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Projetos sociais e doações ajudam Heliópolis (SP) a enfrentar pandemia

Maior favela de SP tem 220 mil moradores e, segundo a UNAS, 20% da população está desempregada e outros 40% vivem da economia informal 

São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7

Projetos sociais e doações ajudam moradores de Heliópolis (SP) na pandemia
Projetos sociais e doações ajudam moradores de Heliópolis (SP) na pandemia

Heliópolis é a maior favela de São Paulo e tem cerca de 220 mil moradores, o equivalente à população de Presidente Prudente, no interior do estado. Segundo a UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região),a pandemia do novo coronavírus afetou ainda mais a renda na comunidade. "A partir de março, pareceu um furacão. Aqui 20% dos moradores estão desempregados e outros 40% vivem da economia informal. Como ficar em casa sem renda?", afirmou Antônia Cleide Alves, presidente da entidade.

Os moradores passaram a contar com a ajuda humanitária. Doações chegam constantemente e projetos sociais auxiliam na entrega de cestas básicas, máscaras e produtos de higiene e limpeza às famílias mais carentes.

Jucilei Aparecida Costa Cordeiro tem 38 anos, é vendedora e, sozinha, é a responsável pela criação dos três filhos, de 12, 7 e 5 anos. Ela está afastada do trabalho por problemas de saúde e, com a pandemia, não consegue fazer a perícia no INSS exigida pela empresa. "Tô em casa com as crianças, sem trabalhar, sem salário, e não consegui pegar o auxílio emergencial do governo porque tá sempre em análise. Tô totalmente sem recurso", contou.

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Além de vendedora, ela fazia unha, cabelo e depilação na comunidade, mas está sem clientes. Depois de conseguir uma máquina de costura, tem feito máscaras de pano por encomenda e sobrevive com doações. "O que tem me ajudado são as cestas básicas da escola, do Baccarelli e da igreja. Se não fosse isso, talvez não teria o que comer e a situação estaria ainda mais grave. Não tenho dinheiro para o aluguel. Estaria desesperada se não fosse a minha fé", disse Jucilei.

Edileuza Bispo da Silva, de 41 anos, tem enfrentado essa difícil fase com doações. Ela mora com a irmã e os dois sobrinhos e todos estão em casa. "Tô fazendo o que dá. Ou come ou paga aluguel. Minha mãe conseguiu o auxílio e pagou pra gente. A UNAS deu cesta básica, produtos de higiene. Isso é importante".


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A dona de casa pediu mais doações à comunidade: "Muita gente precisa. Do mesmo jeito que me ajudou, pode mandar mais, em especial alimentos e itens de higiene".


"O que me ajuda são as cestas básicas. Se não fosse isso%2C talvez não teria o que comer e a situação estaria mais grave"

(Jucilei Cordeiro, mãe de três filhos )

Dez mil cestas básicas já foram entregues aos moradores da comunidade
Dez mil cestas básicas já foram entregues aos moradores da comunidade

Ajuda humanitária e conscientização

Com a ajuda de parceiros e da sociedade civil, a UNAS já distribuiu 10 mil cestas básicas em Heliópolis. São oito pontos de distribuição e 250 voluntários na entrega. A associação também entregou 15 mil máscaras. Mas a presidente da entidade, Cleide Alves, afirma que a assistência precisa ter continuidade: "Precisamos de doações. A cesta básica dura 20 dias. A gente acompanha a situação pelas famílias. Achamos que a pandemia ia até maio, mas agora vai se estender para junho".

De acordo com o monitoramento da UNAS, até a primeira semana de abril, não havia casos de covid-19 na comunidade, mas agora no distrito do Sacomã, que compreende a favela, já são 92 óbitos confirmados ou suspeitos pela doença, segundo o boletim da prefeitura.

"Tô parada e fazendo o que dá. Sem renda%2C ou come ou paga aluguel"

(Edileuza Bispo, moradora)

Uma das dificuldades é manter o isolamento social. "A maioria das casas tem dois cômodos, muitos moram em vielas, não dá pra se isolar assim. Os jovens são o público mais difícil de atingir, então o foco é na redução de danos", alertou Cleide.

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Médico fala aos moradores sobre riscos do coronavírus
Médico fala aos moradores sobre riscos do coronavírus

A primeira ação da UNAS foi "matar a fome", mas outras campanhas são feitas na comunidade. Cartazes, faixas e até carro de som avisam sobre os perigos do novo coronavírus. Uma parceria com postos de saúde foi realizada para conscientização.

Os bailes funk continuam e as aglomerações ocorrem mesmo durante a quarentena. A tentativa é de que, pelo menos, se evite compartilhar copos e o narguile para barrar a propagação do vírus.

Ações do Instituto Baccarelli

O Instituto Baccarelli ensina música a 1.300 crianças e jovens de Heliópolis como forma de inclusão social e desenvolvimento. A instituição nasceu após um incêndio na favela e agora tem um novo desafio: o enfrentamento da pandemia.

Edilson Ventureli é o diretor executivo do Baccarelli e revela que nunca tinha trabalhado em plataforma online com os alunos. As aulas sempre foram presenciais. Mas a nova realidade modificou também a estrutura do instituto.

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"Estamos usando a estrutura física e humana para ajudar as famílias de alunos. Foram distribuídas 3.500 cestas básicas, além do cartão-alimentação de R$ 120 por mês para que eles possam decidir os itens necessários àquela família. O cartão pode ser usado no mercadinho e estimular o comércio local", enfatizou Edilson.

