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O filho que matou o pai pela herança

Tragédia da vida real, crime violento foi motivado pela ganância

Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV

Matar o pai, inverter a ordem da vida... não é tarefa fácil entender os desígnios de uma mente parricida. Um ímpeto, talvez, um impulso, um empecilho, o estorvo que se pretende eliminar, um ódio acumulado e incontrolável...

Tivemos recentemente, em São Paulo, um exemplo clássico. Um filho matou o pai, mas isso não foi descoberto de imediato. Exigiu árdua e exaustiva investigação. O assassino procurou dissimular o crime como desaparecimento, mas foi descoberto e preso.

Igor Fanti, 21 anos de idade, o matador. Artur Moreira, delegado do 28º Distrito Policial, na Freguesia do Ó, o Sherlock Holmes real, descobridor. Vicente Dias Fanti, 63 anos, o pai morto pelo próprio filho. São esses os personagens principais de uma tragédia no estilo “a vida como ela é”, de Nelson Rodrigues.

Assassinato, homicídio de autoria desconhecida, corpo jogado em local distante da cena do crime. Um crime para bons detetives. Ou, no caso, para um bom detetive. No meio do mistério, havia uma pedra policial, chamada Arthur Frederico Moreira.

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Da Freguesia do Ó, palco do assassinato, o cadáver foi levado, de carro, um Voyage, para ser jogado num terreno baldio na Vila Brasilândia, bairro vizinho, na zona norte de São Paulo, onde câmeras de segurança registraram a cena. Descobriu-se que o corpo de Vicente estava no banco trazeiro do carro, de onde foi retirado por dois amigos de Igor - este, sentado no banco do motorista. Dois dias depois, Igor e a mãe foram à delegacia para registrar queixa de desaparecimento de Vicente, dando início a uma farsa que pretendiam perpetuar. O corpo da vítima foi sepultado quatro dias após ser encontrado, no cemitério Dom Bosco, em Perus. A Polícia Militar descobriu e identificou o corpo desovado, ligando o fato ao desaparecimento. Na delegacia, Igor foi interrogado durante quatro longas horas. Não restou alternativa ao assassino senão confessar.

O delegado Arthur Moreira, homem singular, além de excelente policial, é compositor musical, autor de mais de duzentos letras, e gosta de cantá-las. Aliás, canta bem. Natural de Tremembé, no Vale do Paraíba, viveu parte da vida em zona rural, inspirando-se na vida dos caipiras para contar e cantar seus “causos”. Uma dessas músicas, que já pedi várias vezes para ele cantar, tem o nome de “Filho Adotivo”, e gira em torno de um filho que, sem eira nem beira, foi amparado por um homem que o adotou e tratou como se fosse filho biológico. Amor, carinho, afeto e instrução. Arthur se emociona com essa história e, cantando-a, nem sempre resiste ao tremular da voz e a ameaça das lágrimas. Precisa esforçar-se para conseguir chegar ao fim no canto de gratidão.

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Arthur foi ao local do crime, o que é mais do que recomendável para um policial que pretenda esclarecê-lo. Sua companhia era Igor, o matador do pai, e ele foi fazendo as perguntas necessárias para reconstituir o que havia acontecido por ali. Na sua cabeça, desfilava o cenário humano da letra da sua música. No fato investigado, desfilava o impiedoso parricida retribuindo com a morte cruel o carinho dispensado ao longo da vida pelo zeloso pai.

Papai estava despreocupado, dentro de casa. Sentou-se numa cadeira de vime vermelha, daquelas de praia, e esticou as pernas. Igor aproximou-se por trás, silenciosamente, com um martelo nas mãos. Um primeiro e violento golpe fez Vicente cair. Já no chão, continuou a receber marteladas na cabeça, desferidas por Igor com tanta fúria que fez jorrar sangue até o teto. Vicente não morreu de imediato. Ficou agonizante por minutos e Igor, indiferente, retirou-se da casa, dirigindo tranquilamente um Honda Civic, carro do pai, para se encontrar com uma mulher.

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Na manhã seguinte, Igor voltou à casa do crime, levando consigo dois homens para ajudá-lo a limpar o sangue do local. Cobriu o rosto de Vicente com um saco de ração para cães. O plástico foi amarrado com um fio de extensão. O delegado Arthur Moreira prestou atenção nos detalhes: no Instituto Médico Legal, os legistas relataram no laudo necroscópico que o rosto de Vicente ficou completamente desfigurado. No local do encontro do cadáver, verificou-se que o corpo de Vicente estava amarrado com um a mangueira e envolto num edredon de cor azul. Foi apreendida em poder de Igor uma fotografia em que ele aparece abraçado ao mesmo edredon que seria utilizado para embrulhar o corpo do pai.

Arthur Moreira, o delegado, e Igor Fanti, o assassino, frente a frente na delegacia de número 28. Arthur pensa no filho adotivo da sua música. Cara a cara com Igor, contempla exatamente o oposto do personagem da sua música: Vicente fazia de tudo pelo filho Igor, deu-lhe até um carro de presente, e insistia para que ele arranjasse um emprego, já que havia chegado à maioridade. Mas Igor, acostumado ao bem-bom, a vida mansa, estava acostumado com a vadiagem. Diante da insistência do pai, começou a pensar em matá-lo, apoderar-se dos seus bens, como legítima herança, e desfrutar assim da vagabundagem pelo resto da vida. E que bens tão valiosos seriam estes? O delegado quis saber. Igor, como se fins justificassem meios, respondeu: um dinheiro que Vicente armazenava em economias, cerca de 100 mil reais, o carro e uma casa na cidade de Ourinhos, interior de São Paulo. Que diferença entre o filho adotivo cantado e o insensível Igor, paralelepípedo pulsando no peito no lugar do coração! O delegado foi pensando em como substituir a letra da sua música pelo autor de crime por motivo torpe, utilizando de motivo torpe, meio cruel e ainda ocultação de cadáver. Um crime inqualificável que a lei chama estranhamente de qualificado.

Enquanto Vicente era considerado apenas desaparecido e não vítima de assassinato, Igor foi entrevistado pelo programa Cidade Alerta, da Record TV. Eu e Luiz Bacci verificaríamos, mais tarde, que estávamos diante de um grande ator. Embargava a voz, ensaiava lágrimas e clamava por justiça. Uma grande farsa, tendo como coadjuvante a mãe, ao seu lado na entrevista, para quem recomendei à Polícia que também fizesse investigações. Ela “exigiu” que eu me retratasse. Teve prisão decretada no dia seguinte, como cúmplice.

Na sociologia do crime, aprendemos que o dinheiro é capaz de cegar muita gente, por ganância ou cobiça, inveja e disputas sem fim. Há velórios em que a despedida se transforma em degradante palco de disputas, como se ali estivessem reunidos vários urubus e não entes queridos. A vontade de se apropriar do que não é seu é a grande característica dos crimes contra o patrimônio - roubos, furtos, apropriação indébita e golpes estelionatários. Igor dá um passo adiante, ao imaginar que somente ele seria inteligente e todas as demais retardadas, tornando-se capaz de planejar crime perfeito para auferir vantagens compensadoras.

Nas Escrituras, Timóteo –primeira epístola, 1:9 – lembra que a lei é feita para os justos, excluindo, portanto, vários tipos humanos – entre eles os parricidas. E se a lei é o juiz mudo, como dizia Aristóteles, o caso Igor se insere entre aqueles que a estupidez e a mediocridade humana atingem indescritível grau máximo. De tão incivilizado, Igor parece um ser ignóbil de outro mundo.

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