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Bandidos ganhando dos mocinhos

Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV

Duelos repletos de balas sem detino aterrorizam a população
Duelos repletos de balas sem detino aterrorizam a população

Mocinhos e bandidos estão duelando permanentemente. De um lado, pessoas que não são nem arcanjos e tão pouco querubins. De outro, o sistema, chamado de “persecução penal”, que não está dando conta do recado.

No meio do duelo, repleto de balas sem destino, está a população – a sociedade que fica entre o rochedo e o marisco, diante do impacto das ondas. O resultado é visível: a intranquilidade no andar pelas ruas, o temor de ficar com os vidros do carro abertos no trânsito, falar ao celular em certas situações, as residências transformadas em fortins, alterando a arquitetura das cidades, o tráfico de drogas alimentando escaladas da violência, os consumidores ostensivamente exibindo seu modo de vida, por meio da deprimente perda completa da razão. É evidente que não podemos nos conformar com isso, mas aos poucos já nos acostumamos, sabedores de que ser ingênuo ou andar despreocupado são sinônimos de perigo.

Além disso, aqueles que fizeram opção pela prática criminal, mostram, a cada dia, que são mais criativos e inovadores do que as forças de segurança. Estão sempre passos à frente, mutantes, colocando em prática novas facetas, como se fossem pensadores, articuladores e executores de novos formatos.

Os resultados dessa inferioridade na eterna luta entre mocinhos e bandidos, estão espelhados em números coletados. As estatísticas formais, que na sua frieza não espelham a realidade por completo, de qualquer forma são preocupantes.


Matar com vontade de matar, o tal de “doloso”, ultrapassou a casa dos 50 mil homicídios por ano, o que é uma vergonha nacional, pois nos coloca entre os maiores matadores do mundo. A matança possui um significado tenebroso: de um lado, elimina nossa bem mais precioso, a vida.

De outro, expressa a violência em grau máximo, que é o assassinato. Como explicar os números sinistros, não está sendo fácil: os responsáveis pelo cálculo omitem que os homicídios são praticados de maneira interpessoal. Não há com o prevenir o desejo de matar. Sabemos quais são as motivações, principalmente relações com o crime contra o patrimônio (são assustadores os dados sobre latrocínio), dívidas em geral, tráfico e consumo de drogas, e os casos passionais.


A pobreza gravita em torno das apreciações, acompanhada pela aparente baixa da saúde mental e o acesso às armas de fogo, com as quais se comete a maioria dos crimes. Não se pode ocultar, porém, que muitas eliminações físicas são feitas a golpes de faca, pedaços de pau, pedras, martelos e marretas. Essas mortes violentas ultrapassaram a casa dos 80% do mapa criminal elaborado pelo último Anuário do Fórum de Segurança Pública, que incluem latrocínio e lesões corporais seguidas de morte.

O nome para interpretar este mapa do crime é genocídio. Uma pessoa é assassinada a cada dez minutos no Brasil. Não cabem eufemismos, retóricas ou sofismas. Adicione-se: o número de homicídios não esclarecidos é superior ao dos descobertos. Portanto, temos nas ruas um verdadeiro exército de criminosos que, além de não serem punidos, sequer foram identificados.


Registre-se aqui um detalhe: o bandido (sim, quem mata para roubar é bandido) está mudando o conceito de latrocínio, roubo seguido de morte. Tem acontecido, e muito, casos em que se mata primeiro para roubar depois. Celulares, por exemplo. Muitos jovens autores. Estão sendo registrados aumentos significativos em casos de roubos a estabelecimentos comerciais e transeuntes, o que traduzido significa que ninguém pode ficar tranquilo em lugar algum. A sensação de insegurança. Deveria ser o contrário. Fatores indiretos ainda a serem estudados são o desemprego e o isolamento social provado pela pandemia.

Os grupos criminosos em disputas trogloditas exibem a disputa feroz pelo domínio de territórios. Vejo esse cenário diariamente no programa de TV “Cidade Alerta”, do qual sou comentarista. Somos seletivos: eticamente, não dá para mostrar certos fatos, exibir determinadas imagens e contar certos detalhes. Isso, entretanto, não significa que não vejamos a brutalidade, a crueldade, a estupidez estampadas.

Por vezes, ficamos descrentes até da espécie humana, diante de fatos que muitos são capazes de cometer, vitimando homens, mulheres, jovens, crianças. Até onde se pode chegar? O dinheiro gira em torno de tais casos, acumulando ambições, avareza, frustrações sexuais – uma série de fatores que se resumem na frase repetida pela maioria das vítimas: “quero justiça”. Quem não quer? Ela virá, talvez. Sua residência, porém, é bem mais longínqua do que os crimes que acontecem ao nosso redor.

Diante desse cenário, ficamos à mercê de palpiteiros, curiosos, amadores e sonhadores. Alguns se apresentam como “especialistas”, embora não o sejam. Outros se aventuram em teses mirabolantes. Curiosamente, boa parte dos que trabalham com a mão na massa nessa área sequer são consultados quando se fala em projetos, planos, legislação e modo de agir.

Entre aventuras curiosas, encontra-se uma espécie extremamente nociva, que faz questão de confundir, muitas vezes por razões ideológicas, entre combater o crime prefere combater a Polícia. Há excessos por parte de alguns agentes da lei? Há. Digo alguns porque não se pode generalizar minoria, trocando-a por maioria absoluta. Mas pergunto, ao mesmo tempo: e os excessos brutais cometidos por violadores das leis, matando sem motivação, invadindo casas, estuprando e aterrorizando? Seria interessante colocar os pesos na balança e verificar quem fica devendo.

Superar esse desafio (sim, desafio) exige maturidade e discernimento, que em momento algum podem ser aliados da incompetência. É impressionante como a nova máfia dominante do crime, evolução do PCC, Primeiro Comando da Capital, dispõe de muito dinheiro, organização, planejamento, equipamentos bélicos e estrutura de informações. Mostrou-se ao longo do ano capaz de situar cidades, desafiando e debochando do Estado. Enquanto isso, políticos se dividem entre situação e oposição, sem perceber que esquerda e direita, hoje, tornaram-se sinais de trânsito. Faltam ideias.

Estamos falando de segurança pública, “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, segundo o caput do artigo 144 da Constituição, cujas pretensões não são pautadas em nível nacional, mas fragmentadas pelos estados. Predominam populismos estéreis, apesar dos deveres inerentes política e socialmente. Consequências imediatas são a criminalidade fora de controle, com ausência de programas para soluções e punições imprescindíveis. A população clama. Não se quer ouvir seus gritos. O silêncio envolve as vítimas com dor e cicatriz nas almas por perdas irreparáveis. É preciso até coragem para olhar nos olhos das vítimas.

Assim estamos, encerrando mais um ano. O fracasso da chamada persecução penal custa caro: somados os orçamentos do Judiciário, do Ministério Público, das Polícias e do sistema prisional, façamos as contas dos crimes esclarecidos, punidos e os altíssimos índices de reincidência. O déficit é preocupante. Só não vê quem não quer.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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