Blocos de periferia disputam espaço no maior Carnaval de rua de SP
Pela primeira vez, desfiles atingiram as 32 subprefeituras, mas patrocínio está concentrado em megablocos. Menores lutam por atenção do poder público
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
A cidade de São Paulo terá o maior Carnaval de rua da história e um dos principais do país. Serão 678 desfiles autorizados pela prefeitura, número 38,5% maior do que em 2019, que teve 490. São esperadas 15 milhões de pessoas entre os dias 15 de fevereiro e 1º de março. Pela primeira vez, o Carnaval de rua vai se espalhar pelas 32 subprefeituras da capital, mas os pequenos blocos ainda lutam por atenção do poder público e patrocínio.
Claudia Alexandre é jornalista e estudiosa do samba há 30 anos e relata que o Carnaval não só é uma festa turística, mas uma manifestação cultural. Ela não está otimista com a organização em relação à violência, transporte, acessibilidade e infraestrutura: "A cidade de São Paulo já tem expertise em organizar grandes eventos em locais confinados, não em áreas públicas. Agora a prefeitura tenta comportar um Carnaval deste tamanho. Para isso, precisa se capacitar e limitar o número de eventos. Não é só abrir inscrições: 800 blocos seria um colapso".
Leia mais: Organizadores de blocos se queixam de arrastões e falta de banheiros no pré-Carnava
Um dos coordenadores do Fórum de Blocos, Zé Cury, destaca que o Carnaval paulista tem bastante samba e uma periferia pulsante que não está contemplada pelo poder público. "É uma vitória fantástica a inclusão das 32 subprefeituras, mas isso é fruto da pressão. A periferia conseguiu fomentos, mas ainda não participa muito. É preciso melhorar a integração do Carnaval com a cidade", argumenta.
Claudia Alexandre entende que a divisão de classes e raça, em geral, fica evidente na folia. "O embranquecimento acontece porque participar é caro." Segundo ela, a festa negra ocorre nas escolas de samba e nos blocos periféricos ligados ao samba: "Sempre existiram, mas sofrem pela precariedade de atenção".
O bloco do Chiquinho foi criado em 2016 no Jardim Maringá, região da Vila Matilde, zona leste de São Paulo e, em 2019, reuniu cerca de 500 pessoas. O desfile será no dia 29, já no pós-Carnaval. De acordo com o fundador, Francisco de Assis Timóteo Leite, o bloco sobrevive com a ajuda de comerciantes locais. "O nosso bloco tem cunho social. Os comerciantes fazem os abadás, a gente vende na comunidade, pedimos alimentos para os foliões e a verba arrecadada é revertida na compra de cadeiras de rodas. Ano passado foram 10", explica.
Veja também: Desfiles de pré-Carnaval em São Paulo terminam com 413 detidos
Assim como os demais blocos, eles sonham com patrocínio para viabilizar a festa. "As diferenças são gritantes. As grandes empresas e produtoras se interessam pelos megablocos. Os pequenos não têm patrocínio. É preciso evoluir, queremos reconhecimento porque a gente colabora com a comunidade", afirma Francisco Leite.
Segundo Francisco, a mobilização social dos integrantes do bloco é constante porque costumam buscar doações o ano todo quando há enchentes na comunidade, fazem campanhas de saúde e até pintam escolas.
Ele também cobra limpeza da prefeitura: "Queremos desfilar num bairro sem entulhos, com praças limpas e guias pintadas de branco".
Francisco revela que, em 2019, foram registradas várias falhas no Carnaval, como falta de fiscais para coibir comércio irregular, aplicação de multas de trânsito e banheiros químicos insuficientes. No pré-Carnaval deste ano, segundo o fundador do bloco, já ocorreram problemas semelhantes. "A verba da prefeitura é indireta, para banheiros, agentes de CET, faixas, isso quando mandam. Brigamos por mudanças", contou.
