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O novo código de processo penal

Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV

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Violência preocupa a sociedade brasileira
Violência preocupa a sociedade brasileira

Um novo Código Processual na área penal deve ficar pronto até o final do ano, e a Câmara dos Deputados promete apresentá-lo para os brasileiros como uma nova fórmula para conter os avanços criminosos que atormentam a sociedade.

1. Não há ninguém que possa estar satisfeito com o atual estado de coisas, na explosão ininterrupta de todos os tipos de crimes, alguns assustadores, que permeiam o nosso cotidiano e nos causam preocupações devastadoras, financeiras e traumáticas, causando dores e provocando cobrança de soluções.


Uma delas, sempre lembrada, gira em torno das leis em vigor, por muitos consideradas extremamente frágeis, beneficiando mais a quem não deveria do que aqueles que estão precisando, um tormento para os chamados “cidadãos de bem”. Há razões mais do que suficientes para contemplar esse raciocínio. Porque, filosoficamente como já se disse, as leis seriam como uma espécie de aranha. Muitos aracnídeos maiores conseguem romper essas teias sem maiores esforços, enquanto os menores nelas ficam presos.

A analogia é interessante. Quer dizer que as leis não espelham o que acontece diariamente em nossas ruas. Ao mesmo tempo, o que acontece nas ruas não encontra eco na legislação. Consequências? A bandidagem, em todos os níveis, de colarinho branco ou sem colarinho, deita e rola. A sociedade sente-se prisioneira das teias envolventes e sem esperanças diante de uma legislação quase sempre contemplativa.


Nesse sentido, o que está acontecendo ainda em forma de projeto, surge como uma esperança diante de tanta insatisfação. De fato, há coisas incompreensíveis no ordenamento jurídico e nos órgãos de persecução penal, onde os tipos de visão mais variados, repletos de politicagem viciada e utópicos devaneios, estão muito longe de satisfazer aos anseios, por vezes desesperados, da população.

Violência faz parte da realidade das comunidades brasileiras
Violência faz parte da realidade das comunidades brasileiras

2. Por que? Porquê não é normal sair de casa em clima de apreensão, andar temeroso no carro com os vidros fechados, ter a casa invadida, ver um ente querido morto por ladrões impiedosos, ficar sem telefone celular, arrebatado por assaltantes a pé, de bicicleta ou motocicleta, blindar o carro para sentir-se mais seguro... e por aí vai.


No sistema em vigor, cada um, por lógica, deveria fazer a sua parte. A Polícia, preventiva, ostensiva e judiciária cumprindo seus respectivos papéis. Rondas para evitar que crimes aconteçam, intervenção todas as vezes que for necessário e inquéritos bem elaborados para não haver dúvida na hora de julgar. Na prática, não é o que acontece. Nas rondas, gasta-se tempo em discutir se as abordagens seriam constitucionais ou não. Se marginal deve ou não ser algemado. Se os atos do primeiro juízo, o da Polícia, em caso de flagrância podem ser convalidados em audiência de custódia, sem entrar no mérito do caso apresentado em hipótese alguma, e antes dessa apresentação levar o preso para um exame de corpo de delito, para atestar se o conduzido sofreu ou não algum tipo de violência, perguntando a ele se foi bem tratado. Os policiais militares, que apresentam a maior parte das ocorrências em delegacia de polícia, devem ter uma câmera acoplada aos seus uniformes, sempre diante do pressuposto de que possa ter havido excesso na hora de interceptação. O Ministério Público deve referendar ou não tudo isso e está criando, em São Paulo, uma comissão de segurança pública para supervisionar os atos policiais e sugerir implantação de medidas adequadas, como se o Pai-nosso pudesse ser ensinado em atos litúrgicos. Ao final, o Judiciário julga, tantas vezes de maneira incompreensível, como a libertação de larápios e bandidos em geral, sob sofismas de firulas jurídicas.

Se achamos que é possível viver assim, pagamos o preço. É alto. O sistema, caríssimo, é caracterizado por um índice de reincidência avassalador. girando em torno dos 70%, um número absurdo de mandados de prisão a serem cumpridos, um baixo número de assassinatos esclarecidos e os cárceres entupidos por seres humanos e inútil: não funciona, não recupera e alimenta uma inacreditável máquina dominada por facções do chamado crime organizado.


