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Uma carta de Percival de Souza para o Papai Noel

O presente que peço nem é para mim: mais paz, menos violência, mais polidez, menos grosseria, menos humor cáustico e ironia sarcástica

Arquivo Vivo|Percival de Souza e Percival de Souza

As coisas andam meio estranhas e por isso resolvi escrever esta carta para Papai Noel. Ora, direis que bobagem! Mas não é: segundo a escritora e filósofa Simone de Beavoir, o adulto é uma criança inchada pela idade. Você há de concordar.

Criança é pureza, ausência de maldade e de rancor. Página em branco a ser escrita, carrega dento de si as virtudes que os marmanjos haverão de chamar por cidadania. Criança é alegria e esperança. Já fui, já fomos, e escrevi, já escrevemos, cartinhas pedindo um presente. Quase sempre, meus pais não tinham condições de dar o que eu queria. A cartinha ficava ao pé de uma arvore natalina e eu acreditava, nós acreditamos, que o misterioso e incógnito velhinho viria durante a noite fazer a entrega, entrando pelo telhado, janela, quem sabe a chaminé.

Vou fazer de conta que ainda acredito nele. Eu acreditei, nós acreditamos, no exercício da bondade e bom comportamento para merecer o presente. Neste final de 2018, vou pedir o meu presente. Natal é natalício, aniversário do menino que nasceu em Belém mostrando a face humana de Deus. Não crer nisso tira qualquer motivação comemorativa. O presente que peço nem é para mim, porque já tenho mais do que preciso e mereço, mas para nosso país. Mais paz, menos violência, mais polidez, menos grosseria, menos humor cáustico e ironia sarcástica. O presidente da Academia Paulista de Letras, José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem diz que pensar desse jeito é “pedir muito”, mas que “o aniversariante é dadivoso, deu sua vida por esta raça ingrata”.

Entramos em 2019 examinando o que aconteceu no ano que termina e tentando projetar as perspectivas do ano novo. Meu netinho Gustavo pediu um carrinho de presente. Vou dar um maior do que ele está imaginando. O carro de Papai Noel é um trenó, puxado por renas, e dentro dele cabem sacos de presentes. Os nossos sacos também estão repletos, tão cheios que as renas mal conseguem puxar. Metáforas analógicas. Vamos decodificá-las.

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Um indulto de Natal acaba e nos ameaçar, abrindo a possibilidade de libertação de 169 mil prisioneiros, isso mesmo, cento e sessenta e nove mil, entre os quais apenas 65 condenados em processos da Lava-Jato. Esclareçamos isso: como alguns são mais iguais do que os outros perante a lei (George Orwell), e bater às portas do Supremo Tribunal Federal custa muito dinheiro, não é — esqueça — coisa para qualquer um. A decisão monocrática para beneficiar alguns valeria para todos. Beleza, Papai Noel: este ano judiciário motivou 124.975 decisões da Corte, das quais 88,4% monocráticas e 11,6% colegiadas. Na maioria absoluta dos casos, as sentenças de primeiro grau foram confirmadas, deixando sem sentindo o fato de o Brasil ser o único país do mundo com quatro instâncias de decisão: o juiz da causa, o tribunal estadual ou regional, o STJ e STF. Ninguém pode ser considerado culpado antes do chamado “trânsito em julgado”, expressão usada também em segunda instância, mas a maioria dos 700 mil presos brasileiros não vê ninguém se revelar contra. Nesse ponto, cabe considerar que ser ortodoxo nesse assunto seria anular totalmente a importância (e validade) dos juízes de primeira instância e dos desembargadores dos tribunais estaduais e regionais, federais inclusive. Aliás, no texto constitucional, não ser “considerado culpado” não significa automaticamente “não será preso”. Não é o que está escrito.

