Fuga de usuários e liberdade de expressão: o Twitter será um grande desafio para Elon Musk
Bilionário comprou a rede social por R$ 233 bilhões, após tentar desistir da aquisição
Tecnologia e Ciência|Filipe Siqueira, do R7, com Reuters
Após idas e vindas e até um processo na Justiça, o bilionário Elon Musk confirmou a compra do Twitter. Em seus primeiros momentos de gestão, o novo dono demitiu alguns dos executivos da empresa — incluindo o CEO Parag Agrawal e o chefe jurídico Vijaya Gadde. Segundo apontam relatos, os dois foram "escoltados" para fora da sede da rede social. Junto com eles, o diretor financeiro Ned Segal também foi desligado da empresa.
Outros devem partir em breve. Bret Taylor, presidente da empresa desde novembro do ano passado, fez uma atualização no LinkedIn que deu a entender que não estará mais no cargo.
O próprio Musk deve ser o presidente interino do Twitter nos próximos meses, dizem fontes familiarizadas com o assunto.
A mudança de gestão é apenas o primeiro passo das mudanças que a rede social deve enfrentar. Analistas e investidores apontam uma série de problemas e desafios políticos e administrativos que o homem mais rico do mundo deve enfrentar agora que manda na rede social.
O próprio Elon Musk parece plenamente consciente das dificuldades de agora ser dono de uma rede que o tornou tão famoso e influente — e onde tem 111 milhões de seguidores. Esses problemas complexos para administrar (e o preço alto) provavelmente estavam por trás dos motivos que fizeram Musk tentar desistir da compra.
Em uma carta aberta direcionada a investidores, publicada na própria rede social logo após confirmar a compra, Musk afirmou que o Twitter "obviamente não pode se tornar uma paisagem infernal livre para todos, onde qualquer coisa pode ser dita sem consequências!"
Horas depois, o executivo tuitou que "o pássaro foi libertado", em referência ao símbolo azul da empresa. E também afirmou que a rede social terá "um conselho de moderação de conteúdo com pontos de vista amplamente diversos", encarregado de banir e estabelecer contas e criar diretrizes quanto ao conteúdo da empresa.
Em resposta, o comissário da indústria, Thierry Breton, tuitou: "Na Europa, o pássaro voará de acordo com as regras da União Europeia", o que mostra que uma rede social totalmente livre pode enfrentar problemas políticos muito em breve — e em territórios onde a Tesla, outra das empresas de Musk, vende muitos carros.
Apesar de todas essas sinalizações — que abrangem desde anunciantes até a base de "fãs" do bilionário —, Elon não deu detalhes de como vai equilibrar liberdade de expressão e moderação. O problema mais imediato é justamente um possível conflito entre parte da base de usuários mais valiosa do site, as personalidades influentes com perfil na rede social e anunciantes.
Os anunciantes buscam certa segurança para expor a marca em uma plataforma sem conteúdos agressivos, pornografia nem xingamentos. Os publicitários já encontram esse tipo de ambiente nas redes sociais da Meta, de Mark Zuckerberg — o Facebook e o Instagram, dois dos gigantes da tecnologia.
Já os fãs de Musk geralmente são adeptos do que chamam de "liberdade de expressão", o que muitas vezes significa ameaçar pessoas e grupos na rede social. A atual política de conteúdo da rede social prevê o banimento de quem pratica bullying na plataforma. Até mesmo punições permanentes, como foi o caso do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.
Apesar de ter sinalizado que não deve voltar para o Twitter nem mesmo com o novo dono, Trump disse — em um post do palanque digital dele, a Truth Social — que a plataforma agora está "em mãos sensatas".
Para quem planeja tornar a rede social "a plataforma de publicidade mais respeitada do mundo", como disse na carta aos investidores, a necessidade de moderar conteúdo (e muito!) é bastante clara.
Usuários influentes
Há ainda a porção de usuários da plataforma que não parece combinar com as "guerras culturais" de tais fãs. É o caso de políticos influentes (Barack Obama tem 133 milhões de seguidores), jornalistas e artistas, que dão importância fundamental às conversas da rede social — que possui "apenas" 238 milhões de usuários, muito menos que os bilhões do Facebook.
Essa porção do público pode migrar para outras plataformas após algum tipo de afrouxamento de regras de banimento e moderação de conteúdo.
Os próprios usuários mais engajados do Twitter, aqueles que usam a rede social seis ou sete dias por semana e tuítam cerca de três a quatro vezes por semana, já estão saindo da plataforma.
Esses usuários representam menos de 10% do público geral mensal, mas geram 90% de todos os tuítes e metade da receita global. Os usuários mais ativos estão em "declínio absoluto" desde o início da pandemia, escreveu um pesquisador do Twitter em um documento interno.
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A pesquisa também descobriu uma mudança nos interesses nos últimos dois anos entre os usuários de língua inglesa mais ativos do Twitter, o que pode tornar a plataforma menos atraente para os anunciantes.
Criptomoeda e conteúdo que inclui nudez e pornografia são os tópicos de interesse de maior crescimento entre os usuários mais ativos de língua inglesa, segundo o relatório. E o interesse por notícias, esportes e entretenimento está diminuindo. Tuítes sobre esses tópicos são os mais desejáveis para os anunciantes.
A rede social também está perdendo um número devastador de usuários mais ativos que têm interesse em moda ou celebridades, como a família Kardashian, e estão se mudando para plataformas como o Instagram e o TikTok, escreveu um pesquisador.
E, mesmo que diga que não quer ganhar dinheiro com o Twitter, Musk precisará ganhar — afinal, pagou dezenas de bilhões de dólares pela plataforma. Como ele conseguirá equilibrar liberdade de expressão, moderação de conteúdo e manutenção da base de usuários enquanto faz a rede social crescer parece ser o desafio quase impossível de resolver em sua gestão.
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