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"O vírus escancarou a distorção social que temos em SP", diz Covas

Em entrevista exclusiva ao R7, prefeito diz que SUS deve sair fortalecido de pandemia e que, em reabertura, comércio deve colaborar com fiscalização

São Paulo|Fabíola Perez, do R7

Prefeito Bruno Covas: "SP fez tudo que estava ao alcance para conter o vírus"
Prefeito Bruno Covas: "SP fez tudo que estava ao alcance para conter o vírus"

No terceiro mês de enfrentamento à pandemia é possível perceber que, além dos efeitos na saúde, o novo coronavírus aprofundou desigualdades sociais na maior capital do País. O déficit habitacional na cidade de São Paulo ficou escancarado com a covid-19, na avaliação do prefeito Bruno Covas. "O vírus demonstrou um problema grave que temos na cidade de São Paulo que é o habitacional."

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Em entrevista exclusiva ao R7, Covas afirmou que grande parte da população de periferia é dependente do SUS (Sistema Único de Saúde). "Enquanto quem mora no centro da cidade tem acesso a convênio particular e pode se internar em qualquer um dos hospitais privados que concentram 4 mil leitos de UTI", disse o prefeito.

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É este sistema público de saúde que, segundo o prefeito, permitiu que a pandemia fosse enfrentada sem a necessidade de se "escolher pacientes". "Não deixamos ninguém sem atendimento na cidade de São Paulo. Cidades até mais ricas, como Nova York, médicos tiveram que escolher quem era atendido e quem não era. Aqui, todos que procuraram tratamentos tiveram vaga, conseguimos curar 90% das pessoas que buscaram ajuda no sistema público. Ninguém vai questionar a existência do SUS no país."

Confira abaixo a íntegra da entrevista

R7 - Como o sistema de saúde municipal (público e particular) sairá desta crise? Quais os aprendizados que ficam deste período?


Bruno Covas - Importante lembrar que o SUS (Sistema Único de Saúde) sai fortalecido. Imagine enfrentar essa situação sem o SUS. Antes da constituição de 1988, quando não existia um sistema público de saúde desenvolvido, havia a dependência das Santas Casas de Misericórdia e as ações desenvolvidas eram só para quem tinha carteira assinada e pagava pela Previdência Social.

O sistema de saúde mostrou que, apesar dos problemas de financiamento, foi por conta dele que estamos passando bem pela pandemia e não deixamos ninguém sem atendimento na cidade de São Paulo. Cidades até mais ricas, como Nova York, médicos tiveram que escolher quem era atendido e quem não era. Aqui, todos que procuraram tratamentos tiveram vaga, conseguimos curar 90% das pessoas que buscaram ajuda no sistema público. Ninguém vai questionar a existência do SUS no país.


R7 - Haverá mais leitos de UTI na cidade futuramente?

Bruno Covas - A cidade tinha 507 leitos de UTI, só agora conseguimos 1.300 leitos de UTI, alguns não ficarão depois da pandemia. Dos oitos hospitais que inauguramos ou reabrimos, somente dois são de campanha, os outros seis hospitais poderão ficar permanentes na cidade. Se continuássemos com os 507 leitos, quem não tem plano de saúde não teria sido atendido nesse período.

"O sistema de saúde mostrou que%2C apesar dos problemas de financiamento%2C foi por conta dele que estamos passando bem pela pandemia"

(Bruno Covas, prefeito de São Paulo)

R7 - Em relação às medidas tomadas para conter a disseminação do coronavírus, o senhor chegou a implementar o megarrodízio para evitar a circulação de pessoas e aumentar o isolamento social. O senhor se arrepende de ter adotado essa medida?

Bruno Covas - Na semana anterior ao rodízio teve uma diminuição grande do isolamento social. A medida tomada foi necessária para que a gente segurasse esse crescimento. Tivemos um acréscimo de 1.5 percentual no isolamento comparando a semana do rodízio com a anterior. Ou seja, tivemos resultado, mas muito baixo diante do sacrifício que isso representava para a população. Não havia muita explicação para manter algo com o resultado abaixo do esperado.

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Não me arrependo de forma alguma, fizemos na Prefeitura tudo que estava ao nosso alcance para aumentar o isolamento social e conter os índices. Foram, inclusive, com os resultados do megarrodízio e com o feriado prolongado que conseguimos segurar os índices na cidade e depois de três semanas começar a flexibilização. Sem essas mudanças, provavelmente seguiríamos com a ampliação no número de casos. Quando a cidade começou a discutir flexibilização estava com o RT equivalente a 1.

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Novo rodízio tentou impedir circulação de carros e aumentar isolamento
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R7 - O senhor costuma dizer que possui compromisso com a ciência e com o acerto, não com o erro. Em sua avaliação, quais os erros durante este percurso e contexto pandêmico?

Bruno Covas - Entrevistas com os principais epidemiologistas e infectologistas do Brasil em janeiro diziam que era um vírus de inverno que não teria muitas consequências no país porque, por conta da temperatura, ele não teria a mesma disseminação que teve na China ou em outros países asiáticos e na Europa. Ou seja, foi um erro de avaliação grande quando pouco se conhecia em relação ao vírus. A utilização de máscaras de pano não era recomendada e depois se verificou que elas ajudariam muito a conter a disseminação do vírus.

