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Debate sobre venda de remédios em supermercados e pela internet coloca R$ 20 bilhões em disputa

Venda de remédios sem prescrição, por exemplo, representa 31% do mercado nacional e está no centro de uma briga de gigantes

Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília

Remédios, comprimidos, medicamentos, saúde, farmácia
Remédios, comprimidos, medicamentos, saúde, farmácia Remédios, comprimidos, medicamentos, saúde, farmácia

Os medicamentos isentos de prescrição – conhecidos como MIPs e encontrados facilmente nas prateleiras de farmácias e drogarias – são protagonistas de duas discussões no Congresso Nacional e na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Atualmente, os produtos só podem ser vendidos por farmácias, mas a possibilidade também é pleiteada por gigantes do ecommerce e representantes de supermercados de olho em um mercado que rendeu R$ 20 bilhões no Brasil somente em 2021.

A discussão no Congresso está focada na tramitação de dois projetos de lei: PL 1.774/2019 e PL 1.896/2021. Ambos permitem a venda de MIPs por outros estabelecimentos comerciais, além das farmácias. O texto foi bem recebido pela ala liberal do Legislativo, mas enfrenta resistência de setores da indústria farmacêutica e, especialmente, do CFF (Conselho Federal de Farmácia).

Isso porque esse tipo de abertura comercial representa uma perda significativa da reserva de mercado das farmácias. A venda desses remédios – entre eles comprimidos para dor de cabeça, febre e indigestão, por exemplo – representa 31% de tudo o que o mercado farmacêutico vende por ano. No ano passado, foi vendido 1 bilhão de unidades de medicamentos categorizados como MIPs no país.

Países desenvolvidos permitem a venda de medicamentos em supermercados. Vemos essa experiência nos Estados Unidos%2C Japão%2C Canadá e até no México e Colômbia. A partir do momento em que o remédio é considerado seguro para ser vendido sem prescrição%2C não há razão%2C a não ser a reserva de mercado%2C para impedir a venda desse produto em outros lugares

(Deputada Adriana Ventura (Novo-SP), relatora do projeto que sugere a venda de MIPs em supermercados)

Isso é o que pontua a relatora do PL 1.774, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Para ela, ampliar os locais de venda de medicamentos seria benéfico para o consumidor, que teria maior liberdade para escolher onde comprar. "Esses medicamentos são isentos de prescrição justamente por serem seguros. Hoje eu posso comprar quantas aspirinas eu quiser na farmácia que não serei abordada pelo farmacêutico ou pelo caixa que está lá dentro, então não faz diferença alguma serem vendidos nas farmácias ou em supermercados", pondera.

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Ela também afirma que, diante de maior concorrência, os preços dos medicamentos isentos de prescrição poderiam cair, argumento que pode ganhar eco na Câmara diante da situação econômica do país, com inflação alta e redução do poder de compra do brasileiro.

Em outubro do ano passado, o tema foi levado à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que colocou frente a frente representantes da indústria farmacêutica, do Ministério da Saúde e de entidades ligadas à venda de medicamentos no varejo. A reunião terminou sem consenso sobre o tema e uma nova audiência pública deve acontecer até o final de junho.

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Apesar de a questão estar em debate no Congresso, a última palavra sobre ela deve partir mesmo da Anvisa – que, por enquanto, continua permitindo a venda desses produtos apenas em farmácias.

Ecommerce de remédios

O que está em discussão na agência, no momento, toca em outro ponto sensível para o mercado varejista: a venda de MIPs em ecommerce, inclusive em plataformas de gigantes da tecnologia e do varejo como a Amazon. Em 2020, a plataforma lançou uma farmácia online em que era permitido ao usuário criar um perfil para receber as receitas prescritas por profissionais da área médica.

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A inovação mexeu com o mercado de fármacos nos Estados Unidos e, no Brasil, a prática foi barrada pela Anvisa, e a Amazon foi proibida de fazer propaganda e disponibilizar medicamentos em seu site. A realidade é que, mesmo sem regulamentação, a venda online já acontece por parte de farmácias e drogarias, um fenômeno anterior à pandemia de Covid-19 e que foi acelerado nos últimos dois anos. 

