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A vida de Marco Herbas Camacho, o Marcola, dentro e fora da prisão

Chefe do PCC teve a cabeça mergulhada em um tambor d'água e respondeu o que queria para acabar com os ataques de 2006: a visita de Dia das Mães

Arquivo Vivo|Percival de Souza e Percival de Souza

Ainda menino, o bandido do futuro era viciado em cheirar cola. Assim, ganhou o apelido de Marcola, mistura de Marco e cola. Capitalizou a força estagnada nos presídios, onde antigamente o poder era inútil, transformando-a em comando interno e externo, dentro e fora, conquistando o status inquestionável de inimigo público número 1. Este é Marco Willians Herbas Camacho, o poderoso chefe do Primeiro Comando da Capital, palavras cujas letras iniciais, PCC, usadas por toda parte, representam a décima-terceira e a terceira letras do alfabeto.

Bem antes de Bolsonaro, Marcola tornou-se mito. Há muitos exageros sobre ele e a facção criminosa. A polícia, para valorizar seus peixes, incorpora ao bando até ladrões de galinha e traficantes pés-de-chinelo. Vagabundos inexpressivos dizem que pertencem ao PCC para se valorizar. Negativo. Por isso, você vai ler aqui somente coisas que você nunca leu em lugar nenhum.

Primeiro, o próprio Marcola. Prisioneiro em trânsito no ano de 2006, estava em São Paulo para ser interrogado em processos criminais, quando aconteceram ataques incendiários, tiros a esmo e impiedosa matança desenfreada. Pânico na cidade. São Paulo sob terror. Há quem resista a usar a palavra “terrorismo” para classificar tais atos. Mas atentados indiscriminados contra civis significa exatamente isso, e nosso assunto aqui não é de ordem semântica. É mais, muito mais.

Prisioneiro recolhido provisoriamente no Deic, foi levado algemado à sala do então diretor Godofredo Bittencourt, tão severo em seus métodos que era conhecido na polícia como “Fudêncio”. Na sala, foi colocado um tambor cheio d’agua. Ali, dois tiras encorpados o mergulharam por três vezes. Marcola quase perdeu o fôlego. Depois, “Fudêncio” mandou vir uma comidinha melhor para amansar a fera. Mau e bom. Então, como se estivesse no mais solene dos momentos, falou como diplomata, não numa sala do Deic, mas num gabinete do Itamaraty. Olhou fixamente para Marcola e disse: “Estamos frente a frente. Vamos conversar como homem. Você é o chefão dos bandidos e eu sou o chefão da polícia...”. No respeito, na moral.


Bittencourt queria saber qual seria a motivação daqueles dias de terror na cidade. Marcola disse que o clã da bandidagem estava em regime disciplinar diferenciado, muito severo, e as visitas do domingo seguinte havia sido suspensas. Era o domingo das Mães e os discípulos de Marcola estavam indóceis. Liberar as visitas e o terror acaba. Simples assim. Tão simples que Bittencourt olhou espantado para Marcola: “Só isso?!”. Só. Os selvagens também amam… pelo menos a mamãe.

“Fudêncio” ligou eufórico para o secretário de Segurança, Saulo de Abreu, dizendo que “o problema estava resolvido”, era só ele falar com o colega da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, e obter a autorização. Pronto. Para sua surpresa, entretanto, Nagashi não concordou. “Fudêncio” reagiu com palavrões e foi preciso muita conversa para acalmá-lo.


Bittencourt fez dupla com o delegado de investigações sobre roubos a banco, Ruy Fontes, e os dois foram descobrindo aos poucos tudo o que se sabe sobre PCC. Ruy será o novo delegado-geral da Polícia Civil a partir de janeiro de 2019. O momento atual da polícia é curioso: com o PCC no auge, o promotor Antônio Ferreira Pinto, que estava na Administração Penitenciária, foi para a Segurança Pública. Irritado com Ruy por motivos nebulosos, transferiu-o do Deic para uma delegacia longínqua, na Cohab Teotônio Vilela, zona leste de São Paulo. Agora, Ferreira está ameaçado de morte pelo cada vez mais atrevido PCC, e Ruy, como diretor do Departamento de Narcóticos, continua, sutil e sem aparecer, desencadeando as principais operações anti-PCC.

