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Matemática da floresta: conheça algoritmos que ajudam a combater o desmatamento

Projetos conduzidos por pesquisadores e ONGs revelam potencial do uso da tecnologia para impedir danos ambientais

Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em BrasíliaOpens in new window

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Projeto monitora sons da floresta Projeto Curupira/UEA - divulgação

Equações e algoritmos estão na linha de frente contra o desmatamento no Brasil. Quando cai uma árvore na Amazônia, sensores, códigos e mapas digitais podem ser os primeiros a ouvir. A floresta fala em números, e, por trás das imagens de satélite que revelam cicatrizes abertas nas matas, há sistemas matemáticos que monitoram em tempo real os danos causados no meio ambiente.

Em junho deste ano, o R7 conheceu projetos que usam a tecnologia e as famosas inteligências artificiais como uma barreira contra o desmatamento e contra os crimes ambientais. Um desses projetos, com o nome simbólico do protetor das florestas, é o Curupira, que está em fase de testes no coração da Amazônia em áreas sob responsabilidade do Exército brasileiro.


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Conduzido pelo professor e pesquisador Raimundo Cláudio, da Universidade do Estado do Amazonas, o Projeto Curupira instala pequenas caixas com inteligência artificial amarradas em troncos de árvores para identificar os sons das máquinas usadas no desmatamento da floresta, como tratores e motosserras.

Com base nesse monitoramento, o projeto emite alertas em tempo real por meio de uma rede de comunicação de longo alcance. À reportagem, o professor explicou que o sistema está em fase final de desenvolvimento, com realização de testes de campo com versões avançadas de protótipos.


Ele conta que a iniciativa começou em 2019, “apenas como uma ideia de um sistema de monitoramento ambiental para a floresta amazônica, capaz de realizar registros e sinalização de eventos imediatamente após a sua ocorrência, que além de anômalos, fossem caracterizáveis como ameaçadores à saúde e integridade de fauna e flora do ambiente florestal”.

Equipamentos captam sons de serras e tratores, pro exemplo Projeto Curupira/UEA - Divulgação

“A partir da experiência acumulada na execução de diversos projetos de inovação tecnológica para as empresas do PIM (Polo Industrial de Manaus), nas áreas de eletrônica embarcada, sensoriamento inteligente com o uso de técnicas de computação e Inteligência Artificial de borda, entre outros, o time de pesquisadores do laboratório pode aplicar toda sua expertise no desenvolvimento do Sistema Curupira perfeitamente ajustado às características peculiares e desafiadoras de nossa floresta”, explicou.


Ele diz que esse monitoramento permite efetividade nas ações de combate aos crimes ambientais, tais como “queimadas, desmatamento e garimpo ilegal”.

“A ação depredatória precisa ser identificada e informada ainda na sua origem para que as ações de combate sejam imediatas e subsequentes, a fim de evitar o aprofundamento do dano”, pontua.


Raimundo compartilhou também os desafios do projeto. “Dispositivos eletrônicos necessitam de energia para funcionar. Além disso, um sistema de monitoramento aplicável em regiões remotas depende de acesso a mídias de comunicação para transporte de seus dados aos centros de comando e controle. Por sua vez, a floresta amazônica é extensa, úmida, fechada, de difícil acesso e baixa incidência solar, e desprovida da cobertura de serviços de comunicação”, listou.

Pesquisadores fazem etapa final de testes Projeto Curupira/UEA - arquivo

“Dessa forma, o sistema Curupira precisava ser de ultra-baixo consumo (autonomia superior a 5 anos), ter processamento computacional local (em borda) capaz de executar modelos de detecção e identificação de sons no próprio dispositivo (não depender de sistema em nuvem para rodar seus modelos) e implementar sua própria rede para transmitir as mensagens de alerta e alarme da ocorrência dos eventos de interesse”, explicou.

