Após reportagem do R7, idoso condenado por roubo é solto
Francisco dos Santos foi preso de forma irregular em agosto do ano passado. Depois de sete meses no cárcere, ele teve a liberdade provisória concedida
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
"Tudo o que pensava na hora era chegar em casa e tomar um café tranquilamente com meu caçula", diz Francisco Carvalho dos Santos. O pintor e pedreiro, de 60 anos, que faz tratamento para um câncer de cólon e tem dificuldades para andar, permaneceu por mais de sete meses cumprindo pena no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, condenado por roubo à mão armada em um posto de combustível localizado no bairro da Saúde, na zona sul da cidade.
Chico, como é conhecido, se emociona ao retomar a rotina em seus primeiros dias em liberdade. "Estou muito feliz. Até consegui falar com minha mãe, com que estava há sete meses sem conversar. É uma sensação muito boa", disse. Em reportagem, o R7 ouviu a defesa de Francisco, questinou o juíz que proferiu a condenação e o delegado que conduziu as investigações à época das acusações. Hoje, um mês após a publicação, Chico, de sua casa, interrompe um dos consertos que faz para sobreviver para conceder a entrevista.
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Na sexta-feira (29), 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) concedeu a liberdade provisória a Francisco. Ele foi preso em agosto de 2018 e condenado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime inicial semiaberto em fevereiro deste ano após ter sido identificado por funcionários de um posto de gasolina, no bairro da Saúde, como suposto autor de dois assaltos à mão armada. Francisco também é acusado de ter fugido à pé após o crime.
De acordo com a advogada de defesa de Francisco, Débora Nachmanowicz, o que mais pesou para que o desembargador Amaro José Thomé Filho concedesse a liberdade provisória foi a ausência das imagens das câmeras do posto de gasolina, utilizadas para acusar o pintor. "Falamos da dificuldade de acesso às câmeras. Questionamos porque não juntaram as imagens se afirmavam nos autos que elas existiam. Os frentistas chegaram a ser intimados a apresentar as imagens", diz ela. "Se alguém roubou o posto, as imagens teriam mostrado. Além disso, ele manca muito. É impossível para ele roubar um posto e sair correndo."
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Outro motivo que, segundo Débora, pode ter sido considerado pelo desembargador foi o reconhecimento realizado pelas vítimas dois meses após o suposto assalto. Por fim, o terceiro ponto para conceder a liberdade provisória de Francisco é, segundo a defesa, a imagem gravada do prédio vizinho à casa de Francisco que mostram o pintor ao colocar o lixo para fora de casa no momento em que teria ocorrido o assalto ao posto. "O juiz de primeira instância desconsiderou essas provas e disse que não era um álibi suficiente."
Segundo Débora, a reportagem do R7 ajudou na argumentação da defesa com a Justiça. "Quando fui despachar o habeas corpus com o desembargador na quarta-feira, citei a repercussão do caso na mídia, inclusive trechos da reportagem. Na petição, em que pedimos a anulação da sentença e a revogação da prisão preventiva também foi mencionada a repercussão."
O portão de ferro
Chico passou em claro a primeira noite após deixar a prisão. "Não conseguia dormir, fazia muito silêncio em casa e onde eu estava era muito agitado", disse o pintor. Os últimos sete meses de Francisco foram em uma cela de cinco metros de largura por seis metros de comprimento, dividida com mais 58 pessoas. "Na hora em que recebi a notícia de que poderia sair por aquele portão de ferro, entrei em desespero", diz. "Antes eu só saia para ir ao médico e tratavam a gente como se fossêmos animais."
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Para se ter ideia, o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros 3, onde Francisco cumpriu pena, tem capacidade para abrigar 572 pessoas e tem uma população prisional de 1.670 de detentos. Nos CDPs 1 e 2, o problema da superlotação carcerária não é diferente. No primeiro presídio a capacidade é para 521 detentos e a população prisional chega a 1.653 pessoas. No segundo presídio, existem 793 vagas para 1.623 presos.
O momento mais difícil de Francisco, ao longo dos sete meses que viveu no cárcere, foi em seu aniversário, no dia 10 de outubro. "Passei no meio de tanta gente, num quartinho daqueles e só uma pessoa me deu apoio", diz. "Me distraía jogando dominó e só pensava em um dia sair de lá."
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Os portões de ferro do CDP também marcaram a vida da esposa de Francisco, a empregada doméstica Cosmiranda Rocha dos Santos, de 51 anos. "Foi uma mistura de emoções, uma revolução na mente e no espírito. Tudo veio à tona naquele momento. Foi muito bom ele ter saído daquele calabouço", diz. "Ver ele sair daquele portão que sempre cruzei me emocionou muito. Ele vinha mancando ao nosso encontro, como se o espírito pedisse para correr e o corpo não deixasse. Aquele portão desgastou a minha alma."
Justiça
O processo de libertação de Francisco teve início ainda durante a semana que antecedeu a sexta-feira (29). Na quarta-feira (27), Débora compareceu à 9ª Câmara para despachar o mérito do habeas corpus com o desembargador. Na quinta-feira (28), ocorreu o julgamento em que foi confirmada a liberdade provisória de Chico.
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"Na sexta-feira, por volta das 15h, fui ao Fórum Criminal da Barra Funda para conseguir o alvará de soltura. Saí de lá com o alvará de soltura em mãos em direção ao CDP", diz ela. Apesar de ter atuado em casos de pessoas condenadas injustamente, Débora considera o caso de Francisco marcante. "Ele é um senhor de idade, de 60 anos, manco. Não havia nada que pudesse indicar que ele teria roubado à mão armada. Foi o caso mais impactante que acompanhei até agora."
Francisco saiu aplaudido da prisão. Hoje, depois de ter lutado junto a família para voltar a viver em liberdade, Chico quer fazer o que mais gosta: trabalhar como ajudante e jogar dominó fora das celas. Ele e a esposa começam uma nova fase na vida. "Prometi que não ia deixar Francisco passar mais sete anos lá dentro e tirei forças nem sei de onde para cumprir isso. Agora, estou muito feliz que ele já voltou a fazer os bicos deles", diz ela.
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