"Fizemos na Prefeitura tudo que estava ao nosso alcance para aumentar o isolamento social"

(Bruno Covas, prefeito de São Paulo)

Os principais problemas enfrentados foram em relação à falta de conhecimento sobre o vírus. Na cidade e no estado de São Paulo sempre acompanhamos as decisões do centro de contingência, que aprovou o atual plano de quarentena heterogêneo de flexibilização do estado.

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R7 - Mas houve erro de percurso nas ações da prefeitura?

Bruno Covas - Não, a prefeitura fez tudo o que estava ao seu alcance, algumas medidas surtiram pouco efeito, aquém do necessário e a cidade tem passado uma situação bem melhor do que outras cidades. Nossa premissa sempre foi não deixar ninguém sem atendimento.

R7 - Sobre os transportes públicos na cidade, o senhor acredita que demorou a tomar medidas para que eles não fossem considerados focos de disseminação da covid-19?

Bruno Covas - Desde o início, começamos a reforçar a higienização dentro dos ônibus, tirar motoristas pertencentes a grupos de risco, foi o primeiro local em que exigimos o uso de máscaras para evitar esse tipo de contaminação. Para as pessoas evitarem aglomerações não é somente no transporte público, é dentro do condomínio, em casa, na rua, em qualquer lugar.

A prefeitura tem ampliado a frota à disposição da população, colocado cada vez mais fiscais na rua, mas em nenhum momento demoramos para tomar qualquer tipo de decisão. Estamos com mais de 90% da frota de ônibus circulando na fase 2 com todas as atividades que só vão poder voltar nas fases 3, 4 e 5 ainda proibidas.

Passageiros são obrigados a usar máscaras em ônibus de SP
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R7 - O senhor afirmou que trocaria de secretário de transportes na capital caso Edson Caram não consiga zerar a quantidade de passageiros em pé nos ônibus paulistanos. Este problema será resolvido?

Bruno Covas - Esse problema vem diminuindo ao longo da semana, diariamente temos tido reuniões de avaliação. O problema que restou é na zona leste, num consórcio que está tendo problema de greve, de falta de operação e não a questão da frota como um todo. Temos acompanhado isso e queremos reduzir até sexta-feira. Como a cidade vai permanecer na fase dois, na semana que vem não deve ter outras atividades econômicas voltando. Os shoppings comerciais fazem parte do último setor previsto para funcionar na fase dois. Na semana que vem, não tem nenhuma outra atividade que voltará a funcionar na cidade de São Paulo.

Brasilândia: distrito de SP com maior número de mortes por covid-19
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Em relação às periferias das cidades, algumas regiões concentram elevado número de morte por covid-19 e têm dificuldade em fazer a quarentena. O que faltou para promover uma maior aproximação entre lideranças locais e a administração municipal?

Bruno Covas - Não foi por falta de relação entre a Prefeitura e lideranças dessas regiões, porque não se sabe quem elas lideram ou representam efetivamente, nesse período. O vírus escancarou a distorção social que temos em São Paulo. O vírus demonstrou um problema grave que temos na cidade de São Paulo que é o habitacional. A nossa expectativa é entregar 25 mil unidades habitacionais em quatro anos e isso é recorde na história de São Paulo e mesmo assim é muito abaixo da fila de 300 mil pessoas na Cohab.

"O vírus escancarou esse problema%3A grande parte da população de periferia é dependente do SUS para ter acesso à saúde pública."

(Bruno Covas, prefeito de São Paulo)

O vírus escancarou esse problema que grande parte da população de periferia é dependente do SUS para ter acesso à saúde pública, enquanto quem mora no centro da cidade tem acesso a convênio particular e pode se internar em qualquer um dos hospitais privados que concentram 4 mil leitos de UTI.

Um vírus que ataca mais pessoas com comorbidade prévia, ele acaba sendo muito mais letal na periferia, onde se tem problema de segurança alimentar, doenças prévias não tratadas. Todas as ações que a Prefeitura desenvolveu foram voltadas à periferia. Quando se fala em ampliação de leitos no SUS, são leitos que a periferia mesmo utiliza. Chegamos a 350 mil cestas básicas distribuídas nas comunidades, 200 pias foram instaladas em comunidades que não tem acesso a água encanada. Ainda assim, o vírus é dez vezes mais letal na periferia do que no centro.

"Dos oito hospitais, seis devem ficar depois da pandemia", disse Covas
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R7 - O R7 recebeu denúncias sobre médicos contratados para trabalhar no hospital de campanha do Anhembi, em São Paulo, dividindo camas, dormindo em sofás e até no chão. Isso chegou ao conhecimento da Prefeitura? O que o senhor pretende fazer para solucionar o problema?