Com a solução desses desafios, o professor espera que o uso da tecnologia seja um passo fundamental na defesa da floresta. “Dada a dimensão continental e as peculiaridades morfológicas e ambientais da selva amazônica, não haveria contingente humano suficiente para cobertura de fiscalização e monitoramento de nossa floresta. Além disso, o uso de aparatos de aeronaves, embarcações ou sistemas de varredura de satélite seriam, no mínimo, proibitivos caso tentassem seu uso para esse objetivo. Logo, soluções como o Sistema Curupira são imprescindíveis para superar essas barreiras”, afirma.

Amazônia Protege

O uso desse tipo de tecnologia pode, inclusive, auxiliar na fiscalização rápida e eficaz dos órgãos de controle. O procurador da República Daniel Azeredo, idealizador e coordenador do Amazônia Protege, observa que, “pela imensidão do território brasileiro, é impossível estar presente fisicamente em todas as áreas onde os crimes ambientais ocorrem de forma que a utilização de ferramentas tecnológicas é um reforço importante e necessário para a proteção da natureza”.

Daniel é ligado ao MPF (Ministério Público Federal) e criou o Amazônia Protege para combater o desmatamento ilegal. A iniciativa usa imagens de satélite e cruzamento de dados públicos para que o MPF instaure ações civis públicas contra os responsáveis pelos desmatamentos ilegais com mais de 60 hectares registrados pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal).

Uma das intenções é que supermercados, frigoríficos e empresas compradoras de produtos provenientes da Amazônia deixem de adquirir carne ou alimentos produzidos em áreas desmatadas ilegalmente, colocando o consumidor como um poderoso aliado na fiscalização e com poder para pressionar produtores e varejistas.

O programa também permite que a população consulte no site se áreas à venda são alvo de ação do Ministério Público. Os órgãos do governo também podem consultar o site antes de fornecer documentação a terras, evitando a regularização fundiária de locais recém-desmatados ilegalmente.

Bioeconomia - Amazônia Luce Costa/Arte R7

Como funciona:

O MPF recebe imagens de satélite produzidas pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrando áreas de desmatamento na Amazônia, cruza as informações da terra com bancos de dados públicos e emite laudos constatando a retirada ilegal de vegetação.

Em seguida, para identificar os responsáveis pelo dano ambiental, a equipe do MPF realiza pesquisas nos seguintes bancos de dados públicos:

  • Cadastro Ambiental Rural;
  • Sistema de Gestão Fundiária do Incra;
  • Sistema Nacional de Certificação de Imóveis Rurais do Incra;
  • Programa Terra Legal, da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário; e
  • Vistoria de campo consubstanciada em auto de infração do Ibama ou embargo na área.

A seguir são abertos inquéritos civis e, em seguida, instauradas ações civis públicas na primeira etapa do projeto. Nas ações, o MPF pede:

  • Indenizações relativas aos danos materiais e morais difusos derivados do desmatamento, em valores calculados de acordo com o tamanho da área desmatada;
  • Recomposição da área degradada, mediante sua não utilização pelos réus para garantir a regeneração natural da vegetação;
  • Reversão dos valores da condenação para os órgãos de fiscalização federal (Ibama e ICMBio) com atuação no respectivo estado, tendo em vista o princípio da máxima efetividade na proteção ambiental; e
  • Autorização judicial para a apreensão, retirada e destruição, pelos órgãos de fiscalização competentes, de qualquer bem móvel ou imóvel existente na área que estejam impedindo a regeneração natural da floresta ilegalmente desmatada.

O programa é feito em parceria com o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e a Universidade Federal de Lavras.

Monitoramento

Na Universidade Federal de Minas Gerais outro projeto auxilia no combate aos crimes ambientais, chamado de DinamicaEGO. Coordenador do Centro Tecnológico de Modelagem Ambiental da universidade, o professor Raoni Rajão explica que a iniciativa nasceu do projeto de doutorado do professor Britaldo Silveira Soares Filho.

