Diabetes é responsável por mais de 28 amputações por dia no Brasil
Especialistas fazem o alerta no Dia Mundial do Diabetes
Saúde|Da Agência Brasil
O SUS (Sistema Único de Saúde) registrou, entre janeiro e agosto deste ano, 6.982 amputações de membros inferiores (pernas e pés) causadas por diabetes, o que equivale à média de mais de 28 ocorrências por dia.
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A quantidade de casos vem crescendo ano a ano, conforme mostram os dados do Ministério da Saúde. O número de amputações em 2022 (10.168) foi 3,9% superior ao total de 2021 (9.781), o que representou média de 27,85 cirurgias por dia, no ano passado, em unidades públicas.
De acordo com a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), a doença já figura como a principal causa de amputação não traumática em membros inferiores no país. As amputações traumáticas são as que ocorrem, por exemplo, em acidentes de trânsito ou de trabalho.
“Hoje, nós temos um número grande de amputações sem ser por acidente. E a principal causa é justamente o diabetes, além do cigarro. Então, a gente tem que combater esses males”, reforça o presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, Levimar Araújo, portador de diabetes tipo 1.
A SBD informa também que 13 milhões de pessoas com diabetes têm úlceras nos pés, os chamados pés diabéticos, que podem resultar nessas amputações.
Preocupada com o cenário, a ABTPé (Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé) alerta para essa complicação, que pode atingir pacientes com diabetes melito tanto do tipo 1 como do 2. O presidente da ABTPé, Luiz Carlos Ribeiro Lara, dimensiona a situação: “Entre todas as suas complicações, o pé diabético é considerado um problema grave e com consequências, muitas vezes, devastadoras, em razão das úlceras, que podem implicar em amputação de dedos, pés ou pernas”.
O alerta sobre as complicações que afetam as pessoas com a doença ocorre no Dia Mundial do Diabetes, celebrado neste 14 de novembro. Em 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) escolheu como tema da campanha: "Educação para proteger o futuro". O objetivo é destacar a necessidade de melhorar o acesso à educação de qualidade sobre o diabetes de profissionais de saúde e pessoas com a doença.
Pé diabético
A neuropatia periférica provocada pelo diabetes causa a perda das funções dos nervos do pé. Com isso, ficam prejudicados o tato e a sensibilidade para a dor. Essa redução da sensibilidade relacionada ao diabetes dificulta a percepção do paciente em notar lesões ou feridas.
Em entrevista à Agência Brasil, a diretora da ABTPé, a ortopedista e cirurgiã do pé e tornozelo Jordanna Maria Pereira Bergamasco, relaciona a sensibilidade dos pés com um fator de proteção à pessoa com diabetes.
“Esse pé não tem a sensibilidade protetora, então, sem que se perceba, ocorrem feridas, e elas infeccionam. O paciente não consegue resolver, e essas feridas acabam em amputações menores ou maiores, ou seja, desde uma pontinha de dedo até uma perna. Tudo por causa das feridas. E o número de ocorrências é grande.”
Jordanna confirma também ser inevitável que, em até dez anos após o desenvolvimento do diabetes, comecem a surgir os sintomas da neuropatia periférica, mesmo com a doença controlada. Ou seja, esses pacientes vão ter algum grau de neuropatia. Segundo ela, porém, a saída é o controle da glicose no sangue, que pode adiar as alterações neurológicas, principalmente dos membros inferiores, e, consequentemente, evitar mutilações.
“A doença leva à neuropatia, a gente não consegue evitar. O único jeito de conseguir postergar isso é com controle glicêmico. E, para evitar as amputações, é com cuidados”, conta a endócrino.
Na família
Professora de uma escola pública do ensino fundamental do Distrito Federal, Amanda Pereira conhece bem várias das rotinas de prevenção às complicações do diabetes. Em dezembro de 2021, ela perdeu a mãe, Marilena Pereira, de 64 anos, devido a uma infecção generalizada que começou com uma ferida no pé e chegou a atingir o osso.