A sede do instituto foi transformada em uma espécie de entreposto para distribuição de itens como alimentos e produtos de higiene, e é usada como base para aCUFA (Central Única das Favelas), uma vez que as carretas não conseguem passar pelas estreitas vielas.

"A maioria das casas tem dois cômodos%2C muitos moram em vielas%2C não dá para fazer isolamento assim"

(Cleide Alves, presidente da UNAS)

Os três filhos de Jucilei Cordeiro estudam no Baccarelli. Os menores estão na fase de musicalização e o adolescente já toca violoncelo. Quando ela saía para trabalhar, ficava tranquila porque sabia que as crianças iam da escola para o instituto. Sem aulas, ela teme ter de voltar ao trabalho sem ter onde deixar os filhos. "No Baccarelli, eles são rígidos, tem disciplina, não podem faltar. Já me deram duas cestas e um cartão-alimentação. Vou usar com sabedoria porque não sei até onde isso vai", revelou.

Instituto Baccarelli entrega cestas básicas e cartão
Instituto Baccarelli entrega cestas básicas e cartão

Para não perder o ritmo de aprendizado, os alunos têm atividades online, como vídeos no YouTube para as crianças e palestras e encontros virtuais para os maiores, além das masterclasses com músicos internacionais renomados, que não cobram pelas aulas. "São várias pessoas de fora do país conectadas. Um projeto de uma favela que está levando conteúdo para além do Brasil", afirmou o diretor do Baccarelli.

Outra possibilidade é que os alunos ganhem bolsas de estudo ao se apresentarem aos profissionais de grandes conservatórios. Uma estudante do projeto já recebeu um convite.

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Mas há um entrave aos encontros virtuais: a qualidade do sinal da internet. A maioria dos alunos usa o pacote de dados do celular e poucos têm computador em casa. Alguns ficam de fora das aulas.

"Não achamos uma solução ainda, mas ela deve vir do governo, por meio de acordos com as operadoras de celular para disponibilizar internet gratuita e de qualidade. O sinal hoje é ruim e há uma grande densidade de pessoas usando", cobrou Edilson.

A musicista Nicoli Correia Martins, de 30 anos, é professora de música e moradora de Heliópolis. Ela conta que é mesmo um desafio contar profissionalmente com a internet: "Bem na hora das aulas, começa a travar. Então o aluno grava um vídeo com a atividade, me envia pelo celular e eu respondo também em vídeo. A distância é complicada e é difícil manter a motivação. Tem que ter foco ou objetivo para a criança".

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Ela foi aluna do Baccarelli, fez parte do coral, entrou para a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, se formou em música e hoje dá aulas no instituto e em uma escola de Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. Como vários brasileiros, teve redução de renda com a pandemia. "Eu consegui ajuda do governo porque sou MEI (Microempreendedor Individual), mas tive corte no salário. Muita gente perdeu renda e como que faz?", ressaltou.

"Você entregar uma cesta e a pessoa te agradecer. Vale a pena acordar e enfrentar o risco de contaminação"

(Edilson Ventureli, diretor do Baccarelli)

Apesar do aumento do número de casos de covid-19 e mortes na cidade, Nicoli conta que pouca coisa mudou na rotina dos moradores da comunidade: "Agora que tô vendo mais gente com máscara, mas as ruas tão cheias, fazem churrasco. O comércio tá todo aberto, só alguns fazem controle de acesso, apesar das faixas e campanhas".

A moradora lembra que muitos acreditam que a doença "não pega em pobre", mas a emergência do hospital de Heliópolis estava lotada. Nicoli teme que apareçam muitos casos ao mesmo tempo, uma vez que as pessoas vivem juntas na comunidade.

Há ainda outras preocupações com o isolamento social: o aumento de casos de violência doméstica e de abuso sexual dentro das casas.

Além de entrega de máscaras, moradores são orientados sobre a pandemia
Além de entrega de máscaras, moradores são orientados sobre a pandemia

Hospital de campanha

Heliópolis terá um hospital de campanha para atender pacientes com covid-19. A unidade, que vai funcionar no AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Luiz Roberto Barradas Barata, está em obras e deve ser inaugurada na quarta-feira (20), segundo o secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann.

Serão 200 leitos, sendo 148 de enfermaria, 28 de estabilização e 24 de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). O investimento é de R$ 30 milhões, divididos em seis meses, e R$ 95 mil em custeio. Este será o quarto hospital de campanha da capital.

Doações

As doações podem ser entregues na sede da UNAS, que fica na rua da Mina Central, 38, das 10h às 16h, ou ainda no Instituto Baccarelli, localizado na Estradas das Lágrimas, 2317.

Doações para crianças e famílias
Doações para crianças e famílias

Quem preferir doar em dinheiro para UNAS, é possível: Caixa Econômica Federal, agência 3124, conta 376-7 e CNPJ: 38.883.732/0001-40.

O valor será revertido em cestas básicas ou em crédito no cartão-alimentação oferecido às famílias de alunos do instituto.

Para Edilson Ventureli, a ajuda humanitária é enriquecedora: "É um privilégio estar nessa frente. Você entregar uma cesta e a pessoa te agradecer. Vale a pena acordar e enfrentar o risco de contaminação".

A mesma sensação é compartilhada por Cleide Alves: "Tamos travando essa batalha. Dá medo, mas não é um medo que nos paralisa, e sim que nos move para buscarmos saídas".

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