Exército teve cerca de 13 armas desaparecidas
Reprodução / Record TVAs potentes armas subtraídas do Arsenal de Guerra do Exército, em Barueri, significam um superentrosamento do crime organizado, com detalhes até aqui inimagináveis, que envolvem amplos setores da sociedade. Pior: querem dizer que foi estabelecida uma ligação muito forte e espúria desse tipo de infração com as estruturas sociais e institucionais. Mais ainda: o crime organizado acaba de dar um passo gigante à frente, estabelecendo uma relação que pode ser considerada diplomática, entre as forças mais estruturadas do banditismo no Brasil.
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É grave. Muito grave. O crime passou a ter embaixadores. O perigoso tema é extremamente incômodo, desagradável, mas estamos falando de mecanismos institucionais de defesa, para os quais o país precisa estar permanentemente preparado. Tropa sempre pronta, como se diz na caserna.
O armazenamento de armas e munições da força terrestre fica num lugar militarmente estratégico, com proximidade com outros quartéis, como de Quitaúna, e dois batalhões da PE, a polícia do Exército.
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Estratégico e cobiçado, embora teoricamente apenas no imaginário, pois a estrutura militar de proteção nos remete a uma fortaleza inexpugnável. Impossível entrar sem permissão numa delas, os antigos “paióis”. Além de estocar armas privativas, havia, até recentemente, o controle absoluto da comercialização de armas, os chamados produtos controlados. O Exército transferiu esse poder para a Polícia Federal, dada uma necessária adequação sobre o assunto, em face de o crime organizado ter se tornado cada vez mais ostensivo, ousado, atrevido, atravessando qualquer fronteira de limite.
Já conversei sobre o tema diversas vezes com oficiais superiores da força, entre eles o general Miguel Ribeiro Paiva, atual líder do Exército brasileiro, quando ainda estava no Comando Militar do Sudeste. Diante das evoluções criminosas cada vez mais graves, o papel dos militares é completamente diferente. É o caso das intervenções militares, como já aconteceu no Rio de Janeiro. Que diferença há entre combater bandidos e uma operação de guerra?
A diferença é simples e, ao mesmo tempo, muito mais grave. Imagine um grupo ameaçador andando com fuzis nas mãos numa área sob patrulhamento militar. A cena faz parte da paisagem cotidiana em vários pontos infestados de traficantes nos morros do Rio de Janeiro. Que faz a polícia, se for esse o caso? Tentaria capturá-los e apreender as armas, muitas vezes com intensos tiroteios, que podem atingir pessoas que nada têm a ver com isso. Quem disse que bandido é seletivo na hora de escolher os alvos?
A complexidade entre grupos antagônicos, polícia e bandidos é vista sob outro prisma na ótica dos militares. Militar do Exército não é polícia, é combatente. Nessa perspectiva, que faz parte da sua atividade-fim, alguém armado de fuzil andando normalmente pelas ruas é algo que não se pode, de jeito nenhum, tolerar. O que seriam, então, os fuzileiros declarados do crime? Inimigos, explicam os militares. E o que faz um militar do Exército com inimigos? Guerra é guerra, o inimigo tem que ser abatido.
Não há meio-termo aqui. Ou você requisita as tropas ou não. A prerrogativa é exclusiva do presidente da República. O pedido é formulado pelo governador do estado. Esclareça-se: o Exército não quer isso, não faz parte das suas funções. Mas, se o presidente der a ordem, ele vai. Portanto, ir ou não ir — aí está a questão, considerada missão pelo Exército. Missão dada, missão cumprida, é o que dizem.
O crime organizado — entenda-se as duas organizações mais estruturadas, embora existam outras no país — são o PCC, Primeiro Comando da Capital, que nasceu em São Paulo, e o CV, Comando Vermelho, no Rio de Janeiro.
