Três crianças morrem em hospitais e UPAs do DF em dois meses; pais apontam negligência
Secretaria de Saúde e instituto que gere unidades reconhecem demora, mas negam erro médico; casos são investigados pela Polícia
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
Em menos de dois meses, três crianças morreram no Distrito Federal em hospitais e UPAs (unidades de pronto-atendimento) devido à demora para avaliação médica e transferência entre unidades. As vítimas são Anna Julia Galvão, 8 anos; Jasminy Cristina de Paula Santos, 1 ano; e Enzo Gabriel, 1 ano, que ficou cerca de 12 horas na UPA do Recanto das Emas esperando uma ambulância para ser levado a um leito de UTI (unidade de terapia intensiva). Os três casos são investigados pela Polícia Civil.
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A primeira morte foi a de Jasminy, também na UPA do Recanto das Emas. A família denunciou o caso à Polícia após ver o caso de Enzo Gabriel na mídia e afirma que houve negligência e demora no atendimento à menina. Segundo os pais, ela foi levada nas UPAs do Recanto e de Ceilândia e no Hospital Regional de Ceilândia e Taguatinga antes de morrer.
Os pais também tentaram atendimento pelo Samu, no dia 14 de abril, quando Jasminy estava passando mal, mas não havia ambulância para atender a bebê. Em mais uma tentativa, os pais levaram a criança até a UPA do Recanto das Emas no mesmo dia. Jasminy recebeu classificação laranja, mas a unidade só atendida pacientes com classificação vermelha.
A bebê passou o dia na unidade, mas à noite teve piora no quadro, com febre e baixa saturação. Uma médica chegou a pedir a internação da criança na ala pediátrica, mas Jasminy não resistiu e morreu na unidade. O caso é investigado pela 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas).
Demora no atendimento
O segundo caso foi registrado em 15 de abril, quando os pais de Anna Julia procuraram atendimento médico para a criança após ela apresentar tosse, dor nas costas, febre e dificuldade para respirar. Segundo a ocorrência registrada na Polícia Civil, a menina chegou por volta das 18h na UBS 7 da Ceilândia, mas foi atendida apenas às 3h da manhã do dia seguinte.
O relato acrescenta que os médicos pediram exames para ela no dia 16, mas Anna Julia teve piora no quadro e voltou novamente para ser atendida, desta vez na UBS 1, também de Ceilândia. Ela foi atendida às 2h da manhã, com pedido de outros exames. No entanto, quando o quadro de Anna Julia piorou e ela foi encaminhada ao HMIB (Hospital Materno Infantil de Brasília).
A ocorrência diz que a criança chegou ao hospital “em estado gravíssimo, quando o médico tentou fazer a sua intubação, ela veio a óbito”. O caso é investigado pela 24ª Delegacia de Polícia (Setor O - Ceilândia).
A última morte foi a de Enzo Gabriel, que morreu após aguardar mais de 12 horas por uma ambulância. Segundo Cícero Alves, pai da criança, a família esperava por uma ambulância da UTI Vida — que possui contrato de prestação de serviços com o Governo do DF — para Enzo Gabriel ser transferido para a UTI do Hospital Materno Infantil de Brasília.
O transporte foi solicitado na noite de 14 de maio, mas a ambulância só chegou às 7h do dia seguinte, quando o menino já estava morto. Enzo Gabriel havia sido diagnosticado com dengue aguda, pneumonia com derrame pleural (acúmulo de líquido entre os tecidos que revestem os pulmões e o tórax) e estava entubado enquanto aguardava a transferência. O caso também é investigado.
“Pico de solicitações”
O R7 questionou a Secretária de Saúde e o Iges-DF (Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF), instituição responsável pela gestão das UPAs de Ceilândia e do Recanto das Emas, sobre a morte das três crianças. Veja notas na íntegra:
Caso Jasminy, de um mês:
Iges-DF:
O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF) apurou o fato ocorrido e informa que, de acordo com os dados no nosso sistema, não foram encontrados registros de busca de atendimento na data de 12/04/2024. No dia 13/04/2024, a família procurou a UPA por volta das 19:42, momento registrado da retirada da senha, no entanto, a família optou por não aguardar atendimento.
No dia 14/04/2024, procuraram novamente a unidade, tendo retirado a senha às 11:06 e fizeram a classificação de risco às 12:09. Por conta da dessaturação, a criança foi classificada na cor laranja e às 12:22 foi admitida para observação.
A principal hipótese diagnóstica para o caso era de bronquiolite viral aguda (BVA). É válido informar que o diagnóstico para BVA é clínico, portanto não há necessidade de exames laboratoriais para confirmação do diagnóstico.
