Protestos de rua em São Paulo barram aumento da tarifa e fortalecem voz popular
População deve voltar a se mobilizar com maior ênfase em 2014, ano da Copa do Mundo
Retrospectiva 2013|Thiago de Araújo, do R7
O ano de 2013 pode ser considerado inédito e de transição para a população de São Paulo. O levante popular e coletivo, mais emblemático nos meses de junho e julho, demonstrou o sentimento de cansaço coletivo com os rumos das políticas públicas e a falta de representatividade, algo também registrado em outros Estados do País. A força motriz do cenário atual veio por R$ 0,20 e rende perspectivas de continuidade para 2014.
A resposta mais imediata aos clamores populares foi a revogação do aumento das passagens de metrô, trem e ônibus. No mesmo mês de junho, o prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin anunciaram em conjunto a redução da tarifa do transporte público, de R$ 3,20 para os R$ 3.
Em pronunciamentos acompanhados pelo R7 neste segundo semestre, a perspectiva é de manutenção do valor na capital paulista. Enquanto a prefeitura pretende cobrir o “rombo” do aumento de custos com os novos valores do IPTU (Imposto Predial e Territoral Urbano), o governo paulista promoverá cortes de custos e de pessoal. Tudo para não conceder novos elementos para a demanda do transporte ganhar a força que já demonstrou ter na agenda da população.
Embora em menor escala de mobilização, os protestos passaram a ganhar o cotidiano dos paulistanos. Tal fato já configura um ineditismo histórico não só em São Paulo, mas em todo o Brasil, segundo Osvaldo Luis Angel Coggiola, professor titular da USP (Universidade de São Paulo). Em entrevista ao R7, ele disse que, apesar da única resposta concreta obtida pelos protestos ter sido a redução da tarifa, as vozes das ruas mandaram um recado ao mundo político, que deve ser pressionado por respostas aos problemas do País de maneira mais forte em 2014, ano de eleições e de Copa do Mundo em solo brasileiro.
— No Brasil, as mobilizações sempre tiveram um caráter regional. Aqui em São Paulo o protesto foi contra o aumento da tarifa e teve um caráter nacional, em que pese a sua diversidade de objetivos em cada Estado e em cada município. Por tudo isso, cabe caracterizar isso como algo inédito na história brasileira contemporânea, e pode ser visto como uma virada histórica.
Personagem central nos momentos mais notórios do ano – como no dia 20 de junho, quando mais de 100 mil pessoas protestaram nas ruas da capital paulista – , o MPL (Movimento Passe Livre) conseguiu catalisar em uma luta histórica, em favor de um transporte público “sem catracas” e gratuito.
Para Caio Martins, um dos líderes do movimento, 2013 ficará marcado como o ano em que a população pôde compreender de maneira clara o poder que possui em suas mãos. Não por acaso, a repercussão das manifestações em São Paulo, que ganharam corpo a cada ato, principalmente após os confrontos entre manifestantes e a PM (Polícia Militar) no dia 13 de junho, acabou tirando a massa popular de uma inércia histórica.
— O panorama geral é que o ano provou que só lutando a gente consegue transformar a realidade. Quer dizer, a conquista da redução da passagem no País inteiro só mostrou que por meio da luta a gente consegue conquistar coisas e isso definitivamente dá um ânimo, uma ideia de que é possível lutar. É um grande aprendizado deste ano, é possível lutar e vencer. Nesse sentido as manifestações crescem.
Resposta do Estado
Martim de Almeida Sampaio, diretor da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), concorda com a tese de que as manifestações em São Paulo apresentaram um Estado ainda sem respostas aos pedidos da população e dos movimentos sociais. A começar pela própria organização dos protestos, que não se deu pelo formato tradicional, o qual costumava ter lideranças e sindicatos à frente, mas sim por grupos de formação horizontal, sem lideranças únicas e com uma abordagem de decisões tomadas segundo o interesse coletivo.
— O Estado na verdade não conseguiu compreender a motivação desses movimentos. Ele respondeu da forma tradicional, com truculência, como trata os movimentos sociais. O problema é que a repercussão foi muito grande, pelo nível de participação existente por parte da sociedade. Então o Estado, São Paulo particularmente, age com uma repressão violentíssima, naquela terça-feira, nas primeiras manifestações, o que levou a um estado de indignação ainda maior e mais profunda. Isso mobilizou mais a sociedade.
O professor Osvaldo Luis Angel Coggiola concorda com esse ponto de vista. Segundo a sua análise, o Estado só pensou em “tirar respostas da cartola” quando a repressão não teve mais eficácia, mas falhou em transformá-las em realidade. Contudo, o que não mudou foi a maneira de conduzir o processo de criminalização dos movimentos sociais, algo que data da época dos governos militares no País.
— Você tem uma estrutura repressiva criada no governo militar que ainda está de pé, não foi alterada em absoluto, foi até aperfeiçoada no regime democrático, de 1985 para cá [...] Desta vez a repressão foi em São Paulo, no Rio de Janeiro, no centro de Belo Horizonte, aí não foi mais possível ignorar. Não há nenhuma virada nisso.
O jornal Folha de S. Paulo publicou na semana passada que 116 pessoas, de um total de 374 levadas para delegacias da cidade e registradas em boletins de ocorrência, foram indiciadas por crimes como furto, associação criminosa e dano ao patrimônio. Ao R7, o diretor do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), Wagner Giudice, afirmou que não tem números precisos, mas estima que “mais de 170 procedimentos” encontram-se abertos e em análise pela Polícia Civil.
Enquanto isso, a Polícia Militar diz continuar apurando a conduta e ações militares durante os protestos de junho e julho em São Paulo, tendo dois IPMs (inquéritos policial-militares) em aberto. Entretanto, ambos contam “com pedido de prorrogação de prazo para continuidade das diligências”. Falando pela OAB-SP, Sampaio não acredita em punição a qualquer policial que tenha atuado nos atos de 2013 na capital paulista, mesmo com diversos incidentes envolvendo até mesmo jornalistas.
— Isso vai para o arquivamento geral, pode acreditar.
2014
O MPL é um dos coletivos que possuem algumas agendas de manifestações para 2014. Mas eles não estão sozinhos. Os black blocs também já anunciam, há pelo menos dois meses nas redes sociais, notícias e atos do que chamam de “Não Vai Haver Copa”, em referência ao Mundial que passará por 12 capitais do País no próximo ano. O cenário que se desenha, embora ainda incerto, pode gerar uma condição preocupante.
Caio Martins acredita que a população, que não saiu das ruas após os grandes atos de junho e julho, voltará a se mobilizar com maior ênfase durante todo o ano de 2014, que também terá eleições em outubro.
— De certa forma junho mostra que transporte é uma questão central nas cidades, é uma bomba-relógio, e de fato baixar R$ 0,20 mostrou a força da população quando ela se organiza e luta, mas isso não resolve o problema do transporte definitivamente. Com esse transporte que é tratado como mercadoria e houver catracas, as revoltas vão continuar. Então, R$ 0,20 foi só o começo. Enquanto houver tarifa e o transporte como mercadoria, nós teremos revoltas em todo o País todos os anos.