Violência fechou escolas do Rio por 184 dias em 2017
Acari e Complexo da Maré são as áreas mais afetadas da cidade
Rio de Janeiro|Jaqueline Suarez, do R7
O calendário letivo da rede municipal de ensino chega ao fim nesta quinta-feira (21), deixando marcas da violência registrada no Rio este ano. Dos 198 dias letivos, apenas em 14 a rede funcionou completamente.
A proximidade entre os confrontos armados e as escolas produziu cenas de terror. No Complexo da Maré, zona norte da cidade, crianças deitadas no chão de uma creche tentavam se proteger dos tiros; Em Acari, a menina Maria Eduarda perdeu a vida no pátio de uma escola.
E é esta comunidade da zona norte o local que lidera o ranking de escolas fechadas por conta de confrontos na cidade em 2017. Por pelo menos 45 dias, as unidades de Acaro precisaram fechar as portas devido à operações policiais ou confrontos entre criminosos.
Apesar de não haver indicativos dos anos anteriores, a percepção de quem mora na região é que houve aumento no número de confrontos e, consequentemente, suspensão das atividades escolares. Dados da Secretaria Municipal de Educação indicam que do total de 1.537 escolas, 467 unidades precisaram fechar ao menos um dia este ano. O impacto da violência foi sentido no dia a dia de 165.804 estudantes.
— Esse ano foi o que mais ficou sem aula, sem duvida. Já teve época de ficar a semana toda sem — afirmou Néia Stançani, moradora da favela de Acari.
O neto de Néia é aluno do 4º ano do Ciep Adão Pereira Nunes, que fica dentro da comunidade. Ela conta que a professora do menino criou um grupo no whatsapp para se comunicar com os pais das crianças, especialmente, em dias de tiroteios.
— A professora fez o grupo para avisar quando tiver policia aqui e as aulas forem suspensas. Como a gente tem o grupo um avisa ao outro. Ela avisa se está muito brabo lá encima e a gente avisa, qualquer coisa dá um tempinho até acalmar e conseguir ir buscar as crianças — explicou.
Dentro de casa ou na escola, o sentimento de medo altera a rotina e pode acarretar prejuízos a saúde psicológica das crianças. O neto de Néia, de apenas 9 anos, recebeu acompanhamento psicológico por quase um ano devido a rotina de confrontos.
— Foi indicação da escola porque o comportamento dele mudou e eu notei em casa também. Ele ficou com medo de tudo, de ficar sozinho e até da chuva. Antes ele gostava de ficar em casa sozinho, hoje não fica mais. Se eu sair, ele sai comigo.
Os tiros costumam começar logo no início da manhã, mas quando os confrontos estouram com as crianças já em sala de aula, ela conta que todos são levados para o corredor do Ciep, onde ficam até que os tiros parem. Cenas de crianças abaixadas em corredores e salas de aula se repetiram em várias escolas e creches da cidade. A mais recente foi na comunidade Salsa e Merengue, no Complexo da Maré, zona norte, no último dia 5.
Na ocasião, a Polícia Civil realizava uma operação no conjunto de favelas e uma intensa troca de tiros ocorria no local. Nas redes sociais, uma foto de crianças deitadas no chão de uma creche ganhou grande repercussão. Imagens como esta tornaram-se frequentes este ano, especialmente na Maré. O conjunto de favelas é o segundo local com a maior incidência de escolas fechadas no Rio em 2017. De acordo com a Secretaria de Educação, foram 31 dias sem funcionamento.
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Segurança das escolas em discussão
O episódio mais trágico com relação a segurança dos estudantes no ambiente escolar ocorreu em março deste ano, na Escola Municipal Daniel Piza, em Acari. A adolescente Maria Eduarda, de 13 anos, morreu após ser baleada no pátio da unidade. O caso ascendeu o alerta para as autoridades e profissionais de educação.
Após a morte de Maria Eduarda, a Secretaria Municipal de Educação anunciou a adoção de várias medidas para reduzir a vulnerabilidade de alunos e profissionais das 400 escolas localizadas em áreas de conflito. Foram criados grupos territoriais nas regiões mais afetadas e professores e funcionários destas unidades foram submetidos a um treinamento da Cruz Vermelha Internacional.
Já a Secretaria Estadual de Segurança informou que o setor tem trabalhado junto com a Secretaria Municipal de Educação para tentar minimizar os impactos das operações nas atividades escolares e, principalmente, no risco à vida desses estudantes. Em agosto deste ano, foi publicada no Diário Oficial uma Instrução Normativa que estabelece diretrizes para o aprimoramento de ações das Polícias Civil e Militar em áreas com elevado risco de confronto armado.
Essas diretrizes, segundo a Secretaria de Segurança, foram elaboradas por um grupo de trabalho formado por autoridades da área da Educação e de Segurança do Estado do Rio.
A secretaria destacou ainda que “mantém interlocução permanente com os comandos das polícias Militar e Civil orientando-os na busca incessante de medidas que impactem na redução dos indicadores de violência, principalmente o de letalidade violenta”.
*Sob supervisão de PH Rosa