PCC assume controle do crime na fronteira entre Brasil e Paraguai
Guerra pelo poder com a saída de cena do chefão, preso e doente: rotina de cabeças cortadas e corpos transformados em peneira
Arquivo Vivo|Percival de Souza, da RecordTV
A guerra sem paz, mudando o título do famoso romance do escritor russo Tolstói, converteu-se, mais uma vez, num sangrento e interminável embate entre grupos criminosos oponentes, que exibem no cotidiano aquilo que de pior existe no ser humano, como fuzilamento, cabeças cortadas e corpos transformados em peneira pelo disparo concentrado de muitos tiros.
Desta vez, o que está acontecendo?
A resposta tem caminhos, vertentes e mutações conforme o cardápio insaciável do crime. Na verdade, não se faz muita coisa para atenuar a barbárie, marca registrada na fronteira seca, totalmente aberta e com marcos brancos divisórios para separar o Brasil do Paraguai. Assim é hoje. Assim foi ontem. Ao que parece, assim será amanhã.
Mas agora temos um novo foco, que diferencia as coisas e tornam o presente ainda mais preocupante e desafiador. É a disputa, feroz, entre dois rivais organizados na formatação do crime: o Primeiro Comando da Capital, PCC de São Paulo, e o Comando Vermelho, CV do Rio de Janeiro. O objetivo do extermínio recíproco é a herança de um império, no qual quem dava sozinho todas as cartas era um homem que, solitariamente, detinha todas as redes imagináveis do poder. Esta, a questão. Ele virou carta fora do baralho. Está preso. Quem será o sucessor? Essa é a única razão para a batalha sangrenta: não haverá mais um líder com ares de imperador. O poder, daqui para a frente, será de um grupo criminoso. Não mais individual.
Dar nome aos bois, na fronteira, é assunto incômodo e desagradável. O último capítulo da novela sem fim começa com a prisão de Fahd Jamil Georges, um poderoso chefão, tipo Vito Corleone, aquele do filme com Marlon Brando. Fahd, hoje debilitado fisicamente, viu-se acuado no meio da guerra fatricida entre PCC e CV. Percebeu que a vida estava em risco com muitas execuções sumárias à sua volta e, foragido depois que teve prisão decretada, optou por apresentar-se espontaneamente à polícia, o que aconteceu no último 19 de abril, na cidade de Campo Grande, MS. Há novidades a respeito, e sobre elas você vai ficar sabendo somente agora: Fahd, muito conhecido como “Turco”, por causa do nariz adunco, está em prisão domiciliar desde o último 9 de junho, autorizado judicialmente a ficar num apartamento de sua propriedade. Nesse apartamento, teve uma queda acidental e sofreu uma fratura na vértebra lombar, tendo que se submeter a uma cirurgia. A Justiça estadual exigiu a entrega de passaporte, monitoramento com tornozeleira eletrônica, fornecimento dos dados pessoais de pessoas autorizadas a visitá-lo e também da equipe médica responsável pela sua saúde. Está formalmente proibido de ter qualquer tipo de contato com testemunhas processuais e outras pessoas envolvidas na Operação “Omertá”, que resultou na sua prisão.
A rigor, Fahd está bastante doente, precisando de acompanhamento médico todos os dias. Seu diagnóstico é distúrbio hidroeletrolítico de natureza muito grave. No final de maio último passou por uma cirurgia no coração. Sobre ele, pesam acusações de homicídios e associação criminosa em vários tipos de atividades.
Há um problema na persecução penal na investigação do imenso cardápio de crimes pelos quais Fahd é acusado: não há convergência nas apurações da Polícia Civil estadual, do Ministério Público também estadual e da Polícia Federal — esta, a mais aparelhada para esse tipo de investigação.
Por precaução, o Ministério Público local mudou sua base de atuação de Ponta Porã para a cidade de Dourados, a 120 quilômetros de distância, o que em tese tornaria mais seguro o trabalho dos promotores, titulares das ações penais. As autoridades locais sabem muito bem o que significa enfrentar o crime organizado: o juiz federal Odilon de Oliveira, que esteve na Comarca de Ponta Porã, chegou a dormir no próprio Fórum, por razões de segurança pessoal, escoltado permanentemente por agentes federais, e até hospedou-se num quartel do Exército na fronteira.
Havia planos do crime organizado de capturá-lo, deixando-o agonizante, sob tortura, num chiqueiro cheio de porcos e lama. Estranhamente, quando o juiz (que decretou a prisão de Fahd) se aposentou, sua escolta foi totalmente retirada e ele ficou sem nenhum esquema de defesa. “Estou com medo”, confidenciou à coluna. Os escalões superiores de segurança e justiça lavam as mãos e são indiferentes ao caos instalado numa terra que pode ser chamada de ninguém.
Glória feita de sangue
Após quatro execuções simultâneas em Pedro Juan Caballero (entre elas, a de Carolina Acevedo Yunis, filha do governador de Amambay, no Paraguai), criminosos em conversações interceptadas em outubro último dizem que nada tiveram a ver com as mortes e até deixam votos de “pesar” para as famílias das vítimas. Nessas conversas surreais, os criminosos emitem o que seria um tipo de mensagem, pela qual dizem “não compactuar” com mortes de pessoas inocentes. Tais conversas adquirem uma conotação de opereta-bufa, pelo fato de os criminosos procurarem justificar seus atos e ainda dar lições de moral, apresentando-se cinicamente como “vítimas”.
A Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul esforçou-se para ter domínio sobre a situação na fronteira, designando como titular da Pasta o delegado Antonio Carlos Videira, que durante muitos anos trabalhou no DOF (Departamento de Operações de Fronteira), integrado por policiais civis e militares, com atuação destacada na região.
A situação atual é tensa, porque não há perspectiva de pacificação na atuação dos grupos mafiosos rivais, que hoje monopolizam o tráfico de drogas e o contrabando de armas e munições. Esse armamento entra clandestinamente no Paraguai e é facilmente adquirido em vários pontos da fronteira, como Salto Guayrá, Pedro Juan Caballero e Ciudad del Este. É a réplica do pensamento romano "si vis pacem, para bellum" — se queres a paz, prepara-te para a guerra. Só que na fronteira ninguém quer a paz, e sim manter a guerra permanente pelo poder.
A rigor, contornar essa anomia, a ausência de regras e normas, exigiria uma espécie de acordo diplomático entre as partes. Não se sabe, exatamente, qual é a participação nas organizações de certos expoentes do crime organizado, como por exemplo André do Rapp, do PCC, libertado por força de um inacreditável habeas corpus fornecido pelo tecnicismo do Supremo Tribunal Federal. Ele estava na Penitenciária de Presidente Wenceslau, que é de segurança máxima. Havia sido preso em Angra dos Reis (RJ) por policiais civis de São Paulo. André saiu da penitenciária e viajou imediatamente para o Paraguai, onde — segundo consta — estaria até hoje, sendo um dos principais braços armados do PCC.
O juiz Odilon de Oliveira disse à coluna, antes de aposentar-se, que o narcotráfico será dominante enquanto as autoridades insistirem em combatê-lo com métodos superados. Tais modelos indicam, a cada dia, que o buraco virou cratera e fica bem mais embaixo.
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