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O avanço sobre o crime organizado

Para resolver o grave problema da segurança pública, é preciso mais que uma simples canetada

Arquivo Vivo|Percival de Souza e Percival de Souza

Atuação das milícias no Rio é o pretexto para a deflagração da GLO
Atuação das milícias no Rio é o pretexto para a deflagração da GLO

Não é com uma simples canetada que se vai resolver o grave problema da segurança pública formatada em termos de crime organizado. Erros típicos de quem não é do ramo antecipam ausência de resultados positivos a partir de novembro (6) até maio do ano que vem. Espera-se que o crime obedeça ao calendário de seis meses.

A Garantia da Lei e da Ordem (GLO) já é uma possibilidade admitida anteriormente. O Exército Brasileiro possui uma unidade específica, sediada em Campinas (SP), para mobilização de tropa diante dessa situação e sob convocação expressa do presidente da República. Didatizando: quando a vaca olhar para o brejo, convoque-se a tropa especializada da força terrestre.

O pano de fundo dessa medida, agora, é estreitamente político. Crime organizado é uma coisa. Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança, é coisa diferente: ele está cobiçando ostensivamente uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, para ocupar a vaga deixada por Rosa Weber, que se aposentou. Mais uma cortina política é a tentativa de neutralizar o governador paulista Tarcísio de Freitas, no apoio ao candidato que for disputar a prefeitura de São Paulo no ano que vem.

Vejamos, então: o pretexto para deflagração da GLO é, mais uma vez, o Rio de Janeiro, onde bandidos-traficantes ocupam e dominam vários morros e, recentemente, incendiaram muitos ônibus, o que afeta de modo direto uma sofrida população já oprimida. Portanto, bandidos e terroristas estão concentrados em pontos que consideram inexpugnáveis, desafiando abertamente a lei da ordem, exibindo força e poder, implantando normas práticas de comportamento e execuções sumárias. A lei maior, a nossa Constituição, por óbvio é superior a decretos. Ela prevê, em seu artigo 144, caput, que “a segurança pública é direito e responsabilidade de todos para a preservação da ordem pública”...

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Se houver quebra da ordem, impõe-se a utilização de tropas de contenção. A ordem precisa ser normalizada. Ordem pública, GLO. A utilização de tropas, assim, significa que, havendo quebra da ordem, é preciso que ela seja restabelecida. Esse é o princípio esculpido na bandeira do Brasil, o símbolo da Pátria, baseado na “ordem” desenhada, no século 19, pelo filósofo francês positivista Augusto Comte. Sem ordem não há progresso. Está na nossa bandeira. Abraçamos o positivismo.

Crime estruturando-se de forma organizada é desordem, desafio atrevido ao Estado, que se mostra desorganizado a ponto de requerer Forças Armadas — as três — para que o anormal volte ao normal.

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Seria fundamental saber: se o crime aterrador está concentrado no Rio de Janeiro, por que atuações militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica deveriam priorizar os portos de Santos, Rio de Janeiro e Itaguaí e os aeroportos de Guarulhos e do Galeão?

Em tese (porque tese é hipótese, e não inteligência), esses lugares seriam pontos de desembarque de drogas e, talvez, armas e munições. Exatamente aqui a coisa pega: de todos esses lugares, o único de comprovação é o porto de Santos, de onde — de fato — partem grandes carregamentos de cocaína para a Europa. O Brasil era corredor do tráfico, agora é elo de exportação. As armas de fogo, com as respectivas munições, chegam mais da fronteira Brasil-Paraguai. Aliás, na região fronteiriça (com Foz do Iguaçu) podem-se ver armas de grosso calibre expostas em vitrines de lojas e outras armas exibidas em barracas. Tudo abertamente em Ciudad del Este ou Pedro Juan Caballero. Nada é dissimulado.