Leia ainda: Carnaval de SP terá restrição no Largo da Batata, em Pinheiros
Cifras e patrocínio
Não é fácil viabilizar financeiramente os desfiles dos blocos no Carnaval de rua na maior cidade do país. Tanto é que mais de 800 blocos se inscreveram inicialmente, mas o número caiu para 600 por falta de patrocínio. Ao mesmo tempo, projeta-se um impacto econômico na capital paulista maior do que o Carnaval 2019, que movimentou R$ 2,3 bilhões (incluindo Sambódromo), de acordo com pesquisa do Observatório do Turismo da Prefeitura de São Paulo.
A cofundadora do Tarado Ni Você, Mari Santos, explica que as grandes produtoras viram nos blocos uma oportunidade de negócio. Ela conta que os integrantes não lucram com a festa, pelo contrário, o que se ganha é usado para "realimentar o próprio bloco".
Segundo Mari, o grande problema hoje é o Carnaval de marcas. "As empresas buscam por celebridades e artistas e faltam recursos para os blocos já constituídos". E completou: "Bloco não é empresa e nem instituição, mas coisas que são de responsabilidade do Estado transferidas para nós, como ambulância e segurança. Não há dinheiro para tudo e sofremos ameaça de multa em caso de problemas".
Veja também: Moradores do centro de SP criticam organização do Carnaval de rua
Maurizio Bianchi é presidente do bloco Esfarrapados, que desfila pelas ruas do Bixiga, no centro, desde 1947. No dia 24 vai novamente arrastar multidões entoando as tradicionais marchinhas. O bloco faz críticas sociais e políticas, além de sátiras com as fantasias e preserva o espírito do antigo Carnaval.
De acordo com Maurizio, o Carnaval de São Paulo despertou interesse turístico. "É de grande valia a descentralização dos blocos. Mas empresas especializadas como as que já existiam no Rio e Salvador voltaram os olhos para cá, trazendo os megablocos. Agora a prefeitura tem que garantir infraestrutura, ainda mais com a arrecadação obtida com o patrocinador oficial."
Veja ainda: Carnaval altera regras de estacionamento na zona oeste de SP
Ele cobra também que as regras e exigências sejam disponibilizadas com antecedência: "Não tivemos patrocínio suficiente. Recebemos colaboração de comerciantes e colocamos dinheiro do próprio bolso. Querem maior segurança e estrutura, mas disponibilizam regras em cima da hora e não dá para buscar o patrocínio adequado".
Ocupação das ruas e organização
Zé Cury, do Fórum de Blocos, acredita que o Carnaval de rua chegou às proporções atuais graças às mudanças que ocorreram ainda em 2013. "O decreto da gestão Haddad (PT) tornou o Carnaval patrimônio cultural. Antes já tinham blocos pequenos, mas passou a ter respaldo legal. Houve incentivo para as pessoas ocuparem o espaço público, com a avenida Paulista fechada para carros", destacou.
Mari Santos elenca os mesmos motivos e acrescenta o fato de uma "maior abertura do poder público para os movimentos de incentivo à ocupação do espaço urbano e a confluência com as manifestações políticas de 2013". Ela lembra que até então os paulistanos costumavam viajar no feriado de Carnaval, mas a crise econômica fez com que muitos ficassem na cidade para curtir.
Novos blocos surgiram a partir da reunião de amigos. A novidade são os femininos e o crescimento dos infantis. "Houve um crescimento exponencial. Em Pinheiros e Vila Madalena, os blocos passaram de 15 para 150", diz Cury.
Leia mais: PM terá efetivo 25% maior e vai usar drones no carnaval de rua
Já Mari Santos questiona como controlar o processo de expansão: "A questão é como integrar tudo com os megablocos garantindo espaço para os menores também. São Paulo não tem circuitos. A dificuldade é a conexão dos blocos".
Todos querem um Carnaval de qualidade. "Estamos em alerta. Seis meses de reuniões com os organizadores não foram suficientes. Editais, como dos banheiros químicos, saíram uma semana antes da festa. A expectativa é ver se todos os serviços combinados vão estar disponíveis", ressaltou o coordenador do Fórum de Blocos.
Cláudia Alexandre conclui: "São Paulo é tão diverso quanto a cultura que ele representa. O Carnaval não tem uma só cara porque a cidade é assim".