SOMOS NÓS
Já foram rivais, mas acabam de deixar de ser. Preferiram fortalecer-se, gravitando, unificados, em torno de uma nova irmandade, que, à semelhança da máfia italiana, considera “homens de honra” os seus integrantes. O conceito de “honra” não tem nada a ver com a honra verdadeira, que exige dignidade e caráter, mas um novo tipo de honra, neologismo puro, que exige obediência aos que mandam, seguir regulamentos próprios e normas que não podem ser contestadas. Os honrados mafiosos, preferem dizer assim, com certa ponta de orgulho.
Os alvos sentenciados para morrer a sangue-frio podem ser surpreendentes pelas funções que exercem. Dois exemplos, entre outros: a juíza de direito Patrícia Acioli, assassinada na porta de casa, atingida por 21 tiros de pistola calibre 9 mm, a maioria no rosto. Ela apurava a atuação de policiais militares na região de São Gonçalo (RJ), que formaram um bando de matadores, chefiados por um tenente-coronel da Polícia Militar. O assassinato aconteceu em 2011. Patrícia conduzia um processo que caminhava para a condenação. Morreu antes de promulgar a sentença.
Outra vítima, também juiz, foi Antonio Machado Dias, o Machadinho, responsável pelas execuções penais, o cumprimento de sentenças na região de Presidente Prudente, onde estão instalados vários presídios de segurança máxima. No fim de expediente no fórum, em 2003, um homem, vestindo terno e gravata, entrou no prédio judicial para observar as salas dos magistrados e identificar Machadinho. Não poderia haver dúvidas.
Quando o juiz ia entrar no seu carro, foi atingido por vários tiros e morreu no local.
NARCODITADURA
Mais demonstrações de força: três médicos paulistas, participando de um congresso mundial de ortopedia, foram descontrair-se à noite num quiosque na Barra da Tijuca (Rio), e bandidos abriram fogo contra eles, sem mais nem menos. Os médicos foram atingidos, e um morreu na hora. No dia seguinte, diante da caçada humana que prejudica negócios de traficantes, milicianos informaram que um dos médicos era “muito parecido” com uma das vítimas. Semelhança fatal, penitenciou-se o comando da milícia, fragmento que milita no crime, disputa controle em lugares onde predomina o domínio mortal dos criminosos.
Era como se fosse um aceitável pedido de desculpas. O tráfico, porém, preferiu agir rapidamente: matou quatro, os possíveis matadores. Chegamos ao lamentável status quo atual. Segundo o general Maurício Vieira Gama, chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Sudeste (com quem converso frequentemente), a subtração de armas no Arsenal de Barueri possui características próprias. É um lugar onde ninguém entra ou sai sem passar por sentinelas. Tradução: teve gente que entrou, recebeu as armas e saiu dali. Conivência interna cooptada para repassar as armas para alguém apanhá-las, tudo previamente combinado (data e hora).
As armas eram metralhadoras .50 e fuzis 7.62. O general conta que os objetos estavam no arsenal para manutenção, sem condições de uso imediato. Resta saber se os bandidos teriam condições de fazer isso, o que lhes daria um poderio bélico inigualável.
A traição dos militares envolvidos no furto lembra a fuga do ex-capitão Carlos Lamarca, que desertou do quartel.
Quitaúna, nos anos 1970, levando consigo um carregamento de armas, para incorporar-se a um grupo de guerrilheiros que, na época, pretendia derrubar o regime militar.
Entramos numa nova fase do crime organizado, que já está funcionando como se fosse uma empresa multinacional, exportando drogas, importando armas e munições, e nesse caminho decidindo quem morre e quem vive. O pior de tudo é a unificação, pois PCC e CV, diplomaticamente de mãos dadas, pretendem alcançar domínios criminosos interestaduais.
Para isso, os métodos adotados se tornam cada vez mais ultraviolentos. É o grande desafio, que exige também a interligação das forças de segurança, diante de um aparato até aqui desconhecido.
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