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“Ficaremos com ponto de interrogação para o resto da vida”, desabafa irmã de jovem suicida

Ato de tirar a vida intencionalmente é mais frequente entre homens, diz especialista

Saúde|Fabiana Grillo, do R7

Vecianne Dantas, 41 anos, de João Pessoa, Paraíba, revela como lidou com suicídio de familiares mais de uma vez
Vecianne Dantas, 41 anos, de João Pessoa, Paraíba, revela como lidou com suicídio de familiares mais de uma vez

Suicídio ainda é um assunto cercado de tabus, negligenciado por muitas famílias e recebe pouca atenção das autoridades. Relatório divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) nesta semana revelou que o Brasil é o quarto país latino-americano com o maior crescimento no número de suicídios entre 2000 e 2012, perdendo para Guatemala (20,6%), México (16,6%) e Chile (14,3%).

O ato de tirar a vida intencionalmente é mais frequente entre o público masculino, embora o número de mulheres que se suicidaram cresceu mais (17,8%) do que o de homens (8,2%) no período de 12 anos, de acordo com a OMS.

A vendedora Vecianne Dantas, 41 anos, de João Pessoa, Paraíba, precisou lidar com essa perda trágica por mais de uma vez. Há 23 anos, seu irmão Vécio Dantas, na época com 19 anos, cometeu suicídio.

— Até hoje nos questionamos se poderíamos ter evitado o suicídio e não sabemos o motivo que o levou a fazer isso. Sei que minha mãe fez o possível e o impossível por ele, mas não conseguiu superar a perda. Acho que ficaremos com esse ponto de interrogação na cabeça para o resto da vida.


Tristeza com pensamentos negativos pode ser sinal de depressão

Na avaliação de Vecianne, o irmão era “uma pessoa revoltada e com dificuldade de aceitar mudanças”.


— Ele nunca aceitou a separação dos meus pais, muitas vezes se isolava, abandonava os estudos e chegou até a ser violento. Minha mãe o levou em psicólogos, mas nunca foi diagnosticada nenhuma doença.

De acordo com a vendedora, a gota d´agua foi quando Vécio atropelou sem querer uma criança de dez anos. Além disso, ele teve que lidar com a morte de um empresário amigo da família, que embora não se tenha certeza, “tudo indica que tenha se suicidado por problemas financeiros”.


— A família da criança do acidente pressionava muito a gente por causa de dinheiro e isso mexeu muito com a cabeça dele. Ele se desdobrava com a minha mãe para oferecer a melhor assistência, mas a culpa talvez o atormentava. Além disso, acredito que a morte do nosso amigo “encorajou ou serviu de exemplo” para meu irmão de alguma forma a também se matar. Na época, se falou muito no assunto na cidade que morávamos.

Genética, personalidade e trauma podem levar à depressão, alerta especialista

Vecianne diz que este não foi o único caso da família, “pelo menos outros três primos também se suicidaram”. Há um ano, a vendedora passou pelo mesmo problema com a mãe de uma amiga da única filha.

— Ela passou por um período de depressão profunda, tratou e quando achamos que ela estava curada veio a notícia do suicídio. Como acompanhei o processo de perto, revivi tudo de novo. 

Fatores que influenciam o suicídio

Segundo o psiquiatra e psicoterapeuta Rodrigo Leite, coordenador dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria do HC (Hospital das Clínicas), o suicídio é um fenômeno complexo que envolve não só a existência de um transtorno mental, mas principalmente problemas sociais, afetivos, financeiros, profissionais, familiares e até espirituais.

— Grupos que os laços comunitários são mais coesos tendem a ter menor ocorrência de suicídio. As pessoas tendem a se apoiar mais nos momentos de crise ou dificuldade e buscar soluções em conjunto. Isso aumenta a sensação de amparo social e os sentimentos de confiança e segurança, exercendo efeito protetor em relação ao suicídio.

Por outro lado, acrescenta o médico, "comunidades que sofreram desagregação cultural como as indígenas brasileiras têm maior incidência de suicídio". 

— Temos exemplos trágicos nas comunidades do Mato Grosso do Sul e Amazonas.

O médico também reforça que as pessoas que cometem suicídio normalmente estão passando por situações estressantes de vida como ruptura amorosa, desemprego, luto, violência, traumas, falência, migração, doença grave, entre outros. Além disso, estudos revelam que estas pessoas tendem a ter passado por situações de vida estressantes precocemente ao longo da vida, como violência doméstica e negligência familiar.

— Quando o suicídio está associado a um transtorno mental, 60% é depressão e 20% dependência de álcool e drogas. Outros fatores que facilitam é o fato de vivermos em um País violento em que as pessoas têm acesso facilitado a meios letais, como armas de fogo e o aumento do consumo de álcool e drogas. O uso de substâncias desinibe o comportamento e aumenta o risco de comportamentos agressivos contra os outros e contra si mesmo.

Genética não é determinante

Para o médico, a questão da genética não é determinante para na mesma família ter vários casos de suicídio.

— Não podemos fazer uma relação direta entre genética e suicídio. Essa associação percorre o seguinte raciocínio: existe um componente genético para os transtornos de humor — depressão e transtorno bipolar. Estes transtornos, se não tratados, aumentam o risco de suicídio. Por isso, o estigma e o preconceito contra os transtornos mentais acaba por impedir as pessoas portadoras de transtornos mentais de buscar tratamento adequado e com isso expõe a complicações como o suicídio. 

O psiquiatra acrescenta que “casamento, filhos e espiritualidade são fatores protetores” para suicídio. Ele também lembra que o suporte social é outra forma de prevenção.

Segundo ele, a maioria das tentativas de suicídio não resulta em morte e “embora as mulheres tentem mais, são os homens que morrem por serem mais agressivos e recorreram a armas de fogo, enforcamento e envenenamento”.

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