PM agiota pode ser expulso da corporação, diz comandante-geral
De acordo com o coronel, corporação também investiga se outros policiais sabiam das atividades do sargento Ronie Peter
Brasília|Luiz Calcagno e Kelly Almeida, do R7, em Brasília
Suspeito de agiotagem, ameaça e lavagem de dinheiro, o sargento da Polícia Militar do Distrito Federal Ronie Peter Fernandes da Silva poderá ser expulso da corporação. Quem afirma é o comandante-geral da PMDF, coronel Márcio Cavalcante Vasconcelos, que conversou com exclusividade com o R7. Ronie, o irmão dele, Thiago Fernandes da Silva, o pai dos dois, Djair Baía da Silva, e mais três pessoas foram presas pela Divisão de Repressão a Roubos e Furtos (DRF/Corpatri) da Polícia Civil do DF durante a operação S.O.S. Malibu. Segundo vítimas, o policial se valia da farda para ameaçar devedores, dizendo até que arrancaria o olho de quem não conseguia pagar os empréstimos.
Os irmãos ostentavam uma vida de luxo com carros, embarcações e viagens caras. O sargento não se intimidava com o fato de estar afastado do trabalho por dispensa médica há aproximadamente um ano. O dinheiro emprestado por Ronie era cobrado das vítimas com juros altos, que poderiam passar de 10% ao mês ou mesmo semanalmente. Ele e o irmão tomavam veículos e imóveis como garantia, de acordo com as investigações. Segundo o comandante-geral da PMDF, a corporação foi pega de surpresa com as atividades do sargento, a quem ele chama de "garoto", mas já abriu investigação contra o militar. O coronel ressaltou que o caso é grave e disse que outros policiais serão ouvidos no procedimento apuratório.
O comandante-geral também admitiu que a corporação precisa repensar o acompanhamento das dispensas médicas, sem, no entanto, deixar de levar em consideração as recomendações profissionais. “Talvez isso tenha acendido um alerta para nós, como instituição, por um controle mais rigoroso em relação ao acompanhamento das redes sociais de policiais. Não tenho todas as informações, mas as preliminares são de que ele exercia uma atividade paralela que não era compatível até com a dispensa em que ele estava. O que significa que, de alguma forma, ele estava burlando a administração”, afirmou Vasconcelos.
Por outro lado, defendeu a corporação, destacando que os militares trabalham diariamente no combate ao crime. "Quando você está na posição de policial como um dos autores [de crime], ou um pretenso autor de algo dessa natureza, isso potencializa demais. É ruim para a imagem da instituição, para os policiais que trabalham diariamente, que são a maioria esmagadora absoluta da nossa instituição. E todos nós ficamos, além de perplexos, tristes, porque atingir a imagem da corporação é nos atingir de maneira indireta”, afirmou o comandante-geral da PMDF.
Confira a entrevista na íntegra:
O que pode acontecer com o sargento dentro da corporação, tendo em vista as investigações que pesam contra ele?
Nós, como instituição, somos totalmente favoráveis a qualquer ação que combata qualquer tipo de crime, criminoso, qualquer tipo de ação que atente contra a legislação e contra a lei. Somos agentes públicos, entes do Estado e, como polícia, sobretudo, temos obrigação de ser farol e dar exemplo. Qualquer ação voltada para o combate à corrupção, combate ao crime, nós sempre apoiaremos. Ainda que, de forma indireta ou de forma direta, tenhamos a consciência ou a ciência de que haja o envolvimento de policial, que é o caso desse garoto aí.
Dentro da corporação, ele pode sofrer várias sanções. Já foi instaurado um devido processo apuratório. No caso dele, como há indício de crime, já deve ter sido instaurado também um IPM (Inquérito Policial Militar) pela corregedoria. Esse IPM vai ter os trabalhos dele, ordinários, que seguem um rito na legislação e, caso seja confirmado que o que pesa contra ele são acusações verídicas, ele vai ser processado nos termos da lei, podendo ter vários tipos de sanção.
A gente precisa aguardar o trâmite de cada um desses processos, tanto na esfera civil, que tem o inquérito policial que culminou com a prisão dele, [quanto] o administrativo e o IPM, no âmbito da Polícia Militar, que, além das sanções previstas, pode ter a conclusão pela não permanência dele [na corporação].
