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La Rinconada: a luta pelo ouro e pela sobrevivência na inóspita cidade mais alta do mudo

Documentário no PlayPlus mostra a cidade peruana que fica a 5.200 m de altitude

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La Rinconada, a cidade mais alta do mundo Divulgação/RECORD

“Azeredo, seguinte... precisa gravar tudo. Mas tudo mesmo. Entendeu? Se você passar mal, vomitar, desmaiar, ficar sem ar. Isso tudo faz parte da reportagem. Combinado? Não é para ficar melindrado em aparecer mal no vídeo porque são os efeitos da altitude. Firmeza?”

Foi assim o convite que recebi para participar da reportagem/documentário em La Rinconada, a cidade mais alta do mundo. E é claaaaro que eu disse: SIM!!!


“Como vivem as pessoas na cidade mais alta do mundo? Como é rotina? Trabalho? Escola? Diversão?” Essa era a parte mais importante da proposta de reportagem, né?

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Olha... depois descobri que a Rinconada não tem absolutamente nada de uma cidade normal!


Rinconada vive da mineração nas montanhas dos andes peruanos. O trabalho lá é cruel, sem estrutura, dentro de cavernas sem ventilação e não regularizado. Não tem estrutura, nem direito trabalhista. Mas o mineiros preferem, porque conseguem trabalhar para eles mesmos, não só produzir para uma empresa.

Eu sabia de relatos de pessoas que passaram muito mal a 5.200 metros de altura: dor de cabeça, enjoo, vômito, falta de ar. Sabe o que aconteceu comigo? Naaaada. Mas eu já falo sobre isso.


20 horinhas de carro

A placa indica o caminho para La Rinconada Divulgação/RECORD

Pegamos o voo em Guarulhos (SP) e seguimos para Lima, capital do Peru. Quase seis horas de viagem. Chegamos e já embarcamos de novo. Precisávamos ir pra Juliaca, uma cidade que fica a três horas da Rinconada.

Se fossemos de carro da capital para Juliaca levaríamos 20 horas e 30 minutos. Aí comprometeria nosso planejamento de gravação. Teríamos três dias para gravar tudo em La Rinconada. Portanto, “airplane” produção.


Sem reboco

O que me chamou atenção demais em Juliaca e em todas as outras cidades peruanas no caminho foi a falta de reboco nas paredes externas do edifícios. Tudo era de tijolo à vista. Mas não tijoinho vermelhinho nova-iorquino bonitinho, jeitosinho, inho, inho. Era um negócio cru mesmo. Bruto. Tipo... Brasil... Entende?

Mas, Juliaca, por exemplo, é inteira sem reboco. Tem 220 mil habitantes, centenas de milhares de residência e, sem exagero, 95% sem reboco. A explicação deles foi que falta grana para as pessoas concluírem as obras. Preferem gastar com a parte de dentro. Mas a cidade, inteira, gente? Sim. Sei lá, me pareceu mais cultural mesmo.

Folha de coca e paisagens lindas

Um caminho bonito nos leva a La Rinconada Divulgação/RECORD

As estradas cruzam lindas paisagens no interior do Peru. A maioria tem pistas simples: uma que vai, outra que vem. Estreitinho. E, acredite, a rapaziada no Peru, na média, acelera sem medo e faz umas ultrapassagem de trancar a respiração e outras coisas também, se é que me entende.

Nos acostamentos tem folha de coca para vender. Ficam em enormes sacos de lona. Tipo os vendedores de fruta de beira de estrada no Brasil. Com 5 soles, equivalente a R$ 6, se compra uma sacola de supermercado cheia de folha de coca.

Como usa? Você coloca uma em cima da outra, várias, umas 15 vai. E enfia no canto da boca entre os dentes e a bochecha. De vez em quando, dá umas mordidas para soltar o líquido. Não se deve fazer como eu fiz de mascar igual chiclete. Primeiro porque vem muito líquido, o gosto de mato fica insuportável e esfarela tudo na boca. É possível que você passe o dia todo cuspindo como uma lhama ou uma alpaca. Sério. Aliás, esses bichos compõem a paisagem. Deslumbrante.

Finalizando a questão folha de coca, os peruanos vendem uma massa preta (parece massa de modelar mesmo) feita das cinzas de sementes de quinoa queimada, misturada com hortelã e anis. É para dar gosto na folha. Você tira um pedacinho dessa massa, coloca no meio das folhas e enfia na boca. De fato o gostinho é bom, mas adormece a garganta tipo xilocaína.

