Dose de reforço é comum na vacinação; entenda em quais casos, além da Covid-19, ela é necessária
Diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações explica que reforço vacinal é prática comum e depende de uma série de fatores
Saúde|Hysa Conrado, do R7
Desde que a vacinação contra a Covid-19 se tornou uma realidade no combate à pandemia, a discussão sobre a necessidade de doses de reforço tem levantado dúvidas acerca da eficácia dos imunizantes ou da real proteção que eles oferecem.
Ao R7, Flávia Bravo, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), explica que doses de reforço e mudanças nos esquemas vacinais são comuns, sobretudo para vacinas que estão sendo utilizadas pela primeira vez, como no caso das que protegem contra a doença causada pelo coronavírus.
“Essa revisão da recomendação de esquema vacinal e da introdução de dose de reforço não é nenhuma novidade e é uma responsabilidade das autoridades de saúde. As informações sobre duração e comportamento da proteção nos diversos grupos, assim como com outras vacinas, são coisas que se veem com o tempo. Estamos falando de uma doença nova, não da catapora, da qual existem relatos desde o Egito antigo”, afirma a especialista.
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Ela destaca que, apesar de as vacinas anti-Covid serem novas, as tecnologias usadas para desenvolvê-las já eram utilizadas e são conhecidas pela ciência. Além disso, os imunizantes autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde) passaram por todas as fases de estudo necessárias e obrigatórias antes de ser liberados para aplicação.
“Às vezes o argumento [de quem desacredita as vacinas] é que elas foram desenvolvidas muito rápido. Mas, quando se tem um esforço internacional conjunto e muito dinheiro que financie esse esforço gigantesco, é claro que é possível acelerar. Tudo é como uma obra. Se você tem muito [dinheiro] e coloca cem pedreiros para trabalhar, constrói uma casinha em muito menos tempo do que se você está trabalhando com um ou dois pedreiros”, avalia a médica.
Outras vacinas que também precisam de reforço
Ao longo da história da vacinação, não foram raros os casos em que houve acréscimo de doses de reforço ao esquema vacinal para conferir uma imunização prolongada. Flávia Bravo lembra que a vacina que protege contra a catapora, ou varicela, por exemplo, foi inicialmente implementada como de dose única.
“Foi observado [após a aplicação na população] que uma dose poderia impedir a doença grave, mas não impedia a doença ainda que leve, então a segunda dose foi introduzida. Em situação de surto, quando as pessoas que convivem com a que está com catapora se vacinaram há muito tempo, também há que considerar uma outra dose para dar uma levantada na proteção, porque é uma doença muito infecciosa”, explica.
Outro exemplo de alteração do esquema vacinal é o da vacina que protege contra a hepatite C, que foi implementada como um imunizante que precisaria de reforços após dez anos, mas depois, com os resultados da aplicação na população, foi observado que apenas os pacientes imunodeprimidos precisaram de reforço.
“Porque é uma doença de incubação longa, de 30 a 50 dias, então dá tempo de a pessoa estar cheia de anticorpos antes de acabar o período de incubação, por causa da memória do contato com o vírus. Mas para os imunodeprimidos não apenas é necessário administrar doses dobradas, como também é preciso controlar a sorologia desses pacientes e fazer reforços sempre que cai, porque eles não podem contar com a resposta de memória”, afirma.
Além disso, Flávia ressalta que nem sempre o reforço ocorre para todas as pessoas contempladas pela imunização, mas apenas para alguns grupos em que a resposta imunológica não se mostrou suficiente.
Quando as doses de reforço são necessárias?
A diretora da SBIm explica que o período de aplicação do imunizante pode ser chamado de fase quatro, quando há os dados dos estudos clínicos observados para que a vacina fosse autorizada e então se analisa o comportamento da imunização na vida real.
“Se observamos que a proteção tem um tempo limitado, [a vacinação] vai sendo ajustada pela vigilância epidemiológica. No caso da Covid, o que acontece é que a epidemiologia dessa doença é mais complexa, surgem variantes e não estamos conseguindo controlá-la, então os esquemas precisam ser ajustados [durante o combate à pandemia]”, diz.
