Planície e Planalto
Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV e Percival de Souza

Fascinante para nós, brasileiros, a extraordinária velocidade imprimida pela Justiça ao identificar e punir os vândalos irresponsáveis pelo quebra-quebra de 8 de janeiro, em Brasília. Gostaríamos, porém, por uma questão de equidade, que o mesmo ritmo fosse adotado para instalar freios de contenção em outros lugares do País, diante do avanço cada vez maior do crime, organizado ou não.
A tão criticada lentidão, provocada por procrastinações e chicanas para favorecer criminosos, como se fossem uma oculta garantia de mercado, poderia sair do Planalto e trasladar-se rapidamente para a planície, onde são necessárias velocidade, rapidez e agilidade nas apurações de fatos graves e as respectivas punições dos autores. Há sede de Justiça. É pretender demais? Não.
Não, porque ficou demonstrado, no Distrito Federal, que é possível reagir rapidamente, dar pronta resposta e não permitir irritantes lengas-lengas da impunidade. Tanto é assim que vimos: governador afastado, secretário de Segurança preso, ministro da Justiça punido, identificados e presos vândalos tresloucados, comandos alterados e destituídos, exemplares ações em vez da costumeira inércia.
Porque dentro do cenário, onde a sociedade espera e não vê, a impunidade campeia, bandidos dominam, cidadãos sofrem, a crueldade atordoa, o barbarismo trucida, o medo aprisiona. Porque o que se fez no Planalto, e foi ótimo, não pode ser feito na planície?
As fórmulas atualmente adotadas, oscilantes como um pêndulo, mergulham em ruínas nas águas profundas do fracasso. Não existe outra palavra para classificar os trágicos números criminais, o baixo índice de identificação e prisão de transgressores, entre eles ladrões e assassinos, não parando por aí o desfile incessante pela passarela onde holofotes apontam claramente os que vivem à margem da lei. Some-se a eles os impiedosos latrocidas, canalhas estupradores, matadores estúpidos, estelionatários sempre em aperfeiçoamento, destruindo a economia de famílias, e um rol imenso de outros crimes que constroem um gigante cardápio penal.
Vivemos o passado, estamos no presente. Parece que nada aprendemos com o grande romano Marco Túlio Cícero: História magistra vitae - história, mestre da vida (De Oratore).
O loquaz orador nos brindou com a lição de que no túnel do tempo, onde o relógio continua a marcar as horas, existem exemplos com ensinamentos vitais. Daí o filósofo, poeta e dramaturgo Bertold Brecht ter advertido sobre aqueles que preparam, cuidadosamente, o seu próximo erro. Gostam de errar, e não acertar. Mas esmeram-se no preparo.
Não sabe? Pergunte. Ignora? Pesquise. Quer acertar? Aprenda com quem já fez. Quer mudar? Seja competente com criatividade e não curioso perdido em elucubrações. Aprenda com um dos sermões do padre Vieira: quem não pergunta, não quer saber – e quem não quer saber, quer errar. Nada de Luigi Pirandello, o grande dramaturgo: “assim é, se lhe parece”. É ou não é, sem aparências. O italiano escreveu coisas muito mais importantes do que isso.
O desafio de pensar
Que fazer diante do mapa criminal que nos atormenta, o medo que toma conta de nós em variadas situações, o império das drogas que é lubrificante da violência?
É preciso entender, e muito bem, desse assunto. Hoje, são dominantes, com verniz intelectual. Amadores se aventuram em interpretar estatísticas, querem ensinar a Polícia a trabalhar, mas sem dar a ela a menor chance de se autogerir, perdendo-se em teses estapafúrdias, desconexas, mas com ousadia suficiente para se apresentarem como “especialistas”. Muitos deles nunca entraram numa delegacia, num quartel, no Fórum, num presídio. Assim mesmo, pretendem ditar regras sobre o que não sabem, ignorando a máxima: para ensinar, é preciso primeiro saber.
O exemplo das providências tomadas a 9 de janeiro, em Brasília, vale? Claro que sim. Mas por que não igualmente nos Estados, já que somos uma Federação? Impossível entender se num lugar pode funcionar e nos Estados não. Estamos falando de fatos concretos e não de teorias construídas no vácuo. É preciso saber diferenciar uma coisa da outra, o que parece não encontrar guarida em certas cabeças, erráticas e letárgicas, porém com inexplicáveis poderes de decisão. São o que se acham seres pensantes, embora refutando fatos notórios para mergulhar de cabeça em perigosas aventuras.
Pensar não dói
A sociedade é vista por eles como se fosse uma cobaia, evidentemente indefesa e à revelia. Embora berrem muito, clamando por “justiça”, as vozes dos que sofrem com a absoluta falta de humildade intelectual, ecoam roucas apenas no deserto, repleto de víboras, embora João Batista tenha advertido, biblicamente, e de maneira enfática, sobre a existência de serpentes com pernas.
As cobaias, nós, não podem de maneira alguma serem reduzidas a fragmentos dos que se curvam diante de totens políticos, ideológicos, gurus intocáveis ou certo tipo de religiosos. Não é assim que funciona.
Os criminosos são mutantes. Perceberam a facilidade de se apoderar do celular alheio (e adquirir acessos a senhas, captando dados que incluem informações para movimentações de dinheiro), promover arrastões em bares e restaurantes, assaltar pilotando motos e até bicicletas, atacar pedestres, invadir residências e colocar os crimes contra o patrimônio em primeiro lugar na lista de todos os delitos praticados.
Neófitos podem acreditar que câmeras filmando imagens tenham grande utilidade para identificação. Esse critério de vigilância, porém, é vinculado diretamente às aparências pessoais, o que de alguma forma nos remete às teorias de Cesare Lombroso, que deu origem à antropologia criminal, ao pretender vincular a existência de um criminoso potencial pelos traços fisionômicos. Fato é que na hora de viabilizar uma moderna técnica de vigilância, insurgiram-se contra ela ativistas, promotores, juízes, entendendo que tal prática violaria o direito à intimidade. Ou seja; pretender que haja uma previsão de que determinadas pessoas ainda não cometeram, mas poderiam praticar um crime.
Ocorre, porém, que exatamente aí está a concepção de “suspeito” nas abordagens policiais para averiguações. Existem magistrados que sistematicamente recusam essa prática, considerando-a inconstitucional. Aí, quando acontece algo, é comum dizer que a ação se deu na “cara da Polícia, que nada fez”. Enquanto se pensa, é indispensável lembrar que só a Polícia funciona 24 horas por dia. Juízes e promotores, não. As cobaias da sociedade, precisam conviver com isso. É difícil.
As consequências disso tudo são inevitáveis: muita gente não se sente segura para andar sozinha. São tantos os roubos e furtos que há desistência em registrar qualquer tipo de queixa. Desse modo nasce uma cifra insondável de crimes não catalogados.
Outro fator preponderante envolve diretamente os comerciantes. Temerosos, os compradores se afastam das lojas, obrigando os donos de estabelecimentos comerciais, em ambientes degradados, a contratar vigilantes particulares. Isso aumenta os custos, obrigando os comerciantes a repassá-los nos preços.
Os desafios são estes. A violência urbana intimida. Em algumas regiões, apavora. Convivência dentro de padrões de normalidade é impossível, em especial nas regiões dominadas por bandidos de maneira escancarada.
A situação não permite criar bodes expiatórios para problemas interdisciplinares, que envolvem a tudo e a todos. Por essa razão, insisto: se uma fórmula deu certo em Brasília, numa situação emergencial que exigia pronta resposta, por que não adotar a experiência hesitosa em outros pontos do País, igualmente carentes?