Logo R7.com
Logo do PlayPlus

Método detecta substância cancerígena na água

Tecnologia desenvolvida por pesquisadores da Unicamp encontrou compostos químicos que podem representar danos à saúde

Saúde|Luciana Constantino, da Agência Fapesp

Análise encontrou nitrosaminas em mais de 70% das amostras coletadas
Análise encontrou nitrosaminas em mais de 70% das amostras coletadas

A N-nitrosodimetilamina, uma das nitrosaminas conhecidas por aumentar o risco de câncer, foi incluída em maio deste ano na lista de subprodutos de desinfecção formados durante o processo de tratamento de água que devem ser monitorados por representar danos à saúde.

Estudo feito por pesquisadores do LQA-IQ-Unicamp (Laboratório de Química Ambiental do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas) é um dos primeiros a criar um método para esse monitoramento no Brasil.

Em artigo publicado na revista científica Environmental Science and Pollution Research, o grupo mostra a eficácia dessa ferramenta desenvolvida e validada, de acordo com as especificações do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), para detectar sete nitrosaminas em níveis de concentração traço (nanograma por litro) em água tratada para abastecimento público.

O trabalho contou com o apoio da Fapesp em dois projetos de pesquisa - um sobre contaminantes aquáticos e outro sobre o uso de líquidos iônicos em processos fermentativso – e do INCTAA (Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas).


O método foi usado para analisar 18 amostras de água coletadas em maio de 2019 em sistemas de 13 cidades da Região Metropolitana de Campinas. O resultado: a NDMA foi a mais frequentemente detectada (em 89% das amostras) e teve o maior nível de concentração (67 ng L−1). Além dela, foram identificadas NMEA, NPYR, NDEA, NPIP, NDPA e NDBA.

A análise também mostrou que todas as amostras continham pelo menos duas nitrosaminas diferentes. Três delas – NDMA, NPYR e NPIP – foram encontradas em mais de 70% das amostras recolhidas.


“As concentrações de nitrosamina relativamente altas podem ser atribuídas à baixa qualidade da água e aos maiores níveis de atividade humana na região. Como as informações para nitrosaminas na água potável brasileira ainda são muito limitadas, este estudo pode fornecer os primeiros dados sobre possíveis tendências de ocorrência e riscos potenciais associados. É também de grande importância para investigações mais aprofundadas em todo o país”, escrevem os pesquisadores no artigo, cuja primeira autora é a doutoranda Beatriz de Caroli Vizioli.

Orientadora da pesquisa, a professora Cassiana Carolina Montagner, que é coordenadora do LQA-IQ-Unicamp, cita a importância prática do trabalho diante da necessidade de os laboratórios se enquadrarem à nova portaria publicada pelo Ministério da Saúde (nº 888, de 4 de maio de 2021). “Mostramos que o método funciona. O gargalo pode ser o custo, que ainda é alto por causa da fase extratora usada no preparo das amostras”, afirma.


Na pesquisa foi utilizado um cartucho, cuja fase extratora é feita de carvão ativado de fibra de coco, que funciona como um filtro para reter as nitrosaminas. Depois, percola-se um solvente orgânico (como o diclorometano) pelo cartucho para isolá-las.

O enriquecimento da amostra e a limpeza da matriz por extração em fase sólida (SPE, sigla em inglês para Solid Phase Extraction) foram realizados usando o método US EPA 521 com esse cartucho. Isso permitiu a identificação e a quantificação confiável de nitrosaminas na água em níveis de nanograma por litro. A validação foi realizada em três níveis de concentração (20, 100 e 200 ng L−1) em amostras de água ultrapura e de água tratada coletada antes da etapa de desinfecção.

No estudo também foi utilizada a cromatografia gasosa, uma técnica para separar e analisar misturas de substâncias voláteis. A amostra é vaporizada e introduzida em um fluxo de um gás (gás de arraste), que passa por um tubo contendo a fase estacionária (coluna cromatográfica), onde ocorre a separação da mistura.

Riscos

Nas últimas décadas, órgãos governamentais de vários países têm procurado definir metas de saúde pública para nitrosaminas na água tratada destinada ao consumo humano. No entanto, ainda há muita discussão sobre os valores máximos permitidos.

A portaria do Ministério da Saúde brasileiro determina que, no caso da NDMA, o valor máximo permitido na água é de 100 ng L-1 (ou 0,0001 mg/L). O Canadá tem uma diretriz para a NDMA de 40 ng L-1, enquanto na Austrália esse valor é de 100 ng L-1.

As nitrosaminas são compostos comumente encontrados na água, em alimentos defumados e grelhados, laticínios e vegetais. Sabe-se que a exposição a essas substâncias dentro de limites seguros representa baixo risco à saúde, mas acima de níveis aceitáveis e por longos períodos aumenta o risco da ocorrência de câncer.

A NDMA é altamente tóxica, especialmente para o fígado, e reconhecida como carcinogênica por estudos realizados em animais. Para humanos foi classificada pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer como provável carcinogênica.

No fim do ano passado, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) criou o Programa Especial de Monitoramento de Nitrosaminas em Medicamentos para aprofundar investigações sobre a presença dessas substâncias em insumos farmacêuticos.

A formação da nitrosamina varia de acordo com muitos parâmetros, entre eles, o conteúdo de matéria orgânica presente na água e o tipo de desinfetante. A matéria orgânica rica em compostos nitrogenados fornece os precursores orgânicos das nitrosaminas e o uso de cloramina como desinfetante da água para combater patógenos, por exemplo, contribui com a formação desses compostos.

“A questão é o equilíbrio, ou seja, quanto de desinfetante precisa ser usado para resolver a contaminação por patógenos, mas garantindo que a ingestão contínua e prolongada da água não apresente risco de câncer devido à exposição a nitrosaminas”, explica Montagner.

Relatórios divulgados recentemente pela ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação do acesso à água no mundo vêm apontando preocupação com os chamados contaminantes emergentes, uma classe relativamente nova de substâncias químicas não reguladas presentes em diversas matrizes ambientais e que podem oferecer riscos. Eles incluem fármacos, hormônios, pesticidas, subprodutos de desinfecção e microplásticos.

Daí a importância do desenvolvimento de técnicas para detectar essas substâncias no sistema de abastecimento de água, principalmente no Brasil, onde quase 38% da população tinha alguma dificuldade de acesso à água tratada antes da pandemia de Covid-19, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019, o IBGE apontou que 22,4% dos brasileiros moravam em domicílios sem abastecimento diário ou estrutura de armazenamento de água, enquanto 11,9% eram abastecidos por outra forma que não a rede geral. Além disso, 3,4% dos domicílios não estavam ligados à rede geral de água nem contavam com canalização.

Próximos passos

Agora, em seu trabalho de doutorado, Vizioli está estudando novos preparos de amostra para tentar substituir a extração em fase sólida por outras técnicas mais verdes, buscando métodos mais baratos e rápidos para o monitoramento.

“Esperamos fornecer ferramentas ambientalmente mais amigáveis para esse tipo de análise. A ideia agora é ampliar e entender melhor onde estão os maiores problemas relacionados à presença de nitrosaminas em nossas águas”, afirma Montagner.

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.