Dá uma melhorada. Mas, quer saber? Bom, bom, não é. Fica com gosto de chiclete de capim com menta.

Antesala

Lixo está em toda a cidade de La Rinconada Divulgação/RECORD

Vamos lá. Não me entendam mal. Vou ser franco e direto. De longe, a La Rinconada é linda. Parece uma aldeia prateada no pé da geleira, que brilha com o sol. Pitoresco, ok? De perto. Jesus... De perto é a treva. Na chegada tem um lixão de 1,5 km de extensão até chegar a entrada da cidade. Um terreno largo e comprido que recebe 50 anos de lixo. Não entendeu? Os dois caminhões que coletam o lixo na Rinconada não têm para onde levar esses resíduos. Então, eles despejam no terreno que fica no pé da montanha.

É MUITO lixo. Surreal. Assustador. André, cheira mal? Se cheira mal? Gente, é uma catinga nauseante. As pessoas conseguem lidar com esse odor podre quando está muito frio, porque o tempo gelado abafa o cheiro. Mas é isso, o cartão de visitas é um lixão extenso, com estradas abertas entre os detritos e com vários tipos de aves de rapina em busca de comida. A antesala da cidade é um prenúncio do que vem pela frente.

A cidade mais alta do mundo

La Rinconada lembra um favelão brasileiro Divulgação/RECORD

Finalmente 5.200 metros acima do nível do mar. Temperatura de 0 grau ao meio-dia. Chegamos. E aí? Primeira impressão? Posso falar sem ser julgado? Vou usar essa palavra para ficar fácil de entender, tá? Eu juro que não é preconceito, mas para nós brasileiros vai ficar infinitamente mais fácil.

A Rinconada é um FAVELÃO! Isso mesmo. F A V E L Ã O.

Gente, não fiquem bravos. É que é. Saca? Todos da equipe tiveram a mesma reação. E você teria também: “Não parece? Parece. Muito”.

Fica em um morro, as ruas são estreitas, as construções improvisadas com todos tipos de materiais possíveis (alvenaria, madeira, concreto, metal, tudo junto e misturado) e têm muitos barracos, sobretudo de metal.

Mas as favelas brasileiras são melhores em vários quesitos. La Rinconada tem muito lixo espalhado (de maneira absurda), o esgoto corre no meio da rua com uma canaleta própria para ele. Meio da rua mesmo, tá? Sem constrangimento. Não tem água encanada e não tem banheiro. Merece um tópico, né?

O esgoto literalmente passa pelo meio da rua na cidade Divulgação/RECORD

Sem água e sem banheiro

As casas não têm água encanada. Uma gambiarra monstruosa com centenas de canos grossos, incrivelmente extensos, traz água da geleira. É difícil até explicar.

Como chove muito lá, as pessoas colhem água do telhado. Isso mesmo. Com baldes. Obviamente que a primeira coisa que pensei foi: essa água é usada para cozinhar, né produção? A resposta foi um assustador. SIIIIMMMM.

Caramba. E tem mais. Todos os telhados são contaminados com vapor de mercúrio, queimado para separar do ouro. Então a água é sempre contaminada? Bingo. Sim. Exatamente. Só as de garrafinha que não. Mas aí tem que comprar no comércio local. Mas pra cozinhar.... Já entendeu, né?

Sem água encanada, não tem banheiro, óbvio. Aliás, nenhuma casa tem banheiro. Nenhuma. Zero. Não vai encontrar. Os banheiros são todos “públicos”, paga R$ 1 para usar. E..... prepare-se... não tem vaso sanitário. É de cócoras. Agachadinho. Dentro da cabine. Com o chão de concreto e normalmente molhado.

Minha amiga, meu amigo, difícil. Desestimulante. Um convite à prisão de ventre forçada. Como eu fiz? Não fiz. Por isso, decidi me hospedar em uma cidade perto de La Rinconada. A 1h30 de distância. Sem chance dormir lá.

Banho com pano

Banho lá, só com pano molhado. Não tem chuveiro porque não tem água encanada. Como faz muuuuito frio (temperatura pode chegar a -20 graus) ninguém se arrisca a entrar debaixo d’água e sair congelado. Não tem calefação em lugar algum.

Então, os moradores, a maioria mineiros, só tomam banho de chuveiro quando vão para casa em outras cidades. Rinconada é lugar para trabalhar.

Lugar para ficar rico

La Rinconada só existe por causa do ouro. Vive-se por isso. Mata-se por isso. A violência lá é muito grande. É quase uma terra sem lei.