Num recente episódio, essa situação ficou muito bem clara. Um soldado da Rota, Patrick Reis, foi alvejado e morto em Guarujá. Houve reação violenta da polícia, um saldo de mortes bem grande, e um reflexo que passou despercebido: os traficantes locais passaram a ganhar muito mais dinheiro montando galpões, onde a cocaína a ser exportada é armazenada. São grandes depósitos para posterior embarque no porto de Santos, com a estratégia de ocultar grandes quantidades da droga no casco de navios. As rotas de percurso são cuidadosamente calculadas, partida e destino, com acordos prévios entre traficantes internacionais. Para isso, são necessárias informações sobre horários, relacionamento com funcionários do porto e mergulhadores.

O esquema exige infiltração, informação, sutileza na apuração, a espera da hora certa para dar o bote fatal nos traficantes. Ressalte-se que a principal das organizações criminosas, Primeiro Comando da Capital, conseguiu montar aos poucos uma estrutura mafiosa, como se fosse uma grande empresa multinacional, logística própria e uma atuação contábil que impressiona ao arrecadar milhões com o tráfico. Já a organização Comando Vermelho, no Rio, acaba de demonstrar o que é capaz de fazer: muitas das armas furtadas do Arsenal do Exército, em Barueri, com conivência de militares, foram encontradas em morros do Rio dominados por traficantes, ou seja, tudo foi previamente combinado — furto, compra e venda.

Veja-se que o combate a essa poderosa estrutura só pode ser feito com o emprego de estilos não convencionais, nada burocráticos, porque ninguém vai dar a cara para bater. Pelo menos, por algum tempo.

Um primeiro erro da GLO foi dar aviso prévio para o tempo de duração das operações militares. Nunca se deve anunciar ao inimigo o que você pretende ou vai fazer. E muito menos dizer a ele o que você está pensando.

Pode haver um efeito psicológico disso tudo, sempre agradável aos olhos da população. Demonstração de força sempre é bom, mas nunca para dar munição de planejamento e normas emergenciais a criminosos, aqueles de quem você vai atrás.

A exibição do poder bélico que será feita pode impressionar. Militares fortemente armados, fuzis de longo alcance, equipamentos de guerra, poderio insuperável em situação de combate. Defender-se não será o caso. Atacar, sim, mas não se sabe o que será possível encontrar pela frente.

A questão é exatamente esta: as tropas estão preparadas para o combate, mas o inimigo não tem configuração física ou declarada. Para as tropas, guerra é guerra. Mas, cantam, se a Pátria for um dia ultrajada, lutaremos com valor.

A sociedade está sendo ultrajada, humilhada, atacada, morta, dominada. É aqui que entra a estrutura militar. Nos morros do Rio, é comum bandido ser visto portando armas como fuzis, exibindo-os, fazendo disparos para o ar e entrando em disputa com bandos rivais pela conquista de territórios, a preço selvagem de muito sangue.

Tudo isso, banalizado, é visto diariamente no Rio. Mas não poderia em qualquer lugar minimamente civilizado. O que o militar deve fazer em casos assim? Para ele, e este é o seu treinamento, bandidos andando com fuzil na mão são obviamente inimigos. Desfile assim não para ir ao culto ou à missa, pois fé e fuzil não poderiam hereticamente caminhar juntos. E que se pode fazer diante do inimigo, como reza a cartilha militar? Inimigo deve ser abatido. E se houver confronto provável e inevitável?

A GLO outorga às Forças o poder de polícia. É momento excepcional. Se a tropa não é treinada para esse tipo de coisa — abordar, prender, apreender, atacar, defender-se, agir em defesa própria e de terceiros —, pleiteia-se uma extinção de culpabilidade, ou seja, qualquer episódio dessa natureza deverá ser apreciado pela Justiça Militar, e não a comum. Esse ponto, que os militares consideram vital, será definido durante a semana.

Ordinário, marche, é uma voz de comando. Meia-volta, volver, outra voz. O fato é que nessa história de buscas e fugas não haverá bandidos entrincheirados em bunkers, ou abrigos de tocaia, táticas de guerrilha e emboscadas. Isso os bandidos não querem. Sabem que iriam perder.

Por enquanto, o crime organizado tem sido vencedor. Mas, como a grande vítima é a sociedade, ele tem que perder. Chegou a honra do nosso DIA D, tropas aliadas para enfrentar o inimigo comum, o bandido não camuflado.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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