Depoimento de inspetor da Polícia Civil encerra primeiro dia de audiência do caso Amarildo
Das 19 testemunhas de acusação convocadas, apenas três foram ouvidas nesta quinta
Rio de Janeiro|Do R7

Terminou pouco antes das 22h desta quinta-feira (20) o primeiro dia da audiência de instrução e julgamento do caso Amarildo, realizada na 35ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Das 19 testemunhas de acusação convocadas, apenas três tiveram tempo para depor. O último a ser ouvido foi o inspetor da Polícia Civil Rafael Rangel, que deu detalhes técnicos sobre o trabalho de perícia durante as investigações. A audiência será retomada no dia 12 de março.
Vinte e cinco policiais militares sentaram no banco dos réus para responder pelos crimes de tortura, tendo morte como resultado, e ocultação de cadáver. Se condenados, os PMs podem pegar 33 anos de prisão.
O primeiro a prestar depoimento nesta quinta foi o delegado titular da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. Ele disse os réus tentaram responsabilizar pelo crime pessoas não envolvidas no desaparecimento.
— A ação dos policiais foi uma manobra ardilosa para imputar a terceiros a tortura contra Amarildo.
Barbosa afirmou também que os depoimentos dos PMs levantaram suspeita porque todos apresentavam a mesma versão.
— Os depoimentos dos PMs eram incongruentes porque todos davam a mesma versão. Nas escutas, a polícia percebeu que o major [Edson Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha] pressionava os PMs a dar a mesma versão.
Sobre o major Edson Santos, que na época do crime comandava a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, Barbosa disse que o réu autorizou a tortura de Amarildo.
A segunda a prestar depoimento foi a delegada-assistente da Divisão de Homicídios, Ellen Souto, que também participou da apuração do crime. A policial afirmou que os réus prometeram casas, compraram fraldas e deram dinheiros a moradores da Rocinha para que eles mantivessem versão de que o ajudante de pedreiro foi morto por um traficante.
Esta foi a primeira vez que a família de Amarildo ficou de frente com os policiais acusados pela morte. Elizabeth Gomes da Silva, viúva do pedreiro e uma das testemunhas de acusação no processo, disse à imprensa, durante um intervalo da sessão, que espera que os réus confessem o crime.
— Eles sabem que foram eles que mataram. A resposta tem que vir da boca deles. Eu espero que eles sejam homens para dizer o que fizeram dos restos mortais do meu marido.
Entenda o caso
Amarildo desapareceu no dia 14 de julho de 2013 após ser levado por policiais militares para a sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha para averiguação durante a operação Paz Armada, da Polícia Militar. Após o desaparecimento, familiares e vizinhos fizeram protestos que chegaram a fechar o túnel Zuzu Angel. Todos se perguntavam: Onde está o Amarildo?
O caso ganhou repercussão e entrou na pauta dos protestos que tomaram a cidade no segundo semestre do ano passado. Em outubro, 25 PMs da UPP da Rocinha foram presos sob acusação de tortura, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha. Entre eles, o major Edson Santos, comandante da unidade.
De acordo com o MP, o ajudante de pedreiro foi torturado por cerca de 40 minutos em um pequeno depósito atrás do contêiner da UPP da Rocinha. Além de receber choques elétricos, Amarildo teria sido afogado em um balde e sufocado com saco plástico na boca e na cabeça.
Segundo a promotora Carmem Elisa Bastos, quatro PMs teriam sido efetivamente os torturadores de Amarildo: tenente Luiz Medeiros, o sargento Gonçalves e os soldados Maia e Vital. De acordo com depoimentos, 11 policiais receberam ordem do tenente para permanecer dentro do contêiner e puderam ouvir as agressões. Outros 12 vigiavam o local.
Os policiais ouvidos também disseram que o major Edson Santos, hoje preso no complexo de Bangu, ficou em seu escritório, no andar de cima do contêiner, em frente ao local da tortura. As testemunhas também disseram ter ouvido o pedido para trazer uma capa de moto para cobrir o corpo, retirado do depósito pelo telhado em frente à mata.
Segundo a DH, que ouviu 133 pessoas e obteve na Justiça autorização para grampear os celulares dos policiais acusados, um informante dos PMs, que está agora sob o Programa de Proteção de Testemunhas, disse a eles que Amarildo teria a chave de um paiol. O ajudante de pedreiro teria, então, sido torturado para que indicasse a localização desse depósito de armas. A delegada Elen Souto disse que, entre as técnicas usadas, estavam asfixia com saco plástico na cabeça, choques elétricos no corpo molhado e ingestão de cera líquida.