Embora tenha um posicionamento conservador sobre a comercialização de medicamentos, o secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia, Gustavo Pires, reconhece que o mercado varejista não pode ignorar os avanços tecnológicos. Mas essa flexibilização, defende, deve ser decidida com cautela.

"A gente sabe que a questão da venda online não tem volta, a gente tem que regulamentar de uma forma mais clara e mais precisa, de modo a não deixar mais brechas. Mas o problema do marketplace, na nossa visão, é a mistura de medicamentos com outros produtos, e o medicamento não é um produto qualquer", comenta.

Nem sempre o maior acesso pode trazer benefícios. Apesar de ser isento de prescrição%2C todo medicamento tem um risco e%2C dependendo da quantidade%2C pode%2C sim%2C ser perigoso à saúde. O uso irracional de medicamentos pode%2C inclusive%2C mascarar um problema maior. Um antiácido%2C por exemplo%2C pode esconder uma úlcera ou um câncer no estômago%2C no pior dos cenários

(Gustavo Pires, secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia)

A automedicação também é uma preocupação da Anvisa e de organismos internacionais de saúde. O consumo de medicamentos deve ser baseado na relação benefício-risco. Ou seja, os benefícios para o paciente devem superar os riscos associados ao uso do produto. Essa avaliação é realizada a partir de critérios técnico-científicos, de acordo com o paciente e o conhecimento da doença.

Remédios mais vendidos
Remédios mais vendidos Remédios mais vendidos

Para se ter uma ideia da dimensão e da gravidade do problema, a OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula que mais de 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada. Além disso, metade de todos os pacientes não faz uso dos medicamentos corretamente. Nesse ponto, o CFF defende a ideia de que a presença de um profissional de farmácia em locais de venda de medicamentos é importante no trabalho de orientar o consumidor.

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A capilaridade das farmácias também é um argumento usado por quem questiona a flexibilização dos pontos de venda. Para Pires, não falta acesso a medicamentos no Brasil, já que, atualmente, o país conta com 89 mil farmácias comerciais e 45 mil postos e unidades de saúde onde medicamentos são distribuídos. Ele chama a atenção, inclusive, para a falta de capacidade da indústria farmacêutica em abastecer esses pontos.

"As farmácias têm alcance e, mais que isso, a indústria não consegue muitas vezes abastecer os pontos de vendas que temos atualmente. Isso fica muito claro para nós quando, por exemplo, chega o inverno e temos falta de antigripais. Como está acontecendo agora, com vários estados do país sofrendo com a falta de paracetamol, por exemplo", aponta.

Do outro lado do debate, Marli Martins Sileci, vice-presidente da Acessa (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde), argumenta que medicamentos isentos de prescrição são o primeiro recurso da população para enfrentar sintomas leves e devem ser entendidos como uma necessidade, não simplesmente uma tendência de consumo.

A liberdade do consumidor para comprar onde quiser tem que ser respeitada. Existe a preocupação com o uso irracional de medicamentos%2C mas o uso irracional tem que ser combatido em todos os ambientes%2C na internet e também nas farmácias. É uma missão de todos. Ninguém compra um medicamento isento de prescrição por impulso. Você vai à farmácia%2C vê um analgésico e pode ser que compre%2C mas você não vai tomar um analgésico só por ele estar na promoção

(Marli Martins Sileci, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde)

Para a Acessa, o tema não está focado apenas na venda de medicamentos, mas vitaminas, suplementos e dermocosméticos também poderão ser encontrados mais facilmente em diferentes plataformas. "É claro que, ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado. Mas em um primeiro momento o MIP é muito útil, ajuda a economizar dinheiro público e tem que ser estendido para toda a população. Por isso, precisamos pensar em como deixar essa jornada de acesso mais rápida e organizada, seja com venda física ou online", finaliza.

O grupo de trabalho organizado pela Anvisa foi instituído em 9 de fevereiro deste ano e se reúne quinzenalmente, às quintas-feiras, para debater o tema. Além do CFF e da Acessa, participam outras 19 entidades ligadas à indústria farmacêutica, de mobilidade, tecnologia e saúde.

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