Só não fiquei com medo porque estava acompanhado de um grupo que ajuda a administrar a cidade. Mas todos têm um ar mal-encarado e triste. Conversei com muitos. Muitos mesmo. Difícil gravar entrevista à medida em que têm ex-prisioneiros ou pessoas em dívida com a Justiça. Porém, quem vive lá quer trabalhar. E muito.

Todos os dias levantam de madrugada na esperança de dar uma picaretada certa, achar uma enorme e dar o fora, com o bolso cheio. É claro que isso é difícil. Pode demorar décadas para achar a grande pepita. Ou isso pode nunca acontecer.

O Estado peruano já tentou regularizar. Conceder a mina para grandes empresas. Os mineiros não querem, se revoltam, já até pegaram em armas. Assim, o Estado abandonou. Quase não tem segurança. Tem oito policiais que podem fazer pouco contra os ladrões que vem de fora da cidade em busca do ouro extraído dos mineiros. Os trabalhadores vão ficando. Sem suas famílias. Não é um lugar para criar os filhos. Trabalhando. Sobrevivendo num inferno perto do céu em busca do sonho dourado.

Eu venci a altitude

Compramos cilindro de oxigênio, pílulas contra a altitude, tomamos muita água (comprei fardos antes de chegar em La Rinconada) e masquei folha de coca direto. Dizem que funciona, mas não há comprovação científica, assim como o chá.

Resumindo. Não passei mal. Não vomitei. Não desmaiei. Não fiz fiasco. Ou seja, frustrei categoricamente a esperança dos meus editores. Rá!!! Atribuo isso a um diurético recomendado pelo meu pai, que é urologista e que também tem formação em medicina aeronáutica.

Claro que eu colaborei. Fazia movimentos mais lentos e tomava muita água. Entretanto, o diurético (COM RECOMENDAÇÃO MÉDICA, hein gente) creio ter sido um divisor de águas. A pessoa se cansa mais fácil? Com certeza. Não há a menor dúvida disso. Mas ninguém da equipe passou mal porque todos tomavam religiosamente o diurético nos horários estipulados.

Você se daria bem com esse nosso coquetel a 5.200 metros de altitude? Não sei. Depende do seu organismo. Mas uma coisa é certa. Rinconada não é lugar onde você queira passear, um lugar que vai querer te receber!

Equipe

André Azeredo, Bruno Lima, Juan Pastor e Flávio Ferreira: a equipe de gravação do documentário sobre La Rinconada Divulgação/RECORD

André Azeredo, Bruno Lima, Juan Pastor e Flávio Ferreira. Meus companheiros, parceiros, irmãos de jornada, incansáveis, criativos, curiosos. A expedição para La Rinconada foi proveitosa e didática porque estava com vocês.

Nosso câmera Ferreirinha virou símbolo sexual. Viralizou numa dancinha do TikTok com capacete de mineiro amarelo. As meninas amaram o “casco amarillo” Juan Pastor é nosso roteirista quase vira vereador, abraçou, beijou, tirou fotos e até carregou bebês no colo. Bruno é o nosso diretor, pensador, cineasta, coordenador do rolê.

Fizemos um pacto quando voltamos. Dois meses sem comer frango. Só tinha “pollo” naquele lugar, acompanhado de batata frita, arroz com água de mercúrio e sopas com coloração tipo radioativa. Toda vez que vinha um pedaço de frango para mim, eu pensava. “Será que não é um daqueles urubus com jeito de carcará que vivem no lixão, mano?” Fiquei forte como os mineiros e não passei mal. O “pollo” da Rinconada tem suas propriedades benéficas e vantajosas, embora eu prefira realmente não saber de onde ele vem.

Onde assistir

Todos os detalhes dessa aventura pelos Andes peruanos e a busca pelo ouro podem ser conferidos no documentário La Rinconada: O Inferno Perto do Céu, já disponível no PlayPlus.

SOBRE O PLAYPLUS

PlayPlus é o serviço de streaming multiplataforma da RECORD, com conteúdos originais e exclusivos, transmissão ao vivo e simultânea da emissora, e acesso a toda programação dos canais RECORD, como novelas, jornalismo, reality shows, e diversos produtos inéditos: podcasts, rádios ao vivo e coberturas especiais. Para smartphones, o PlayPlus está disponível nas lojas de aplicativos da App Store (iOS) e Google Play (Android), para diversos modelos e marcas de SmarTVs, e também pelo site.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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