Apesar de ele não usar do cargo para fazer empréstimos, as testemunhas dizem que ele se valia do cargo para cobrar as dívidas. Como a PM vai lidar com isso?
Foi estabelecido um procedimento apuratório, e ele [o sargento Ronie Peter] vai ser submetido a ele. Dentro do IPM, após a conclusão do inquérito na Polícia Judiciária Militar, pode haver várias indicações. Se for constatado cometimento de crime, ele vai sofrer sanções específicas previstas na lei. O fato de ele se utilizar da condição de policial militar para sua atividade, caso comprovadamente ilícito, a gente precisa ter muita responsabilidade, porque ele fazia isso sem o conhecimento [da corporação].
Se a corporação tivesse algum tipo de participação ou conhecimento disso, seria algo muito grave. Mas a gente não tem como medir as ações individuais fora da atividade policial, que, me parece, é o caso específico do sargento. Não há nenhum tipo de conduta da Polícia Militar que coadune com isso ou que seja conivente. Muito pelo contrário. Nossa obrigação, depois dos fatos divulgados, é tomar todas as medidas possíveis no campo administrativo, no campo policial, para que [tudo] seja apurado nos termos da lei e [seja] dada a responsabilização individual dele e de quem estiver envolvido.
O militar estava de licença por questões de saúde havia aproximadamente um ano. Mas ele viajava e postava nas redes. É preciso ser mais rigoroso nesses critérios?
É uma questão que tem que ser avaliada com um pouco mais de critério. Lógico que todos os policiais que se submetem a dispensa passam por uma análise técnica. Temos um corpo médico. E aí, talvez, esse controle de rede social não tenha sido realizado. Se você tem um parecer médico que atesta uma dispensa, a gente vai cumprir o que está sendo feito pelo corpo técnico.
Agora, talvez isso tenha acendido um alerta para nós, como instituição, por um controle mais rigoroso em relação a isso. Eu não tenho todas as informações, mas as preliminares são de que ele exercia uma atividade paralela que não era compatível até com a dispensa em que estava. Isso significa que, de alguma forma, ele estava burlando a administração. Então, talvez, esse ajuste das dispensas... a gente tenha que ter uma maneira mais específica de repensar um controle melhor para não ser surpreendido como a gente foi agora.
Duas pessoas presas com o sargento foram filmadas entrando em um batalhão da Polícia Militar com R$ 800 mil. Vai haver uma investigação sobre isso? Um dos policiais chega a parar o trânsito para a mulher sair. Outros policiais serão ouvidos sobre esse caso específico?
Já está havendo investigação. Agora, um quartel, uma unidade policial militar, é uma unidade de instituição pública. Desde que haja o controle de entrada e saída, é razoável. O que a gente não sabe é como foi feito isso lá dentro. Me parece, na investigação preliminar, que isso tudo aconteceu no estacionamento, e não exatamente dentro de um prédio da administração. A gente já determinou a abertura de um procedimento apuratório para ter exatamente as circunstâncias e, se tiver qualquer envolvimento de policial com conhecimento disso, vamos tomar as medidas necessárias.
A polícia nunca desconfiou que um sargento com salário de cerca de R$ 8,2 mil levava uma vida de luxo? Isso nunca despertou a curiosidade da corporação? Já havia alguma investigação?
Essa informação mais detalhada sobre a investigação, sobre alguma atividade [do sargento], você consegue na corregedoria. O que posso dizer como gestor da instituição? São 22 mil policiais. Temos uma atividade de preservação da ordem, dos direitos e garantias fundamentais por meio do policiamento, que exige controle e gestão administrativa gigantescos. Essas questões que envolvem a vida pessoal do policial pegaram a gente também de surpresa. Se a gente tivesse alguma informação prévia, certamente já teria sido instaurado algo ou teria sido denunciado na corregedoria.
A gente precisa verificar se havia um procedimento apuratório antecedente, mas acredito que não, porque, se houvesse, a gente teria tido alguma informação a respeito disso, de outras denúncias anteriores, para dar uma resposta mais contundente em relação a isso. Acredito que não houve nenhum tipo de negligência por parte da instituição, porque o controle do que o policial faz fora da atividade policial não cabe a nós, a não ser que haja previamente algum indício de que ele esteja fazendo algo [ilícito], que esteja fazendo essa característica ser aflorada de maneira muito específica. Que entendo que não foi o caso.