Amanda contou à Agência Brasil que a mãe ficou diabética em 2007, aos 40 anos, e se revoltou com as restrições na alimentação impostas pela doença. Marilena continuou a fazer uso de bebidas alcoólicas, cigarros e refrigerantes. Continuou a ingerir doces desregradamente e se recusou a praticar atividades físicas.
Até que, em 2015, a doença não perdoou as extravagâncias de Marilena, que perdeu a visão do lado esquerdo e parte da do lado direito. A consequência contribuiu para que a mãe de Amanda desenvolvesse depressão e não quisesse mais ir às consultas médicas.
Em 2019, após fraturar o fêmur, em uma queda no banheiro, Marilena ainda perdeu a autonomia para se deslocar e, na sequência, teve uma trombose. “Tenho a impressão de que minha mãe envelheceu 30 anos em seis. Ela desistiu de viver”, lamentou Amanda.
Apesar dos cuidados dos familiares, o simples atrito dos pés da mãe no lençol da cama rendeu a Marilena a ferida derradeira no pé, que não cicatrizou e a levou a óbito. Hoje, aos 44 anos, Amanda voltou a sentir os assombros das consequências do diabetes: ela convive com o sogro e um aluno acometidos da doença. O sogro já está, gradativamente, perdendo a visão.
As experiências negativas, no entanto, também lhe ensinaram sobre a doença. “O importante do diabetes é estar se cuidando, porque, com o tempo, vai consumindo o organismo da pessoa. A doença é silenciosa. Ela não avisa. Quando chega, já vem estragando tudo. Mas, se a pessoa vai cuidando, é mais difícil acontecer algo, principalmente se ela é acompanhada por médicos, se tem uma alimentação saudável e se pratica uma atividade física regular. O diabetes, para mim, é uma doença terrível”, conclui a professora.
Cuidados
Jordanna explica que os pés de pessoas com diabetes exigem cuidados especiais:
• exame visual periódico dos pés, pela própria pessoa, por um familiar ou profissional de saúde;
• vestir meias brancas ou de cor clara, principalmente de algodão, para observar possíveis manchas de sangue no tecido;
• em situações de baixa mobilidade ou sobrepeso, usar um espelho para verificar a sola dos pés;
• evitar calçados apertados, duros, de plástico, de couro sintético, com bicos finos ou salto alto e sandálias que deixem os pés desprotegidos;
• escolher sapatos confortáveis;
• não usar calçados novos por mais de uma hora por dia, até que estejam macios;
• evitar andar descalço, para não se machucar em batidas e topadas;
• cortar as unhas dos pés com um profissional e não retirar calos nem cutículas;
• manter os pés sempre aquecidos;
• verificar a temperatura da água com o cotovelo antes de colocar os pés nela;
• não usar bolsas de água quente;
• hidratar os pés, para evitar rachaduras que possam servir de acesso a infecções oportunistas;
• enxugar a umidade entre os dedos, para evitar frieiras;
• não andar descalço no chão quente, para evitar queimaduras; e
• em caso de lesões, procurar um médico.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou à Agência Brasil que desenvolve estratégias para promover a saúde e prevenir as condições crônicas que decorrem do diabetes. Entre as ações listadas estão o acompanhamento nutricional e alimentar e o estímulo à adoção de hábitos saudáveis, além dos guias alimentares para a população brasileira.
"A pasta também credenciou novos polos da Academia da Saúde, espaços próprios para a prática de atividade física, essencial para um estilo de vida mais saudável.”
O ministério informou ainda que, em 2023, investiu mais de R$ 870 milhões no custeio de equipes multiprofissionais, compostas de especialistas de diversas áreas da saúde, entre elas nutrição e educação física, para atuar na Atenção Primária à Saúde, considerada a porta de entrada da saúde pública no Brasil.
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