Curioso: Ruy Fontes, mesmo inimigo implacável, é respeitado pelo PCC. Ainda no Deic, comandou uma operação na qual foi presa a mulher de um dos chefes do crime. Ela estava em casa, só de camisola, e Ruy mandou seus investigadores virassem as costas. O delegado deu cinco minutos para ela se vestir. Conquistou, assim, o respeito do mundo do crime.


Saber o que se passa dentro da facção exige movimentar-se com passos certos para obter informações. Acadêmicos e pesquisadores costumam passar longe dos fatos, preferindo elucubrar teses e vestir mantos da fantasia. Para romper tais circunstâncias, usei uma técnica. Funcionários dos presídios, graduados ou não, costumam se reunir socialmente de vez em quando. Já fui a vários encontros e num deles pedi a um grupo que fizesse de conta que eram repórteres para revelar segredos trancados dentro do sistema prisional. E ainda dei o prazo para este trabalho! E eles foram ótimos! Alguns segredos serão revelados aqui:

1) Não é verdade que Marcola seja um intelectual, como alguns propalam por aí. Já disseram que ele seria ferrenho leitor de Sun Tzu, general, estrategista e filósofo chinês (44 a.C.), autor de “A arte da guerra”. O livro, curto, trata de planejamentos, estratégias e lideranças e também de negócios, vivência e disciplina. Em tese, tudo muito a ver com PCC, mas não foi em Sun Tzu que Marcola buscou inspiração. Descobri o que Marcola costuma ler e muita coisa que ele escreveu, para dentro e para fora. Não há nada de intelectual nas suas frases, parágrafos, observações e convicções, sem conjecturas e muita objetividade sobre a ótica do crime, por sinal muito perceptível às vulnerabilidades dos sistemas prisional, policial e judiciário.

2) A rede de informações da facção age como se tivesse um departamento de inteligência, e conta com vários tipos de simpatizantes e colaboradores, entre eles advogados e advogadas sem escrúpulos, que agem não dentro de um processo, mas — como se diz no mundo do crime — “correndo junto”. Alguns correm, galopam, fazem um jogo de envolvimento para lá de criminoso e repetidas vezes pagam com a vida por isso. Como o assunto é desagradável, evita-se tocar nele: não pega bem contar a história da advogada que ficou grávida do bandido “cliente” em visita íntima e outra que, para driblar a vigilância no parlatório da prisão, escrevia mensagens nos seios e abria a blusa no horário de visita.

3) Um apoio de intelectualidade débil vem de gente que, por variadas razões, gosta de bandido — não para regenerá-lo, mas para apoiá-lo como se ele fosse um vingador social. Abomino o pecado, mas amo o pecador, diria santo Agostinho, em pleno século XIII das trevas. Mas o doutor não é parâmetro para raciocínio sobre crime organizado, repleto de bestialidades e crueldades. Nada de admirável, mas os pretensos intelectuais do crime difundiram um “documento” chamado "Grito dos Oprimidos Encarcerados”, no qual chamam-se de “oprimidos” e admitem que nessa condição, “sem expectativa”, tornam-se “animais irracionais”. Sempre provam isso, por sinal. Óbvio na leitura do texto que os autores não são presos, nele podem do ser identificados alguns rábulas com a pretensão e gerar fascínio com uma visão do crime que chega a ser erotizada.

Aqui está resumido não o que eu gostaria que fosse, mas é. Pela primeira vez, veremos a partir do mês que vem uma interligação do aparato repressivo, juntando o que se passa dentro dos escritórios do crime, o aparato policial e judiciário, para implantação de medidas concretas contra o crime organizado que intimida e apavora, até aqui olhado por palpiteiros, amadores, sonhadores e irresponsáveis, dos quais uma sociedade inteira é refém de hipocrisias e mentiras. Aliás, deu muito trabalho descobrir e escrever sobre o que você acaba de ler e ninguém diz. Mas este é o meu ofício: fazer de tudo para que você saiba. É o meu único compromisso.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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