Dinheiro do crime promove concorrência desleal no comércio
Empresas onde o tráfico lava dinheiro não têm preocupação com saúde financeira
André Azeredo|Do R7
Pode ser num mercadinho, num supermercado, numa barbearia, num petshop, num salão de beleza, num restaurante, num bar, numa joalheria. As opções são quase infinitas.
O crime organizado lava dinheiro em qualquer lugar. Precisa lavar. Porque é muito dinheiro. Muito.
"É uma assimetria no comércio. Para aquele cidadão empreendedor que investe dinheiro limpo, fruto do trabalho, de uma herança ou até de um empréstimo a fonte de recursos e limitada. Tudo é justinho, apertado, matemática. Só que esse empresário correto vai concorrer com quem não tem preocupação nenhuma com isso", explica a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivana Davi.
Segundo a magistrada responsável por julgamentos de casos ligados ao crime organizado, o dinheiro do tráfico "é barato porque tem origem ilegal". É um dinheiro que entra em grande quantidade. Ele precisa ser lavado. Quando o investimento é em empresas de verdade, já existentes, que não são de fachada, o desequilíbrio da concorrência é enorme.
"A organização criminosa gasta R$ 1 milhão para ganhar R$ 500 mil. Isso é bom negócio? Para o cidadão comum, essa conta não fecha. Pro criminoso, fecha. Lógico que fecha, porque é difícil usufruir de R$ 1 milhão quando é sujo".
A operação de lavagem é complexa e cria outras redes criminosas especializadas nisso, em limpar os dólares, euros e reais da venda de cocaína e maconha, especialmente para fora do Brasil, através dos portos.
"Como é muito dinheiro gerado pelo crime, as organizações precisam cometer vários crimes de lavagem de dinheiro. Elas pulverizam o dinheiro em várias empresas, reais ou não, para escapar do Fisco, do COAF, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão federal que monitora a lavagem de capitais, porque dinheiro deixa rastro."
"Quando uma empresa que já existe entra no esquema de lavagem de dinheiro, passa a ter uma fonte quase inesgotável de verba - dinheiro sem imposto, sem juros, sem correção. Com o "investimento da droga" fica mais fácil pagar aluguéis em lugares caros, comprar materiais para obras de ampliação, maquinário. A disputa por clientes fica desequilibrada em relação aos negócios legais.
"Por mais lucro que o criminoso tenha no negócio lícito, a facção criminosa vai precisar continuar lavando dinheiro naquele negócio porque o tráfico de entorpecente não para", pontua a magistrada, que afirma nunca ter visto o PCC com tanto dinheiro, desde que foi criado na década de 1990.
Segundo investigação do Ministério Público de SP, se tem uma ideia de que o lucro do Primeiro Comando da Capital com o tráfico de drogas é de 500 milhões de dólares, a cada ano. Multiplique isso por 5 (valor aproximado do câmbio) e se chegará ao valor estratosférico de quanto o PCC lava dinheiro.
Hoje, não se sabe qual percentual do comércio de São Paulo, por exemplo, que tem investimento do dinheiro do crime para lavar dinheiro. "Ouso dizer que não tem como saber", diz a magistrada.
"Em 32 anos de carreira, nunca vi um sujeito trabalhar dez anos para uma organização criminosa, fazer seu patrimônio limpo, sair da facção e ser um qualquer um do povo. Dizer tô rico, casei, tô feliz, até logo, obrigado. Isso não existe! Até porque não é assim para sair de uma organização criminosa."
Quando as empresas são de fachada, em nome de laranjas, existe a venda de dados. Não é um empréstimo. A pessoa que fornece CPF, conta bancária e demais informações pessoais recebe por isso e, portanto, passa a fazer parte da organização.
"A lei 12.850 enquadra essas pessoas como participantes da organização criminosa. Para participar de uma organização criminosa não precisa necessariamente estar dirigindo um caminhão carregando dez toneladas de cocaína ou estar com fuzil nas costas”, afirma a desembargadora.
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