A especialista enfatiza que há ao menos cinco situações frequentes e já conhecidas em que doses de reforço podem ser necessárias, o que se estende a qualquer vacina e não só às anti-Covid:
• Quando a doença tem um período curto de incubação: com qualquer vacina, os níveis de anticorpos caem durante um tempo e, no caso das doenças que têm uma incubação curta, a proteção não pode apenas depender da memória imunológica, então o reforço é necessário para manter os níveis de anticorpos altos.
A meningite meningocócica, por exemplo, tem um período de incubação de um a três dias, então a recomendação da SBIm e da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) é que durante a infância e a adolescência o reforço da vacina seja feito a cada cinco anos.
• Quando a duração da proteção oferecida pela vacina cai com o tempo e então o reforço é necessário para que a proteção seja mantida.
• Quando a doença é impossível de controlar: no caso do tétano, por exemplo, não é possível eliminar do ambiente a bactéria que causa a infecção, então é importante que as pessoas estejam constantemente protegidas. A proteção da vacina antitetânica dura dez anos, por isso o reforço é sempre necessário após esse período de tempo.
• Quando o agente infeccioso muda: nesse caso, a especialista cita como exemplo o vírus influenza, que sofreu mutação e recentemente causou um novo surto de gripe no Brasil. No ano passado, a OMS chegou a incluir nas recomendações a necessidade de atualização das vacinas contra influenza ao observar um aumento na circulação da nova cepa.
“É preciso ajustar a vacina de acordo com aqueles tipos de vírus influenza que estão circulando, por isso precisamos de uma vacinação anual. Então a vacina já é desenhada para durar uma estação de gripe, o que barateia seu custo. Se eu precisasse de uma vacina que me desse uma proteção muito longa, ela certamente teria que ter outras características, além de que o vírus pode mudar [e escapar da proteção]”, explica Flávia.
• Quando a vacina não consegue estimular a resposta de memória: a vacina pneumocócica 23 valente, que protege contra infecções causadas por bactérias pneumocócicas, como pneumonia, meningite e otite, por exemplo, é do tipo polissacarídica e não é capaz de estimular essa resposta, então um reforço é necessário após cinco anos da primeira dose, segundo a diretora da SBIm.
A especialista destaca que a desigualdade no acesso às vacinas também pode influenciar na necessidade de doses de reforço, porque abre espaço para o surgimento de variantes mais infecciosas que podem escapar da proteção das vacinas.
“Os países pobres acabam sendo negligenciados nessa distribuição, então, do ponto de vista de controle mundial da doença, é preciso considerar esses países que podem virar viveiros de variantes mais agressivas, ou uma menos agressiva que não vai mais atacar ninguém — mas até lá muita gente vai morrer”, afirma.
Vale dizer que estudos têm mostrado que a variante Ômicron, responsável por causar uma nova onda de Covid-19 no mundo, consegue infectar pessoas vacinadas com mais facilidade. Nesse caso, a cepa se espalhou primeiramente em países da África, onde a cobertura vacinal não chegava a 5% na época.
“Se permitirmos que novas variantes surjam, é muito provável que seja preciso não só pensar em reforços, como modificar as vacinas já existentes”, afirma Flávia. Farmacêuticas como a Pfizer e a Moderna já trabalham para desenvolver uma vacina específica contra essa cepa.
No Brasil, a aplicação da dose de reforço foi implementada no fim de 2021. Outros países, como Grécia, Chile e Israel, já começaram a aplicar a segunda dose de reforço, o que para quem se vacinou no esquema de duas doses configura uma quarta.
O Ministério da Saúde não vai recomendar a aplicação da quarta dose de vacina contra a Covid para a população em geral, pelo menos não por enquanto, segundo apuração do R7. A decisão foi tomada durante reunião da CTAI (Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19) na sexta-feira (11).
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