Você trabalha no turno da noite? Veja como cuidar da qualidade do sono
As pesquisas associam o trabalho em turnos a uma série de problemas de saúde e de insônia
Internacional|Eric Berger, do The New York Times
Quando Samantha Shaw arranjou um novo emprego como técnica de pesquisa para um estudo sobre o sono no Hospital Brigham and Women’s, em 2021, ficou animada para trabalhar em uma causa que lhe parecia pessoal. Como, desde o ensino médio, tem dificuldade para adormecer e manter o sono, aproveitou a oportunidade para colaborar com especialistas da área, contou ela.
Os pesquisadores estavam investigando se um medicamento poderia ajudar a reduzir a sonolência diurna excessiva em pessoas que trabalhavam no turno da noite – geralmente no setor de transporte ou de construção –, que começava entre três e sete da manhã.
Shaw, de 27 anos, achou o emprego interessante. Também passou a trabalhar em turnos rotativos, muitas vezes começando entre duas e quatro da manhã, voltando para casa no início da tarde e indo para a cama por volta das seis da tarde. Apesar do cansaço, tinha dificuldade para dormir, às vezes completando menos de quatro ou cinco horas de sono. Começou a tomar até seis xícaras de café por dia, passou a se resfriar com frequência e quase não tinha tempo para fazer amizades.
Segundo autoridades federais, a insônia, a baixa qualidade do sono e a curta duração deste são problemas comuns entre os 11 milhões de trabalhadores do turno noturno nos Estados Unidos. E quem trabalha nesse tipo de escala muitas vezes tem dificuldade para manter uma alimentação equilibrada ou cultivar relacionamentos com familiares e amigos. Isso pode ter consequências graves para a saúde a longo prazo, afirmou Jeanne F. Duffy, professora da Escola de Medicina de Harvard, que coliderou o estudo no Hospital Brigham and Women’s.
Como o trabalho no turno da noite pode afetar
Pesquisas indicam que quem trabalha por turnos tem mais riscos de desenvolver diversos problemas de saúde, como distúrbios gastrointestinais, transtornos de humor e doenças cardiovasculares. Também tem mais chance de se envolver em acidentes de trânsito e de contrair infecções como gripes, resfriados e viroses estomacais. “Toda a nossa fisiologia é programada para dormir à noite e se manter acordada durante o dia. Portanto, você está lutando contra essa biologia interna quando tenta se manter acordado à noite para trabalhar”, ensinou Duffy.
Michelle Drerup, diretora do Programa de Medicina Comportamental do Sono da Clínica Cleveland, explicou que quem trabalha no turno da noite também tem maior probabilidade de desenvolver obesidade e diabetes tipo 2, em parte porque manter uma alimentação saudável durante essas jornadas é um desafio. Quando chega a “hora do almoço”, por volta de meia-noite e meia, por exemplo, que tipo de refeição está disponível para o trabalhador? “Bom, o que houver na máquina de venda automática, se ele não tiver levado comida”, disse Drerup.
Os horários do turno da noite também são descritos na literatura científica como “antissociais”, porque entram em conflito com os ritmos normais da sociedade, o que pode afetar as relações familiares e, como no caso de Shaw, dificultar a socialização. “Se um trabalhador tenta dar conta das responsabilidades sociais e da saúde às custas do próprio descanso, acaba tendo menos tempo para se recuperar do trabalho”, observou Imelda Wong, higienista ocupacional e epidemiologista que atua no Ministério da Saúde da Colúmbia Britânica.
O que fazer durante e depois do trabalho
Os especialistas em sono fazem muitas das mesmas recomendações de saúde para os trabalhadores do turno da noite que fazem para todos os outros. Manter uma alimentação equilibrada é fundamental para prevenir algumas das doenças crônicas mais comuns entre eles.
Aqueles que trabalham em horários incomuns devem levar alimentos saudáveis e práticos, como legumes, húmus, frutas frescas e amêndoas, sugeriu Drerup. “Planejamento é imprescindível”, acrescentou ela, como cozinhar receitas dobradas e congelar porções individuais nos fins de semana ou nos dias de folga.
Se você ficar sem energia durante o expediente, um cochilo de 15 a 20 minutos (se houver um local tranquilo para isso) pode ajudá-lo a se sentir mais alerta e revigorado, observou Duffy.
Para facilitar o sono ao chegar em casa, é importante ter atenção à quantidade de cafeína que você consome durante o turno. Drerup recomendou limitar o consumo de café a no máximo duas xícaras nas primeiras horas de trabalho e evitar qualquer ingestão nas quatro ou cinco horas finais da jornada.
Em casa, reduza a luminosidade do ambiente. A exposição à luz forte sinaliza ao corpo que é hora de acordar, o que pode dificultar o sono, explicou Wong. Depois, vá para a cama o mais depressa possível, acrescentou ela. Cortina blecaute, máscara de dormir e aparelho de ruído branco podem ajudar a criar um ambiente propício ao sono, disse Drerup.
Se houver compromissos diurnos dos quais não possa abrir mão, como esperar pela chegada do ônibus escolar do(s) filho(s), Drerup sugeriu programar cochilos antes e depois dessas interrupções.
Uma responsabilidade compartilhada
De acordo com Wong, embora existam diversas estratégias para minimizar os impactos do trabalho noturno no organismo, parte dessa responsabilidade também recai sobre os empregadores. Segundo o Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional, as empresas podem ajudar os funcionários do turno da noite evitando escalas consecutivas, limitando os turnos a oito horas ou menos e garantindo pausas para o descanso e a alimentação.
No caso de Shaw, os mais de dois anos de trabalho noturno fizeram com que percebesse como essa rotina pode ser desgastante. O estudo no qual trabalhava terminou em abril, e ela disse que precisou de cerca de quatro meses para recuperar seu padrão normal de sono. Quando questionada se aceitaria esse tipo de jornada novamente, hesitou: “Isso dependeria do projeto, porque, de fato, afetou minha saúde física e mental.”