Bruno Covas - Temos as camas nas áreas de conforto e o próprio hotel ao lado do hospital de campanha que foi disponibilizado para que os funcionários pudessem descansar. Muito estranho que isso aconteça, já mandamos abrir uma apuração para verificar isso, não tem sentido haver uma quantidade imensa de vagas e de leitos em um hotel ao lado e ter pessoas dividindo cama para descansar. É inaceitável. Estamos pagando pelo atendimento e esperamos um bom atendimento.

"Se for aberto de qualquer forma (o comércio) não é a Prefeitura que será prejudicada%2C todo mundo vai ser prejudicado."

(Bruno Covas, prefeito de São Paulo)

R7 - O senhor considera que a fiscalização é um grande desafio nas próximas fases do Plano São Paulo? As forças de segurança estão preparadas para atuar caso seja necessário intervir para fechar estabelecimentos?

Bruno Covas - Da prefeitura temos a GCM e os dois mil fiscais das subprefeituras. A expectativa é que o próprio setor ajude nessa fiscalização, se for aberto de qualquer forma não é a Prefeitura que será prejudicada, todo mundo vai ser prejudicado. Se os índices piorarem, a cidade vai retroceder à fase um e a gente teria que voltar a fechar comércio e shopping. A expectativa é que o setor possa ser parceiro nessa fiscalização com boas práticas não só em relação ao horário de funcionamento, mas às demais regras. Se o setor não colaborar, muito provavelmente terá que voltar à fase um.

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R7 - O senhor disse que a cidade está preparada para dar um passo para trás. Mas o comércio e os shoppings centers estarão preparados para recuar?

Bruno Covas - É a regra do jogo, o plano de reabertura de São Paulo prevê isso. As cidades que vão melhorando seus índices vão no sentido flexibilização. As regiões que tiverem deterioração nas UTIs ou em relação à disseminação da doença voltam algumas fases. Foi o que aconteceu hoje em Presidente Prudente e Ribeirão Preto. Não se trata da boa vontade da prefeitura. A regra é essa, só vamos reabrir dessa forma que foi a aprovada pelo centro de contingência.

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R7 - Como a pandemia vai afetar o caixa da Prefeitura?

Bruno Covas - A expectativa da prefeitura é de uma perda de arrecadação de R$ 9 bilhões por conta de ações tomadas, como o superávit que tivemos no final do ano passado, a utilização de fundos municipais, a prorrogação do pagamento da dívida com a União, o benefício aprovado pelo Congresso, a ajuda do governo do estado e do federal. Hoje trabalhamos com uma pressão orçamentária de R$ 1,2 bilhão. Nossa expectativa é resolver isso dentro do orçamento, sem parar nenhuma obra. A cidade passou por esse período sem parar nenhuma obra, ninguém foi demitido e os contratos terceirizados, mantidos.

R7 - Quais erros o senhor aponta na gestão do governo federal que o atrapalharam na condução da crise em São Paulo?

Bruno Covas - O principal problema é discurso do governo federal de tratar como uma gripezinha e querer partidarizar e politizar quando o vírus não é de esquerda nem de direita. Não posso reclamar das relações com o Ministério da Saúde, foram mais de R$ 500 milhões repassados à prefeitura de São Paulo, seja em emendas ou complementação em verba para o SUS. Mas o discurso cria uma confusão em relação a se proteger ou não do vírus. Vários projetos na Câmara foram aprovados por unanimidade. É o grande problema que fica da gestão do governo federal: não se trata de fazer uma questão partidária em cima de uma pandemia.

"O que fica de exemplo em todos esses embates é tratar tudo com transparência%2C não esconder nenhuma informação da população."

(Bruno Covas, prefeito de São Paulo)

R7 - Há algum plano, ainda que em desenvolvimento, sobre um possível protocolo de vacinação para covid-19 na cidade?

Bruno Covas - São Paulo a todo momento faz campanhas de vacinação. Todas as ações desenvolvidas pelo governo federal ou estadual são implementadas pelos municípios. Estamos com excelentes índices na vacinação da gripe: pela primeira vez, passamos de 100% no público alvo desde quando começamos. Não é de agora que somos o braço operacional de qualquer ação de vacinação, são as UBS, os agentes comunitários, então qualquer ação de vacinação para coronavírus será sempre operada pela Prefeitura.

R7 - Desde quando assumiu a Prefeitura de São Paulo, o senhor enfrentou problemas como o desabamento do prédio no largo do Paissandu, de estruturas de viadutos, paralisação de caminhoneiros e a própria pandemia. Qual legado que o senhor acredita deixar para a cidade?

Bruno Covas - O que fica de exemplo em todos esses embates é tratar tudo com transparência, não esconder nenhuma informação da população. Não deixar nenhuma informação para depois nesse momento de crise. Não é acertar ou errar, mas as pessoas têm o direto de saber o que está acontecendo.

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Em nenhum momento ficamos discutindo se a greve dos caminhoneiros ou a ponte que caiu era do estado, do município ou da União, se o vírus é de esquerda ou de direita. Se acontece na cidade de São Paulo, a prefeitura tem que se envolver, não adianta virar as costas para o problema. Todos esses problemas trazem essa questão da transferência e de não fugir à responsabilidade.

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