'Fake lovers' roubam R$ 250 milhões de duas mil vítimas no Brasil
Cálculo leva em conta prejuízos financeiros de cerca de 2 mil vítimas no Brasil, em um período de três anos, do grupo criminoso, criado na Nigéria
São Paulo|Cesar Sacheto, do R7
Nos últimos três anos, aproximadamente dois mil brasileiros foram vítimas de uma facção de golpistas, conhecida internacionalmente como Yahoo Boys, criada na Nigéria, que causaram prejuízos estimados em R$ 250 milhões pela Polícia Civil de São Paulo.
Uma operação deflagrada na semana passada pela 1ª DIG (Delegacia de Investigações Gerais) da Deic (Divisão Especializada em Investigações Criminais) de Presidente Prudente, no interior paulista, já levou para a prisão 122 suspeitos, até a última segunda-feira (23). No total, 181 pessoas tiveram a prisão decretada pel Justiça após denúncia oferecida pelo Ministério Público.
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A descoberta do esquema criminoso ocorreu durante uma prisão vinculada à Operação Voo de Ícaro, deflagrada em maio de 2019 pelo Deinter 8 (Departamento de Polícia Judiciária do Interior 8), na região de Presidente Prudente (SP), que tinha como escopo prender uma facção responsável por introduzir celulares e drogas nos presídios da região.
Em uma busca na casa da suspeita Hebe Galdino Seabra, em Guarulhos, na Grande São Paulo, os policiais encontraram, entre outros itens, diversos extratos bancários em nome de terceiros que indicavam intensa movimentação de dinheiro, além de entorpecentes e celulares.
"Analisando o material coletado na operação, nos celulares havia indicações de contas bancárias e fotografias de extratos. Percebendo que não havia convergência com a 'Voo de Ícaro', abri uma nova investigação com monitoramento daquelas contas referidas nos depósitos. [Descobrimos] teia de vários correntistas", explicou o delegado Pablo Rodrigo França.
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Entre os detidos, há indivíduos de 19 nacionalidades diferentes e praticamente todos os continentes. São 120 brasileiros, 35 nigerianos, oito sul-africanos, oito haitianos, sete angolanos, cinco tailandeses, quatro bissau-guineenses, quatro venezuelanos, três camaroneses, dois tanzanianos, mais cidadãos da Costa do Marfim, Croácia, França, Guiné, Malásia, Namíbia, Senegal, Togo e Zâmbia.
Também estão entre os presos os dois nigerianos apontados como as principais lideranças da célula brasileira dos Yahoo Boys: Uchenna Ikechukwu Madu e Donald Ahize. Por vezes, eles são chamados de "boss" (chefe, em inglês) e não costumam se expôr ou atuar como executores, mas apenas agir nos bastidores, orientando os "fake lovers" (falsos amantes, em inglês) de forma direta.
Nas redes sociais, integrantes da facção exibem uma vida de luxo e ostentação, com festas privadas em casas noturnas, bebidas caras, relógios, carros e mansões. Todos os foram autuados pelos crimes de estelionato, extorsão, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Praticamente todos os membros das células superiores da organização possuem relação com a Galeria Presidente, conhecida como "Galeria do Reggae", no centro velho de São Paulo. Alguns suspeitos mantêm empresas (comércio de roupas ou salões de beleza) no centro comercial. Já, outros são ou foram funcionários da galeria.
Quem são os 'Yahoo Boys'?
A abordagem das vítimas é feita uma facção criminosa criada por nigerianos, denominada Yahoo Boys. Segundo a polícia, os golpistas vislumbraram a possibilidade de ganhar dinheiro sem o emprego de violência — que geraria ganhos pequenos e atrairia a visibilidade da sociedade das autoridades policiais. Assim, os bandidos se especializaram em crimes cibernéticos.
Os membros desse grupo também são conhecidos por “Nigerian 419”, em referência ao artigo 419 código criminal nigeriano, segundo o qual "qualquer pessoa que, por qualquer pretensão falsa e com a intenção de fraudar, obtenha de qualquer outra pessoa qualquer coisa capaz de ser roubada ou induza qualquer outra pessoa a entregar a qualquer pessoa qualquer coisa que possa ser roubada, é culpada de um crime e é responsável para prisão por três anos".
Segundo o delegado Pablo Rodrigo França, o grupo criou tentáculos em praticamente todos os continentes. Tanto que o FBI (Federal Bureau of Investigation, na sigla em inglês), agência dos Estados Unidos que equivale à Polícia Federal do Brasil, já realizou operações policias prendendo autores e mantém informações em seu site com a intenção de proteger as vítimas.
Na América do Sul, o braço forte dos Yahoo Boys é o Brasil, em razão da extensão territorial e do tamanho da população. Aqui, os integrantes da quadrilha utilizaram um protocolo já colocado em prática anteriormente nos golpes praticados em outros países.
Perfil e abordagem das vítimas
De acordo com os responsáveis pela investigação, os alvos preferidos dos Yahoo Boys são, basicamente, pessoas acima dos 40 anos e que desfrutam de boas condições socioeconômicas.
Os golpistas criam contas falsas em sites de relacionamento e redes sociais para assediar aqueles que, dentro deste perfil, demonstre fragilidade e boa fé acima da média. Muitas vezes, se passam por profissionais liberais ou militares que moram no exterior.
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"Pessoas de relativa idade que procurem amigos ou alguém para bater papo. [Os golpistas] se aproximam e seduzem a vítima, que escancaram as relações de suas vidas. entregam fotos, vídeos e informações. Por amor, emprestam dinheiro", contou o delegado Pablo Rodrigo França.
As justificativas dos criminosos para enganar as vítimas e conseguir a transferência de altas somas em dinheiro para as contas de integrantes da quadrilha são as mais diversas possíveis, como o pagamento de taxas alfandegárias, importação ou transporte de valores, entre outras.
Após ter os bens ou recursos exauridos, as vítimas passsam a ser chantageadas pelos criminosos. "Quando para de pagar, [os golpistas] ameaçam entregar nudes, fotos comprometedoras, conversas mais íntimas. Escancarar tudo nas redes sociais, ameaçar familiares", complementou o delegado Pablo Rodrigo França.
Vítimas em situação embaraçosa
Oficialmente, 437 pessoas registraram boletins de ocorrência, sendo 292 somente no estado de São Paulo. A soma do prejuízo financeiro calculado nos inquéritos policiais instaurados até agora é de R$ 24 milhões. Mas, estima-se que 85% das vítimas não procuraram as delegacias para denunciar o golpe.
"Muitas vítimas têm vergonha [de procurar a polícia]. O que a gente percebeu é que, muito mais que o dano patrimonial, [foi] a devolução da dignidade com as prisões. A percepção de ter caído em um golpe e prejudicado o patrimônio dos familiares causou sofrimento para essas vítimas. Há relatos de internações psiquiátricas ou até tentativas de suicídio", comentou o chefe da investigação.
Próximos passos
O delegado Pablo Rodrigo França afirmou que as próximas etapas da investigação policial serão focadas na identificação das pessoas da facção que residem em outros países. "Estamos entrando em um novo mundo de investigações. A Hebe estava no meio da pirâmide e não na ponta. Isso fez com que achássemos tentáculos para cima e para baixo na organização", finalizou.