Segurança Viária: Mototáxi em São Paulo é a antecipação do apocalipse?
Se Prefeitura de São Paulo não regulamentar corretamente o transporte de mototáxi, assistiremos a antecipação do apocalipse com surtos de acidentes e mortes com motocicleta
Moto Segurança e Trânsito|André Garcia, do R7
Com a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, formado pelos 23 Desembargadores mais antigos, que por unanimidade e acertadamente julgou inconstitucional a Lei Municipal sob nº 16.901/16, a imprensa noticiou que está liberado a modalidade mototáxi na cidade, mas não é bem assim.
Depois de ler as mais de 580 páginas do processo de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2110503-93.2019.8.26.0000 é muito claro que a Câmara Municipal e a Prefeitura de São Paulo, a bem da verdade, equivocaram-se na elaboração e promulgação da famigerada lei que proíbe a utilização de motocicletas para o transporte de passageiros, quando caberia ao executivo municipal, tão somente, regulamentar, aliás como determina a Constituição Federal (inciso V, do artigo 30) e o Código de Trânsito Brasileiro (art.24).
Liberdade Econômica X Segurança Viária
Um dos pilares da ação movida pelo Ministério Público estadual e reiterado em memoriais por Capi Tecnologia Eirelli, proprietária, desenvolvedora e implantadora do aplicativo (app) Picap, que oferece transporte por motocicleta, é que a proibição pela Prefeitura de São Paulo infringiu os incisos IV (Livre Concorrência) e V (Defesa do Consumidor) do artigo 170 da Constituição Federal que trata da Ordem Econômica ou como alguns gostam de denominar: Liberdade Econômica.
Quando afirmo pelo equívoco da Prefeitura e da Câmara, é porque a União cumpriu sua competência legislativa privativa sobre as matérias, no caso mobilidade urbana e a regulamentação de motofrete e mototáxi, respectivamente, leis 12.587/12 e 12.009/09, é bem verdade, esta que criou os artigos 139-A e 139-B, do Código de Trânsito Brasileiro, muito mal redigida, já que nada regulamentou quanto a mototáxi, tão somente, criou e legalizou a atividade, deixando para o Poder Público local, entre linhas, a sua regulamentação.
Se o caput do artigo 170 da Constituição Federal fala em “valorização do trabalho humano” e “livre iniciativa” almejando “justiça social”, por outro, o artigo 5º, em seu caput, garante: “aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Portanto, não há que se falar em “justiça social” sem “direito à vida” e a “segurança”.
O Código de Trânsito Brasileiro, recepcionado pela Carta Magna de 1988, em seu § 2º, do artigo 1º, determina: “O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”.
Diante da tragédia que se encontra nosso trânsito, resultado da soma da falta de educação do cidadão com políticas equivocadas há mais de 50 anos, como por exemplo ter incentivado o automóvel em detrimento do transporte ferroviário, além da fiscalização ineficiente, o asfalto vergonhoso construído até a próxima chuva e sinalização precária, bem como, ignorar a motocicleta como alternativa de mobilidade (apontado por mim em 2013, click aqui) é até compreensível a intenção da Prefeitura e da Câmara Municipal proibir um meio de transporte que em 2018 passou à frente dos pedestres nas estatísticas da cidade por morte, segundo dados da própria CET click aqui e do INFOSIGA, click aqui.
É muito lindo defender a total liberdade, como no caso em discussão, quando só 23% da população brasileira tem plano de saúde frente aos 91% da população dos Estados Unidos(*) ou quando uma frota de com mais de 103 milhões de veículos no Brasil, segundo o DENATRAN, só 35%(**) tem seguro, ou seja, quase 67 milhões trafegam sem seguro. E quando falamos só da frota de motocicletas, menos de 2% tem seguro compreensivo, segundo dados da FENSEG.
Se o dano material dos veículos fica entre as partes envolvidas em caso de acidente, quando machuca, o Estado vai arcar com o custo do resgate a convalescência do cidadão. Sem mensurar o desgaste emocional da vítima e da família e o prejuízo em toda cadeia economica do Estado, desde o afastamento do trabalho, ocupação de leito hospitalar, exclusão do mercado consumidor...etc...
Se o consumidor tem o direito de escolha dentro dos ditames da liberdade econômica, por outro lado, cabe ao Estado a sua proteção e é natural uma pergunta à empresa que lança o aplicativo: em caso de acidente de quem é a responsabilidade?(***)
No inciso I, do artigo 6º da Lei 8078 - Código de Defesa do Consumidor, é muito claro um direito básico: “à proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”, texto em consonância com o artigo 5º da Constituição Federal e com o §2º do artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro.
No transporte aéreo ou terrestre a responsabilidade do fornecedor é objetiva, ou seja, não se discute a culpa do evento acidente. O consumidor tem direito às indenizações material e moral.
Na propaganda do aplicativo há promessa de levar ao destino rapidamente, com segurança, diante da afirmação “nossas motocicletas”.
Não acredito que uma Eirelli tenha capital o suficiente para arcar com tamanha responsabilidade, seja do ponto de vista jurídico consumerista, seja do ponto de vista jurídico relação de trabalho e ou prestação de serviço. É muito fácil lançar um negócio almejando só lucros, tendo a certeza de que se algo der errado, o contribuinte brasileiro arca com o prejuízo, sim, porque o Estado arcando com saúde e previdência social, esse dinheiro vem dos impostos que eu, você paga.
