O som de uma areia que ecoa há gerações em Brotas
A história da família Farsoni, que chegou da Itália há mais de 100 anos, se entrelaça com a descoberta da nascente e a criação de um modelo de turismo sustentável

A primeira vez que estive em Brotas, há 25 anos, para cobrir um evento de esportes de aventura, já ouvia falar da tal nascente da Areia que Canta. Voltei algum tempo depois, mas os planos eram outros.
Mas o que é o Areia que Canta? O que ele tem de especial, afinal, que todos comentam? Sempre ouvi dizer que é um lugar em meio à natureza, com uma nascente onde a areia… canta...
Quando decidi retornar a essa cidade encantadora, eu sabia que, além de boas histórias, precisava encontrar um lugar que acolhesse bem meus pais — com mais de 70 anos (mas jovens!) — e meu filho de 14. Um local que oferecesse o conforto de casa, acessibilidade para a mamãe e infraestrutura para o meu adolescente.
Foi aí que me lembrei do nome “Areia que Canta”, referência em hospedagem na cidade. Não pensei duas vezes.
Decidida, reservas feitas e matérias agendadas, seguimos com a Fiat Strada Ultra T200 rumo a Brotas. As estradas que ligam a capital ao município são excelentes. Com aplicativos e localização precisa, chegamos em menos de 3h50 ao hotel. A entrada do hotel já dá sinais do que iremos ver. A estrada de terra é cercada por árvores de eucalipto e plantações de cana.
O hotel foi cuidadosamente planejado e, a cada ano, traz uma novidade. O Areia que Canta já completou 30 anos e ganhou até um livro com a trajetória brilhante da família.
Tudo começou com a chegada dos imigrantes italianos da família Farsoni. Eles vieram ao Brasil em busca de uma vida melhor. Nas fazendas de café de Brotas encontraram trabalho — e ali criaram raízes. Como era comum, buscavam sempre um ponto de água. Foi então que descobriram a nascente da Areia que Canta — embora ainda não soubessem do seu potencial.
José Farsoni casou-se com Dona Andrelina Esther Pinotti Farsoni — cuja história linda com a horta eu já contei aqui no blog. Se ainda não leu, confira:
Na horta com Dona Andrelina: afeto, raízes e sabedoria – Noticias R7
Eles tiveram quatro filhos: Estela (in memoriam), Eloisa, Eneida e Evandro. A fazenda Tamanduá, onde o hotel fica, já teve plantação de café, milho, gado leiteiro... Mas foi em 1990 que iniciaram as atividades com turismo rural. Anos antes, porém, já sabiam que tinham algo especial: na nascente da fazenda, olhos-d’água brotavam num lugar mágico — água cristalina, areia branca e fina. E mais: ao esfregar aquela areia com as mãos, ela produzia som.

A nascente, cercada por mata ciliar, faz parte do Aquífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce do mundo. Esse aquífero está 71% em território brasileiro — e parte dele passa exatamente pela fazenda. O rio Tamanduá, afluente do Jacaré-Pepira, atravessa a propriedade e deságua no rio Tietê, entre os municípios de Ibitinga e Itaju.
Com tanta beleza — e uma areia que emite som — o local logo virou assunto na cidade. Visitantes começaram a chegar. Ela recebeu o nome de Areia que Canta justamente por causa da areia, que é de quartzo. Quando retirada da água e friccionada, emite um som parecido com o de uma cuíca.
Durante muito tempo, as pessoas podiam entrar na nascente. Mas a família Farsoni, preocupada com a preservação, decidiu criar regras para uma visitação sustentável. Fizeram estudos com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) e com uma consultoria especializada. A decisão: restringir o acesso e permitir apenas visitas monitoradas. Desde 2020, não é mais permitido nadar ou flutuar nas águas da Areia que Canta.
Hoje só podemos colocar os pés na água, entrar num pequeno trecho para fotos e participar da experiência de friccionar a areia — e ouvir o “sambinha”.
O passeio estava agendado para o domingo de manhã. Após a exibição de um vídeo explicativo sobre o local, sua importância para o ecossistema e as orientações de preservação, metade do grupo fez uma trilha de 3 km — leve e com paisagens incríveis — enquanto os demais seguiram de carro até o ponto de apoio.
Com os guias, seguimos até a nascente por uma trilha gramada e bem sinalizada. Mamãe, com mobilidade reduzida, pôde seguir de picape até o ponto da descida. E, guerreira como sempre, chegou ao paraíso no seu tempo.
Descemos por uma rampa de madeira com corrimão e lá encontramos a Areia que Canta. Que paz! Que energia! Quanta beleza!
A família Farsoni descobriu o potencial dessa nascente e, com responsabilidade, adotou medidas de preservação para proteger essa joia escondida.
Sou grata por essa experiência inesquecível. Se você ficou curioso, é só ver o vídeo abaixo.
E, na próxima matéria aqui no blog, eu conto sobre a nova geração que comanda a fazenda. Porque o agro também é ESG, sucessão familiar e governança.
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