“Ele precisava entender a relação entre desmatamento e malária, só que para isso era necessário desenvolver algoritmos complexos de geoestatística para definir como a relação entre a doença e o desmatamento tão correlacionadas espacialmente. Ele chegou a conclusão que esse tipo de ferramenta ainda não existia, principalmente no campo da simulação”, explica Raoni.

A partir disso, o professor decidiu desenvolver o software hoje conhecido como DinamicaEGO. “Com o passar dos anos, esse software foi ganhando de complexidade, é, e também poder computacional para atender as demandas do próprio laboratório, porque se começou a ter um esforço cada vez maior de modelagem de desmatamento”, explica.

Agora, o desafio é utilizar o DinamicaEGO como uma plataforma de gestão de algoritmos de inteligência artificial para classificação de imagem de satélite de altíssima resolução. “Nós estamos falando de classificar o Brasil como um todo em quadradinhos de 5 metros por 5. E isso demanda um esforço computacional muito grande”, explica.

Como funciona?

O DinamicaEGO é uma plataforma gratuita e de código aberto desenvolvida pelo Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, projetada para modelagem ambiental e simulação da dinâmica de paisagens. Na prática, a plataforma permite construir modelos ambientais complexos, simular mudanças no uso e cobertura do solo e analisar padrões de biodiversidade e cenários futuros como desmatamento, por exemplo.

O sistema permite que o usuário monte fluxos de dados concentrando algoritmos individuais, como em um diagrama, ligando mapas, tabelas e expressões. Ou seja, a plataforma permite simplicidade gráfica para criar modelos, simular mudanças em matas, bacias e cenários ambientais futuros ou diferentes estratégias de conservação.

Imagens de satélite e monitoramento

Quem também utiliza a análise de imagens de satélite é o MapBiomas que, com a ajuda de Inteligência Artificial, pretende agilizar a análise de dados. Marcos Rosa, coordenador técnico da entidade, explica que a iniciativa surgiu em 2015 por uma demanda de ter mapas de cobertura para análise de emissões de gás carbônico. “O governo criava a cada cinco anos mapas com esses dados. Mas isso demorava muito para ser lançado”, explicou.

Com a necessidade de dados mais acessíveis e mais rápidos, diversas ONGs e universidades decidiram criar uma parceria para desenvolver o MapBiomas. “Ele já surgiu com a essa questão da inovação, classificação por inteligência artificial, em vez de processar cada dado na nuvem de computadores”, conta.

Segundo Marcos, o diferencial é usar o conhecimento local de cada região, mas descentralizar o processo de classificação desses dados com o uso de tecnologia. A IA, inclusive, permite que as análises feitas hoje sejam cada vez mais precisas.

“No passado, para analisar a cobertura vegetal, a gente escolhia a melhor imagem sem nuvem. Agora, em vez de escolher a melhor imagem, a gente usa um filtro que retira a nuvem e a sombra dela, e junta em um mesmo arquivo a análise de 10 a 20 imagens por ano. Isso permite que a gente acompanhe aquele terreno. Um único ponto pode estar com solo preparado para agricultura, depois crescimento do plantio e depois colheita”, explica.

Marcos alerta, no entanto, que mesmo a inteligência artificial treinada com base em quem conhece a região, não pode substituir o conhecimento humano.

A entidade, por exemplo, emite alertas de desmatamento em tempo real. Mas para isso, um técnico valida essas imagens de alta resolução, cruzando dados públicos para gerar um laudo auditável. “Essa certeza permite que bancos e empresas usem os alertas para evitar financiamento ou compra de áreas com desmatamento ilegal”, cita.

Recuperação das áreas degradadas

Marcos Rosa explica que com o uso dessas tecnologias é possível criar mapas anuais dos últimos 40 anos e rastrear a história de uso e cobertura em cada região do Brasil.

O MapBiomas pretende, por exemplo, começar a monitorar a recuperação das áreas degradadas que vai acompanhar os compromissos de restauração e os planos de recuperação ambiental de forma transparente.

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