Sou um defensor ferrenho da motocicleta como alternativa a mobilidade, faço uso da motocicleta todos os dias, tenho viajado todo Estado de São Paulo na cooperação técnica-educacional com o Centro Paula Souza, todavia, como educador, instrutor de pilotagem, autor do Projeto Motociclismo com Segurança, andar de moto não é como andar de carro ou de ônibus. E venho nos últimos anos, literalmente, digladiando com opiniões e políticas desastrosas em segurança viária com foco na motocicleta, porque especialista de trânsito que não pilota e não conhece a dinâmica da motocicleta é o mesmo que um médico ortopedista opinar sobre oftalmologia.
Necessidade de Regulamentação
Não vou nem entrar no mérito das mazelas do trânsito paulista que já cansei de apontar, como película escura que tira visibilidade periférica e de profundidade do motorista (aposto todas as minhas fichas como a principal causa de acidentes, inclusive atropelamento de pedestres) estreitamento da faixa de rolamento cujo padrão mundial é de 3,50 metros de largura (Av. 23 de Maio na criação da quinta faixa e estreitamento das faixas gerou acidentes com motos a partir de 2006), proibições sem dado técnico.
Nota: Proibição nas Marginais Tietê e Pinheiros não está de todo errado, todavia, a falta de conhecimento técnico, criou a proibição para todas as motos, quando só deveria ser para as de baixa cilindrada (abaixo de 250cc), como acontece na Itália, em seu artigo 175 do Código de Trânsito (Codice della strada). É bem contraditório proibir as marginais e manter a circulação em rodovias com grande densidade de tráfego, todavia, é reflexão para outra pauta.
Se pudesse colaborar com a gestão municipal, minha orientação seria no sentido de permitir mototáxi só para motocicletas ou motonetas (scooter) com capacidade de carga a partir de 200 kg, porém, pesquisando todos os modelos existentes, se exigido a partir de 180 kg para motocicletas e ou motonetasigual ou superior a 250 cilindradas, dotado de sistema ABS de duplo canal, já oferece boa margem de segurança.
Justifico: Como sempre informo nas palestras, não é só excesso de peso em caminhão que mata, em motocicleta também mata.
Não é possível cogitar a possibilidade da utilização de motocicleta ou motoneta abaixo de 250 cilindradas, cuja capacidade de carga varia de marca para marca entre 161 Kg a 175 Kg, no entanto, imagine que o piloto tenha 85 kg e o cliente-garupa com cerca de 90 kg, sem levar em consideração bagagem, já ultrapassou o limite de carga, com menos de 1,5 Kgfm de torque e pior, com freios combinados, sem sistema ABS. (click aqui e leia sobre ABS, UBS e CBS). Vamos piorar: imagine um garupa que tem medo, se mexe e em curva vai para o lado contrário.
Nota: Antes que alguém levante a discussão, o ser humano com pressa enfrenta o medo. O barato sai caro.
Moto urbana, significa que seu habitat não é em vias rápidas e fico imaginando uma corrida de Barueri (outra cidade) a Interlagos com excesso de peso em uma moto extremamente limitada em ciclistica, motor e freios.
Nota: É fator de exclusão de garantia do fabricante, excesso de peso. E o artigo 113 do CTB imputa graves consequências civil e criminal ao fabricante que falhar na orientação, projeto e qualidade do veículo. Portanto, acredito piamente na informação do manual do usuário, no projeto e na qualidade.
Se a cidade de São Paulo em 1994 foi exemplo ao tornar obrigatório o uso do cinto de segurança, antecipando-se a obrigatoriedade federal que só ocorreu em 1997, não tenho dúvida que a regulamentação para mototáxi servirá de paradigma para outras cidades do Brasil.
É necessário um pacto de Segurança Viária entre todos os prefeitos das cidades que formam a região metropolitana de São Paulo e Baixada Santista, para adoção de um regulamento único para mototáxi. Justifico tal medida, dado a densidade de tráfego e as inúmeras rodovias (via rápida) que cortam a região.
Se em cidades do interior com menos densidades demográfica e de trânsito é imaginável mototáxi com motocicletas utilitárias de baixa cilindrada, a realidade na cidade de São Paulo e região é outra. Não esquecendo que a permissividade do Poder Público o torna responsável solidário.
Ainda, em relação ao regulamento, é necessário a obrigatoriedade do mototaxista fornecer cotoveleira, joelheira e luva, além do capacete, devidamente higienizados e no caso do capacete touca descartável.
Apesar do nosso Código de Trânsito Brasileiro já caminhar para 22 anos de idade, é lamentável que até o presente o CONTRAN não regulamentou o inciso III, do artigo 54, que trata das vestimentas do motociclista, todavia, é legal a exigência de equipamento na regulamentação do transporte de mototáxi.
Entendo que a empresa que oferece o serviço, já responde civil e criminalmente, todavia, após a regulamentação, não cumprido a ordem normativa, será possível ações para ressarcimento do SUS e previdência social.
Se a prefeitura de São Paulo, agir rapidamente, gastando energia em regulamentar o transporte por mototáxi ao invés de brigar na justiça por demanda perdida, talvez o Apocalipse não seja antecipado.
Fonte: * Sul América Seguros
** site Fenseg - Federação Nacional de Seguros Gerais
*** entrei em contato com o aplicativo via site e não obtive resposta.
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