Dois dias após tragédia, Santa Maria tenta se recuperar emocionalmente
Incêndio em boate deixou ao menos 234 mortos e mais de cem feridos
Cidades|Com R7
A cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde 234 pessoas morreram no domingo em um incêndio da boate Kiss, tenta pouco a pouco se recuperar emocionalmente, apesar de 118 feridos ainda estarem internados em hospitais, sendo que 75 deles em estado grave. Nesta terça-feira (29), o clima na cidade começou a retornar à tranquilidade e as lojas reabriram após permanecerem fechada na segunda-feira em sinal de luto.
O segundo incêndio mais trágico já ocorrido na história do Brasil, no entanto, era lembrado em fitas pretas penduradas em varandas. Os principais cemitérios do município ficaram vazios nesta terça-feira, sem rastro das centenas de automóveis estacionados em suas imediações e das milhares das pessoas que participaram dos enterros de cerca de cem pessoas no dia de ontem. O restante dos funerais ocorreu em outras cidades do Rio Grande do Sul e de outros estados. Para esta terça, estão previstos enterros no Rio de Janeiro, São Paulo e Paraguai, onde será sepultado Guido Brítez, de 21 anos, o único estrangeiro entre os mortos.
Hoje, na porta da boate Kiss, dezenas de curiosos se reuniram para ver o local da tragédia. Muitas pessoas levaram flores e fotografias para lembrar as vítimas, em sua grande maioria estudantes universitários. O entregador Carlos Souto passou uma hora observando a fachada da boate e disse à reportagem que queria "ver diretamente" o lugar onde tinha ocorrido "algo tão horrível".
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A enfermeira boliviana Isabel Mejía, que mora em Santa Maria há 32 anos, contou que seu filho queria ter ido à festa na Kiss, mas a enfermeira não deixou alegando falta de dinheiro e mencionando um problema nas costas que ele sofre.
— As mães têm instinto e acertei. Além disso sou rígida, me educaram assim, sou filha de militar.
Várias pessoas que foram nesta terça-feira ver o local da tragédia disseram que a cidade irá demorar muito tempo para se recuperar do trauma.
A socorrista Telda Escobar contou ter participado das tarefas de identificação dos mortos e disse que todos os que participaram dos trabalhos de resgate e identificação sofreram muito e que o ambiente vivido era um "cenário de guerra".
— As pessoas vão se acostumar com a dor. Eu não perdi ninguém mas me sinto como um deles
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O Centro Desportivo Municipal, o ginásio que recebeu os corpos dos mortos e onde foi realizada a maioria dos velórios, ficou nesta terça-feira praticamente vazio, com poucos funcionários limpando o local. Como testemunha, restava um altar criado em pleno campo de basquete e uma mesa com fotografias, cartazes, flores e balões brancos usados na noite da segunda-feira (28) em uma grande manifestação que, segundo a polícia, reuniu 30.000 pessoas.
Nesta terça, os jornalistas que viajaram de todo o mundo para cobrir a tragédia se reuniram nos hospitais da cidade, assim como os familiares das dezenas de feridos que ainda estão internados. No começo da manhã, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que 118 feridos permanecem hospitalizados em Santa Maria e Porto Alegre, 75 deles em estado "crítico". A maioria das vítimas sofre com problemas produzidos pela inalação de fumaça tóxica e respira com a ajuda de aparelhos. Vinte feridos tiveram queimaduras graves.
Padilha alertou que os sintomas de problemas respiratórios podem evoluir "rapidamente" e explicou que alguns pacientes que chegaram entre domingo e segunda-feira aos hospitais com sintomas leves como tosse acabaram internados em unidades de terapia intensiva.
— Quem esteve na boate e sentir tosse, falta de ar, cansaço, vá ao médico porque pode evoluir rapidamente para o que chamamos de pneumonia química.
A UNE (União Nacional de Estudiantes) emitiu nesta terça um comunicado no qual lamenta a tragédia, que "abriu no coração de todos os brasileiros uma ferida incurável". A UNE pediu uma investigação "rápida e competente do caso" para esclarecer se houve falhas nas medidas de segurança da boate ou negligência por parte dos responsáveis do estabelecimento.
Incêndio
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, a 290 km de Porto Alegre, aconteceu na madrugada de domingo (27) e deixou mais de 230 mortos e mais de cem feridos. O fogo teria começado quando a banda Gurizada Fandangueira se apresentava. Segundo testemunhas, durante o show foi utilizado um sinalizador — uma espécie de fogo de artifício chamado "sputnik" — que, ao ser lançado, atingiu a espuma do isolamento acústico, no teto da boate. As chamas se alastraram em poucos minutos.
A casa noturna estava superlotada na noite da tragédia, segundo o Corpo de Bombeiros. Cerca de mil pessoas ocupariam o local. O incêndio provocou pânico e muitos não conseguiram acessar a única saída da boate. Os proprietários do estabelecimento não tinham autorização dos bombeiros para organizar um show pirotécnico na casa noturna. O alvará da casa estava vencido desde agosto de 2012.
Ao entrar na boate Kiss, para socorrer as vítimas do incêndio, os integrantes da corporação se depararam com uma barreira de corpos.
O comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, coronel Guido Pedroso de Melo, descreveu a situação.
— Os soldados tiveram que abrir caminho no meio dos corpos para tentar chegar às pessoas que ainda estavam agonizando.
Esta é considerada a segunda maior tragédia do País depois do incêndio do Grande Circo Americano, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Em 17 de dezembro de 1961, o circo pegou fogo durante uma apresentação e deixou 503 mortos. Prisões
Um dos donos da boate Kiss e dois músicos da banda foram detidos. Os pedidos de prisão, de caráter temporário de cinco dias, foram decretados pelo juiz Regis Adil Bertolin.
Na tarde de segunda-feiram, outro sócio da casa noturna se entregou à polícia. Ele se apresentou no 1º DP (Distrito Policial) de Santa Maria e não falou com a imprensa.