Primeiro ano de gestão da ViaMobilidade é marcado por falhas, descarrilamentos e lentidão
Ministério Público vai pedir indenização à empresa e quer a rescisão do contrato. Veja algumas das principais falhas
São Paulo|Letícia Dauer, do R7
Descarrilamentos de vagões, falhas em equipamento, velocidade reduzida, falta de funcionários e limpeza precária. Esses foram alguns dos problemas enfrentados pelos 705 mil passageiros que circulam diariamente pelas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda ao longo do último ano.
Nesta sexta-feira (27), a ViaMobilidade completa um ano de gestão das linhas, que anteriormente eram administradas pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). “A empresa não tem a menor condição de continuar operando”, afirma de forma categórica o promotor de Justiça Silvio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.
Para o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), a falta de investimento humano e estrutural, prevista no contrato com o governo estadual, é o principal problema. Uma investigação do órgão apontou que as sucessivas falhas nas linhas administradas pela ViaMobilidade podem levar à ocorrência de graves acidentes, incluindo descarrilamento com lesões e mortes de pessoas.
No curso da investigação, funcionários e passageiros relataram ao MP-SP a situação precária e falta de manutenção nas chaves de transposição AMV (Aparelho de Mudança de Via), nos pantógrafos - dispositivos que alimentam o trem com corrente elétrica -, nos ares-condicionados e nas portas dos trens, entre outros equipamentos.
No ano passado, o Ministério Público propôs à concessionária a assinatura de um TAC (Termos de Ajustamento de Conduta) que prevê a adoção de medidas para que os problemas apontados sejam sanados. Entretanto, a empresa se recusou a firmar o acordo proposto.
Ao R7, o promotor Silvio Marques assegura que não aceitará mais acordos com a ViaMobilidade em razão das provas materiais da falta de investimentos em funcionários e nas composições. Por isso, a rescisão do contrato já foi solicitada ao Governo de São Paulo. Em breve, também será enviado à Justiça um pedido de indenização por danos materiais contra a empresa.
Dados obtidos pelo R7 já mostraram que houve um aumento de 275% no registro de falhas após a ViaMobilidade assumir o serviço. No dia 16, por exemplo, um trem da linha 8 descarrilou perto da estação Lapa, e o problema afetou parcialmente o funcionamento do serviço ao longo de seis horas.
Veja abaixo algumas falhas que trouxeram mais transtornos.
Quando tem falha%2C o céu é o limite
Há mais de três anos, Vitor de Farias Gonçalves utiliza as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda para chegar ao trabalho, vivenciando tanto a gestão da CPTM quanto da ViaMobilidade. A jornada do funcionário do ramo de tecnologia da informação começa às 6h, quando embarca na estação Grajaú, na zona sul da capital.
Para alcançar o destino final, ele ainda precisa fazer baldeação na estação Presidente Altino e seguir até a estação Domingo de Morais, no outro extremo da cidade. "Geralmente eu demoro de 1h a 1h20 no percurso, porém, quando tem falha, o céu é o limite", relata Vitor.
Para ele, a degradação dos trens é generalizada, e pode ser observada na falta de manutenção, além das sucessivas falhas e atrasos. "Muitas vezes os bancos estão sujos, dando nojo de sentar. E quando o ar-condicionado não funciona, principalmente nos dias de calor, as janelas permanecem fechadas", desabafa.
De acordo com Vitor, quando as linhas apresentam atrasos, as plataformas das estações ficam superlotadas. Os trens não comportam tantos passageiros, que são empurrados pelos funcionários para que as portas possam fechar e a viagem prosseguir.
Em março, no início da gestão da ViaMobilidade, o denunciante se recorda de um dia marcante em que demorou mais de quatro horas para retornar para casa. Na ocasião, o trem ficou sem energia na estação Jurubatuba, e todos foram obrigados a desembarcar. As outras composições demoravam muito para chegar à plataforma e não conseguiam absorver todos os usuários.
No meio do tumulto, Vitor embarcou em um trem na tentativa de voltar para casa e acompanhou a revolta dos usuários motivada pela demora, pela lotação e pelo ar-condicionado desligado. Os passageiros, no dia, chegaram a socar as janelas e portas, além de quebrar o dispositivo de emergência, após uma mulher passar mal com o calor. Por fim, todos desceram do vagão e caminharam pelos trilhos até a próxima estação, segundo o relato do denunciante.
Frustrado e cansado com os transtornos diários no transporte, Vitor criou um perfil no Instagram e no Twitter, onde recebe e compartilha relatos de vários passageiros das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. Ele, inclusisve, prestou depoimento ao Ministério Público, auxiliando nas investigações.
Funcionários
Para José Claudinei Messias, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, um dos maiores problemas na gestão da ViaMobilidada é a deficiência na qualificação dos funcionários.
"Eles não têm culpa pela falta de gestão e treinamento. Houve uma negligência muito grande na contratação de novos funcionários. O trabalhador acaba sendo penalizado pelos acidente e falhas, e a empresa não se responsabiliza", critica o presidente do sindicato.
Em depoimento ao Ministério Público, um ex-funcionário que prefere não ser identificado contou que os serviços de manutenção não são realizados com regularidade nos trens, mas apenas quando ocorrem problemas.
De acordo com o ex-funcionário, que trabalhou como operador de trens da ViaMobilidade entre junho de 2018 e outubro de 2022, muitos empregados do setor de manutenção não tinham experiência para resolver todas as falhas nas composições, pois foram treinados por pouco tempo por funcionários da CPTM.
O próprio denunciante e outros maquinistas eram obrigados a auxiliar no reparo de trens das linhas 8 e 9, quando ocorria alguma quebra ou falha.
Em relação ao funcionamento dos aparelhos de ar-condicionado dos trens, o denunciante apontou que eles funcionam "de forma deficiente". A temperatura dentro dos vagões varia entre 32°C e 37°C. Entretanto, se os aparelhos estivessem funcionando corretamente, os termômetros registrariam entre 17°C e 22°C.
Outro lado
Até o momento, o governo estadual não informou se pretende rescindir o contrato com a ViaMobilidade. Nesta segunda-feira (23), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) se reuniou com representantes da concessionária para cobrar a modernização dos serviços, a melhoria no atendimento e a acessibilidade das linhas.
Questionada sobre os investimentos, a ViaMobilidade afirmou que "em um contrato de concessão de 30 anos, já investiu mais de R$ 1 bilhão somente no primeiro ano, na revisão geral de trens, em ação corretiva nos trilhos, inspeção da rede aérea e reforma de estações, além de R$ 950 milhões pagos em outorga".
"Os investimentos iniciais já permitem consistentes melhoras dos indicadores internos: as reclamações e as falhas operacionais nas linhas 8 e 9 tiveram redução mês a mês e, em dezembro, houve redução de 78% nas reclamações e 76% nas falhas na comparação com março de 2022", ainda informou a empresa.