3. Tudo isso poderia ser considerado normal? Claro que não. Combater o crime ou combater a Polícia? Respeitar as leis ou considerar-se “escravo” delas, como dizem alguns? Não, lei não escraviza ninguém. Tanto que as atuais são cumpridas em casos excepcionais, mas nunca no geral, o que na prática quer dizer que todos deveriam ser iguais, mas existem alguns mais iguais do que outros, como já escreveu George Orwell.

4. O Código de Processo Penal, vulgo CPP, é um conjunto de normas a serem seguidas para que se possa cumprir a lei e dizer o Direito. Exige talento para elaborá-lo, condição sine-qua-non entregue às mãos de Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Câmara, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) como coordenadora, e João Campos (Republicanos-GO), delegado de polícia em regime de licença, como relator. Como se pode facilmente verificar, não existe entre o trio nenhum expoente em Direito, mas não se pode subestimá-los a priori. Como não existe nenhum novo Nelson Hungria, o pai da legislação penal em vigor, é preciso de fato buscar um sucessor. Nessa árdua tarefa, é preciso ouvir vozes variadas, roucas ou não, para que possa se contemplar gregos, troianos e espartanos.

Plenário do Supremo Tribunal Federal, responsável por proteger e cumprir a Constituição
Plenário do Supremo Tribunal Federal, responsável por proteger e cumprir a Constituição

5. Hercúlea tarefa. Mais é uma esperança, contudo, não a guardada no fundo da mitológica Caixa de Pandora, pois antes da caixa ser aberta, libertaram-se todos os males do mundo. Esses males, no mundo do crime, são representados por crápulas, canalhas, pervertidos, sanguinários, eunucos morais, ladravazes múltiplos, escória generalizada, vigaristas de toda espécie, chupins do Erário... enfim, uma fauna humana criminosa desfila numa passarela do mal, para que se defina depois se alguém “tem passagem”, o que quase sempre é confirmado nas averiguações. A hidra e suas cabeças, substitutas das decepadas, está sempre em gestação. A impunidade não só estimula como favorece. Ai de nós.

Vamos à busca de um remédio, ou de um novo bálsamo, algo que ao menos seja consolador para os trancados na caverna de Platão, à espera de que algo de novo possa ser visto pelo lado de fora.

O novo Código Processo Penal, ainda em estado de gravidez, talvez venha à tona com gemidos do parto. Na maternidade jurídica, esperamos por uma luz, o rebento que iria aplacar as nossas aflições. Conciliar academicismo com ansiedades sociais é um dos desafios. Exemplos: dar amparo legal sobre o uso da força policial, quando preciso, como braço armado do Estado. Por fim à necessidade absurda de quatro instâncias para a aceitação do “trânsito em julgado”, eufemismo para não implantar a medida de prisão em caráter definitivo. Atualmente, isso não pode ser feito mesmo com duas anteriores decisões colegiadas (Tribunal de Justiça estadual e Superior Tribunal de Justiça), sem contar o inútil (até quando?) juízo de primeira instância. O Supremo Tribunal Federal tem o direito de dizer a última palavra, podendo assim errar por último, como já disse o grande jurista Ruy Barbosa. Detalhe: recorrer ao STF, só para quem tem muito dinheiro. O ortodoxo trânsito em julgado beneficia a bem poucos. Parece até uma reserva de mercado – em circuito bem fechado, é claro.

6. Já estão prontas as contradições de praxe. Os chamados crimes de menor potencial ofensivo (o nome já está dizendo tudo) terão penas aumentadas. Nosso problema, entretanto, são - óbvio - os crimes de maior potencial ofensivo. Ainda bem que existe uma previsão consoladora: implantar uma justiça restaurativa, para ajudar a vítima, da qual nunca se lembra, a superar traumas que são cicatrizes na alma.

O CPP data da década de 1940. Aos 82 anos de idade, pode finalmente receber uma transfusão de vida, com intervenções cirúrgicas e implantes. Quando? Até o mês de dezembro, segundo consta. Vamos aguardar e, se possível, interferir.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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