Distrito Federal tem déficit de 1,6 mil horas por semana no atendimento psiquiátrico em CAPS
Unidades precisam ainda atender cobertura populacional até 400% acima do indicado pelo Ministério da Saúde
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, Brasília
O Distrito Federal tem déficit de 1.600 horas semanais no atendimento psiquiátrico nas unidades dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) da capital. A defasagem alcança 10 das 11 categorias que atuam nos CAPS do DF. Os técnicos administrativos, por exemplo, têm déficit de 2.400 horas semanais, seguidos por terapeutas ocupacionais (1.500 horas semanais); assistentes sociais (1.400 horas semanais) e psicólogos (1.200 horas semanais).
Os dados são de levantamento exclusivo realizado pelo R7 através da Lei de Acesso à Informação. Sendo que o cálculo de dimensionamento de horas semanais é feito com base nas diretrizes do Manual de Parâmetros Mínimos da Força de Trabalho para Dimensionamento da Rede, documento elaborado pela própria Secretaria de Saúde. Nesses critérios, a única categoria com saldo positivo de horas por semana (22 horas semanais no total) são os enfermeiros.
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Ranking de defasagem profissional
• Técnico administrativo: 2.455 horas semanais;
• Psiquiatra: 1.670 horas semanais;
• Terapeuta ocupacional: 1.536 horas semanais;
• Assistente social: 1.452 horas semanais;
• Psicólogo: 1.220 horas semanais;
• Médico — Clínica Médica: 1.025 horas semanais;
• Farmacêutico: 665 horas semanais;
• Fonoaudiólogo: 477 horas semanais;
• Auxiliar Operacional de Serviços Diversos — Farmácia: 372 horas semanais; e
• Técnico de enfermagem: 227 horas semanais
Saldo positivo
• Enfermeiros: 22 horas semanais
Na avaliação do médico psiquiatra Aníbal Okamoto Júnior, o déficit de profissionais é resultado de vários fatores, entre eles a falta de recursos financeiros, planejamento e uma gestão ineficaz. O profissional lista, por exemplo, que entre 2018 e 2021 houve queda drástica na oferta de vagas de residência psiquiátrica. Somado a isso, há o “baixo investimento em saúde mental, além do estigma e descaso; condições precárias de trabalho e falta de segurança para os profissionais”.
“Há uma grande dificuldade de gerenciamento, enquanto em um hospital há servidores para cuidar dos setores da instituição, os CAPS contam com apenas um gestor e um supervisor para administrar”, afirma Okamoto. O especialista destaca que é fundamental que a saúde mental seja considerada uma prioridade nas políticas públicas. “O adoecimento mental tem aumentado de forma drástica, e em especial no Brasil. Algumas estimativas preveem que até 25% da população possa necessitar de algum tipo de atendimento psiquiátrico em algum momento da vida”, explica.
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Unidades insuficientes
Aliada à falta de recursos humanos está a baixa infraestrutura. Dos 18 CAPS do DF, 17 precisam dar conta de atender a uma cobertura populacional maior do que a indicada pelo Ministério da Saúde. A sobrecarga chega a 400% em algumas unidades, como no caso do CAPS Infantojuvenil (CAPSi) de Brasília, que atende uma região de aproximadamente 998 mil pessoas, mas que deveria prestar cobertura populacional a, no máximo, 200 mil habitantes.
O mesmo acontece com todas as 16 unidades da capital do país, como o CAPS II de Taguatinga, cuja abrangência populacional é de 922 mil pessoas e deveria assistir uma região de até 200 mil; e o CAPS AD III de Samambaia, localizado em uma região que atende uma população de 869 mil habitantes, quando deveria lidar com até 300 mil habitantes, por exemplo.
A única exceção a esse cenário é o CAPS 1 de Brazlândia, voltado ao atendimento de todas as faixas etárias de pessoas que apresentam sofrimento mental grave e persistente, incluindo o decorrente do uso de álcool e drogas. No caso dele, a unidade está em um território de abrangência de 65,7 mil pessoas e poderia atender uma região de até 70 mil habitantes, segundo os parâmetros do Ministério da Saúde.
Sobrecarga
A falta de infraestrutura impacta inclusive o tratamento dos pacientes. Professor da Universidade de Brasília (UnB) e médico psiquiátrico, Leonardo Sodré destaca que há um desinteresse e um desrespeito aos pacientes de saúde mental, especialmente dos casos mais graves e da população mais vulnerável. “Há uma sobrecarga muito grande na rede. Os médicos, por exemplo, não conseguem ver os pacientes de forma regular, mesmo os com transtornos mentais gravíssimos, o que é inviável para um tratamento minimamente humano”, conta.
Sodré cita também que há uma imposição de carga horária de atendimento para que o médico resolva a demanda em poucos minutos. “Além disso, há uma série de burocracias para que o médico consiga receitar algum medicamento diferente para aquele paciente, sem falar no suporte da psicoterapia, que é limitado, assim como o da terapia ocupacional”, lamenta.
Metas não cumpridas
Nos últimos quatro anos, as ações da Secretaria de Saúde foram norteadas pelo Plano Diretor de Saúde Mental 2020-2023, que estabelecia diversas metas a serem cumpridas até o fim do ano. Uma delas era ampliar a cobertura dos CAPS no DF da média de 0,46 por 100 mil habitantes para 0,70 por 100 mil habitantes. Passado o período do plano, contudo, não se conseguiram avanços.
O mesmo se repetiu com a promessa de construir mais cinco CAPS até o fim deste ano: CAPS II do Gama, CAPS AD III do Guará, CAPS AD III de Taguatinga, CAPSi do Recanto das Emas e CAPSi de Ceilândia. Até o momento, nenhum deles passou por licitação. Em resposta à LAI, a pasta disse que está previsto que as unidades do Recanto das Emas e Gama sejam licitadas até dezembro, “mas com previsão de início das obras em 2024, tendo como estimativa de conclusão o ano de 2025”. Já as unidades de Taguatinga, Guará e Ceilândia só devem ser licitadas no ano que vem, com conclusão das obras “até o início de 2026”.
Para o psiquiatra Luan Diego, o cenário é preocupante. “É fundamental que haja um compromisso real e efetivo do governo em priorizar e investir na área de saúde mental, garantindo assim que as metas sejam atingidas e que a população tenha acesso a um atendimento de qualidade. Precisamos considerar também que esse déficit acaba sobrecarregando os profissionais disponíveis, o que pode levar a uma diminuição ainda maior na qualidade do atendimento e do cuidado ao paciente”, observa.
Para o médico, a estratégia imediata seria realizar concursos públicos para suprir o déficit de profissionais, além de traçar estratégias a longo prazo. “A solução para esse déficit passa pela combinação de ações emergenciais, como a contratação imediata de profissionais, e medidas de longo prazo, como a formação e capacitação de novos profissionais e a retenção dos já existentes, além do aumento do financiamento e investimento em saúde mental”, afirma