Um exemplo, só um, poderiam ser muitos: no período de Natal de 2011, Rena Archilla foi emboscada num cruzamento em São Paulo por pistoleiro vestido de Papai Noel que lhe deu vários tiros no rosto. Ela sobreviveu milagrosamente e fez onze cirurgias plásticas para recompor a face. O atirador foi preso e condenado. Sem recursos. Não tem dinheiro. Os mandantes, o próprio pai de Renata e o avô dela, ambos ricos, foram condenados e recorreram ao Tribunal de Justiça, que confirmou a sentença. Uma misteriosa liminar do Superior Tribunal de Justiça mandou libertar Renato, o pai, só ele, porque o avô — ironicamente chamado Nicolau — já havia morrido. Recentemente, o plenário do STJ mandou prender Renato novamente. Assim as coisas funcionam. Ou não. O tal “trânsito em julgado” pode ser um abre-te sésamo, percebeu? Leis? Podem ser como teias de aranha: pequenos insetos ficam presos nelas, os graúdos rompem-nas sem maiores dificuldades. Vamos brincar de metáforas?

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Almocei nesta semana com o general André Luís Novaes Miranda (três estrelas), comandante da 2ª Divisão de Exército, braço operacional do Comando Militar do Sudeste, e o general Eduardo Diniz, que o antecedeu. Este, como “cidadão brasileiro”, pois já está na reserva, diz que falsos analistas da situação brasileira “mentem e mentem”. Pareceu-me aborrecido. Outro general (quatro estrelas), João Pires de Campos, será o secretário de Segurança Pública paulista a partir de janeiro. Ele já me disse que, na turbulência institucional a partir dos anos 60, os atuais comandantes das Forças (Exército, Marinha, Aeronáutica), eram adolescentes de 14 anos. A atual geração militar nada teve a ver com aqueles tempos duplamente sombrios.

Mas... e agora? Como preencher o vácuo da segurança pública, vencer o medo e deter a violência cada vez mais estúpida do crime?

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Na minha cartinha a Papai Noel, peço que nos livre de certos “ólogos”, opiniões dissociadas dos fatos: muitos já tiveram suas oportunidades — juízes, desembargadores, promotores, advogados. “Embargos auriculares”, modo jurídico de assoprar ao pé de ouvido, nos levaram a terríveis equívocos. Estamos, como sociedade, pagando o preço da inépcia, do culto partidário e da ideologia míope de “pesquisadores”, “cientistas” e “doutores” que nada sabem sobre as entranhas do crime e muito menos como combatê-lo. Resultado: o crime deita e rola, os presídios são escritório do crime, a Polícia Civil deve muito nas suas atribuições de polícia judiciária e a Militar fica com o abacaxi da polícia ostensiva, a visível e exposta nas ruas.

O general Campos, se não tivesse ido para a reserva, seria o provável comandante do Exército Brasileiro. Ele é o sinal de novos rumos para a segurança pública: para ele, bandido com arma poderosa nas mãos é ameaça. Como discordar? Na linguagem militar, quem ameaça é inimigo a ser enfrentado. Não é? Nos últimos dias, bandidos atacaram agências bancárias em Atibaia, fortemente armados, mataram um policial militar a tiro de fuzil, e feriram outro com tiros de metralhadora. Ressalte-se: fuzil é arma de longo alcance (superior a mil metros de distância) e de alta precisão, sempre usada por snipers, os franco-atiradores.

Vou decodificar a missão do general: fim de uma era, início de outra. Fim de acordos espúrios nos presídios. O coronel da reserva Nivaldo Restivo, ex-comandante-geral da Polícia Militar, assume a Secretaria de Administração Penitenciária, tem a missão de acabar com a festa. O novo delegado-geral de Polícia será Ruy Fontes, que já chefiou a Delegacia de Roubos a Banco do Deic e o Departamento de Narcóticos. A ordem, em resumo, é, como dizem, “engrossar o caldo”, que anda bem ralo. A polícia não vai mais ficar esperando. Vai para cima. Agir, não só reagir. A bandidagem está indócil. Sabe que não terá mais mordomias. Os pombo-correio, engravatados ou não, que fazem a ligação presídio-mundo exterior, não ficarão mais à vontade. Sem “Faculdades do Crime”, fim dos chamados Tribunais do Crime. Crime organizado tem muito dinheiro por trás, e não existe sem conivência de agentes do Estado. Os tentáculos estão ramificados. Cortar nas carnes (várias), mais do que nunca, é preciso.

Pois é, Papai Noel. Estou contando como são essa coisas, porque você só aparece por aqui uma vez por ano, não é obrigado a saber, bem sei que estou pedindo muito, mas creio na sua bondade e, principalmente, na misericórdia do aniversariante. Antecipadamente, muito obrigado.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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