um relatório sobre como melhorar a competitividade da França – encomendado por Hollande a Louis Gallois, o antigo chefe da Empresa Europeia de Defesa Aeronáutica e Espacial, em julho –, cujo conteúdo foi minimizado pelo governo. Gallois e o Medef desejam um "choque de competitividade", no qual parte dos impostos pagos à previdência social pelas empresas seria destinada ao orçamento nacional, ou então coberta por outros impostos.


Mas Hollande, que foi criticado durante a campanha por parecer indeciso e pouco claro, afirmou que o choque seria uma má ideia e que preferia uma "trajetória de competitividade" mais gradual.

"A França está enfrentando três desafios", afirmou, referindo-se à grande dívida pública, ao baixo crescimento e aos grandes custos de fabricação.

Politicamente, este seria um momento difícil para diminuir os impostos pagos pelas empresas, aumentando a carga tributária dos aposentados, mas Hollande deixou muitas pessoas desapontadas ao rever sua promessa de proporcionar medidas fortes para melhorar a competitividade e, portanto, a taxa de emprego.

Até mesmo o jornal Le Monde, de centro-esquerda, questionou com uma manchete de primeira página no fim de outubro se "Hollande estaria subestimando a crise?".

Também há questionamento sobre sua capacidade de liderar o país. Hollande tentou contrastar seu estilo com o de seu predecessor, o agitado Nicolas Sarkozy, mas os franceses nunca ficam satisfeitos e reclamaram que Hollande estaria reagindo de forma sonolenta à crise econômica. Além disso, o presidente não deixou as coisas claras – jurando que a França não será submetida a medidas de austeridade, mas aumentando impostos de empresas e pessoas ricas, ao mesmo tempo em que tenta mostrar que é fiscalmente responsável pelos mercados dos aliados da zona do euro.

Enquanto os mercados estão cautelosamente deixando que a França continue em sua trajetória, os franceses de classe média não dão crédito a Hollande por tê-los poupado do aumento fiscal, pois se sentem afetados pelo fato de que os impostos não estejam sendo ajustados conforme a inflação.

O que é pior, o ministério de Hollande demonstrou ter pouca disciplina nos comentários públicos, frequentemente contradizendo as políticas do governo e deixando escapar suas opiniões pessoais.

Ayrault, por exemplo, causou grande comoção ao sugerir recentemente que um dos dogmas do partido, a jornada de trabalho de 35 horas, introduzida pelos socialistas no ano 2000, deveria ser revisada.

Questionado sobre o retorno da jornada de 39 horas semanais durante um encontro com leitores do jornal Le Parisien, afirmou: "Por que não? Não existe tabu quanto a esse assunto".

Seus comentários causaram um racha no partido. A reação foi rápida e o ministro do trabalho Michel Lapin, que é próximo a Hollande, veio a público para declarar que "a jornada de 35 não será abolida".

Laurence Parisot, que chefia o Medef, afirmou que se Ayrault levantou a questão, "é porque ele sabe, ainda que de forma confusa, que existe um problema".

A direita, que também enfrenta brigas internas para determinar quem será o sucessor de Sarkozy como presidente do partido, foi rápida em responder, condenando Ayrault com elogios públicos. Jean-François Cope, candidato a liderar o partido União por um Movimento Popular, afirmou que "aplaudia" Ayrault por "trazer de volta à vida" o programa do partido para acabar com a jornada de 35 horas.

O oponente de Cope, o ex-primeiro-ministro François Fillon, acusou Ayrault de não ter autoridade suficiente, sendo "contestado pelo próprio ministro do trabalho".

Enquanto isso, não se sabe ao certo se Sarkozy irá voltar para a política a tempo de concorrer novamente ao cargo.

O ex-professor de alemão Ayrault queimou a largada ao anunciar uma decisão judicial – antes mesmo que o juiz pudesse divulgá-la – que impediria os socialistas de aprovarem uma lei em favor do aumento do número de moradias públicas. A lei foi proibida como resultado de falhas técnicas causadas pelo governo, que realizou os processos legislativos rápido demais.

O governo também enfrenta problemas com algumas das promessas de campanha, incluindo esforços para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, causando protestos entre líderes religiosos, e para permitir que estrangeiros votem em eleições locais.

Hollande comentou secamente: "É mais difícil instituir o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito de voto para estrangeiros do que imaginávamos".

Houve troca de farpas entre aliados socialistas, os Verdes, sobre o futuro da energia nuclear e a lei que limita o déficit orçamentário e a dívida pública. A maior parte dos verdes votou contra a lei do déficit orçamentário no parlamento, mas os ministros verdes continuaram a fazer parte da base governista.

Outros ministros também demonstraram posicionamentos públicos contraditórios, sem sofrerem grandes consequências. O ministro da educação Vincent Peillon foi favorável à descriminalização da maconha, apesar da oposição de Hollande, levando a direita a ironizar a situação.

Peillon recebeu uma modesta crítica de Ayrault, que afirmou que os ministros "deveriam defender a política dos próprios ministérios e do governo. E nada mais".

O ministro do interior Manuel Valls tornou-se popular pela coerência e dureza, sobretudo contra o radicalismo islâmico e a presença de cidadãos romenos e búlgaros, em sua maioria ciganos, que permanecem na França por muito mais tempo do que o permitido. Político de centro, o ministro contrariou muitas das posições de Hollande.

Além disso, ocorreram diversos conflitos em torno das políticas do governo, como era de se esperar. O ministro das finanças Pierre Moscovici discordou de Arnaud Montebourg, ministro da renovação industrial, a respeito de como estruturar um banco público de investimento. O ministro do orçamento Jerome Cahuzac e a ministra da cultura Aurelie Filippetti brigaram por mais verbas e pelo retorno dos comerciais à televisão pública. Além disso, ocorreram novos conflitos em torno do aumento do imposto sobre o consumo em restaurantes.

Pesquisas de opinião indicam insatisfação com Hollande. Cerca de 64 por cento dos franceses estão descontentes com o governo e apenas 10 por cento julgam que a situação da França melhorou desde que Hollande assumiu o país, de acordo com uma rente pesquisa da OpinionWay, encomendada pelo jornal Le Figaro.

Sessenta e nove por cento das pessoas entrevistadas afirmaram estar descontentes com a incapacidade do governo de diminuir a taxa de desemprego, a maior nos últimos 13 anos. Além disso, 66 por cento discordam das políticas fiscais do governo. Sessenta e oito por cento disseram que Hollande não sabe como demonstrar autoridade e 63 por cento afirmaram que o presidente é incapaz de tomar decisões difíceis.

Hollande ficará no cargo por cinco anos, mas enquanto isso, Sarkozy – bronzeado e com a barba por fazer - fica nos bastidores, silencioso, mas não esquecido.

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