A criança evoluiu com piora, apresentando febre, fazendo-se assim necessária a realização de exames laboratoriais.
Informamos ainda que o resultado do raio-x foi avaliado presencialmente pela médica, junto com a acompanhante. Diante da confirmação de uma pneumonia bacteriana nova medicação foi administrada e a paciente seguiu em observação.
Após sequenciada evolução de piora, o procedimento de intubação foi discutido com os pais da criança e só foi realizado após permissão dos mesmos. Tal medida é indicada em casos de insuficiência respiratória aguda com o objetivo melhorar o prognóstico do paciente. Dessa forma, não há nenhuma correlação com a parada cardiorrespiratória.
Reiteramos que não houve falha médica, pois todas as medidas foram tomadas para a melhora do quadro.
Ainda de acordo com nossa equipe, não foram solicitados documentos por parte da família. As causas identificadas do óbito foram infecção generalizada (SEPSE), pneumonia à esquerda, bronquiolite viral aguda e síndrome do desconforto respiratório agudo, e encontram-se descritas na Declaração de Óbito, preenchida pela médica plantonista e entregue à família.
O IgesDF se solidariza com os familiares e reitera o compromisso em fornecer cuidados de saúde de qualidade e assegurar o atendimento adequado à população.
Secretaria de Saúde:
A Secretaria de Saúde informa que entre a abertura da ficha da paciente J.C.P.S no Hospital Regional da Ceilândia e chamamento para classificação de risco, se passaram 40 minutos e a família já não estava mais no local quando foram chamados. A pulseira de classificação só é disponibilizada após essa triagem. Ressaltamos que, em função da legislação sobre sigilo de prontuário, não pode fornecer informações sobre os pacientes atendidos na rede pública de saúde. Com relação aos demais questionamentos, orientamos procurar a Assessoria do IgesDF.
Caso Anna Paula, de oito anos:
Iges-DF:
O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF) informa que a paciente foi admitida na Unidade de Pronto Atendimento de Ceilândia I no dia 16/04/24 com sinais vitais estáveis. Ela foi atendida, recebendo toda a assistência necessária. Foi solicitada a transferência para um centro especializado, conforme protocolo de atendimento.
Esclarecemos que durante o processo de transferência, a ambulância precisou aguardar enquanto a equipe médica estabilizava a paciente, antes de sua remoção. Durante todo o período de sua permanência na unidade, a paciente recebeu cuidados contínuos.
As UPAs estão enfrentando uma grande demanda devido à sazonalidade das doenças respiratórias e à epidemia de dengue, especialmente entre as crianças. Esses dois fatores combinados têm contribuído para a superlotação das UPAs e o aumento no tempo de espera por atendimento.
O IgesDF expressa sua solidariedade aos familiares e amigos.
Secretaria de Saúde:
A Secretaria de Saúde informa que no dia 15 de abril a paciente A.J.R.G procurou a UBS, ocasião que foram solicitados exames para diagnóstico. Ao sair o diagnóstico no dia 16, o médico verificou a urgência do caso encaminhando a criança para a UPA. A pasta ressalta que ao dar entrada no HMIB, a paciente foi prontamente atendida, e teve todo suporte da equipe médica. Após todos os procedimentos, infelizmente a criança não resistiu e veio a óbito. Por fim, a Secretaria de Saúde expressa toda solidariedade aos familiares e amigos.
Caso Enzo Gabriel, de um ano:
Iges-DF:
O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (IgesDF) informa que o óbito do paciente se deu pela condição clinica gravíssima em que se encontrava. Assim que seu quadro evolui em piora, a criança foi transferida para a sala vermelha da Upa, um ambiente equivalente a uma UTI e recebeu em todo o momento que esteve lá a assistência de uma unidade de terapia intensiva. Contudo, houve uma demora muito acima do que prevê o contrato de prestação de serviço, tal fato foi justificado pela prestadora pelo pico de solicitações de remoção pediátrica naquela noite. No momento em que a ambulância foi solicitada havia 10 pacientes pediátricos em estado grave com necessidade remoção, quantidade muito acima da média usual de 3 remoções por noite.
A alta gestão do IgesDF, juntamente com a empresa terceirizada, montou um plano de contingências para momentos de picos como o da referida noite com o objetivo de impedir que casos semelhantes voltem a acontecer.
Reiteramos que o IgesDF lamenta profundamente o ocorrido e seguimos comprometidos em prestar todo o suporte psicossocial à família.