A gente mesmo se assusta com o padrão de vida que o cara leva, com o veículo que ele tinha. É totalmente fora daquilo que é compatível com a nossa atividade policial. Agora, não significa que o policial não possa ter, desde que seja uma atividade lícita. Tem gente que consegue ter uma vida empresarial fora com a família e tem um padrão de vida além daquilo que a gente acha razoável para um policial, o que não é o caso do sargento, com certeza.
O senhor acredita que faltou uma postura mais contundente da corporação para se descolar da imagem ruim causada à PM após a prisão do sargento Ronie Peter?
Acho que não. Só tomamos conhecimento da ação quando o policial foi preso. Não temos controle das ações individuais de cada policial. Temos uma corporação gigantesca. Temos 22 mil homens, incluindo ativos e reserva remunerada, que têm ligação direta conosco e que podem, como indivíduos, dentro de suas responsabilidades e ações, cometer algum tipo de ilícito, como foi o caso desse garoto.
Mas isso, tem que deixar bem claro e a gente tem que ser responsável para dizer o seguinte, isso não é uma regra. É uma exceção. Nossos policiais são honrados, combatem o crime diariamente e executam centenas de ações diárias que a gente pode elencar, e que não são colocadas como relevantes.
Quando temos um fato que destoa, e não estou tirando a gravidade do fato com o sargento, pelo fato de a gente ser polícia, de a atividade ser de preservação da lei, quando acontece, repercute de maneira muito mais gravosa. A gente tem que ter muita responsabilidade para fazer análise disso e ver que não é um ato corriqueiro de policial militar ou integrante da corporação, é uma exceção.
O processo de entrada na corporação é rigoroso. Além das provas e testes, há uma investigação da vida pregressa dos candidatos. A corporação avalia tornar essa entrada ainda mais rigorosa? Há necessidade?
A investigação social é parte do cuidado que a corporação tem para ter nos quadros pessoas com condição sociopsicológica compatível com o que vai fazer. Não tem como objetivo investigar a vida do cara para não deixar entrar. É para ver se há algo incompatível com a atividade policial. Vai que esse pretenso policial tem um envolvimento, no passado, com algo ilícito que a gente desconheça? Isso precisa ser pesado, informado, e a gente precisa tomar a decisão.
Mas é um processo que ocorre em outras atividades do serviço público. Talvez, na polícia, isso seja feito com critério maior, pela natureza da atividade, que exige uma postura exemplar. A prova disso é o que está acontecendo agora. Somos humanos, falhos, e o ser humano, pela natureza dele, precisa estar sempre balizado pelo que é a legislação, o correto. Foi assim que a convenção social estabeleceu as regras de convivência.
Precisamos ter uma atenção especial pelo fato de sermos policiais. Essa cobrança do seguimento dessas regras de convivência, quando é um agente público, no caso de um policial, sempre vai ser muito mais exacerbada, muito mais cobrada, mais exagerada. Porque a natureza da nossa função exige isso. A função de quem cobra, de quem está ali para fiscalizar, quem está ali, de alguma forma, para coibir o acontecimento de algo ilícito. Quando você se coloca na posição de policial como um dos autores, ou um pretenso autor de algo dessa natureza, isso potencializa demais [o caso]. É ruim para a imagem da instituição, para os policiais que trabalham diariamente, que é a maioria esmagadora absoluta da nossa instituição. E todos nós ficamos, além de perplexos, tristes, porque atingir a imagem da corporação é nos atingir de maneira indireta.
O que dizem os investigados
Em nota, a defesa do sargento Ronie Peter informou que o cliente não teve "direito ao contraditório em razão de se tratar de uma investigação policial, que boa parte do procedimento investigatório tramita em sigilo", e que "tudo será esclarecido no curso do procedimento". Detalhou ainda: "Podemos afirmar que foram intimadas pessoas apontadas nas investigações como vítimas, contudo, após esclarecerem as transações comerciais para a autoridade policial, estas não tiveram seus depoimentos formalizados e foram dispensadas sem nenhum registro".
O advogado de Thiago Fernandes, irmão de Ronie, informou que "jamais houve qualquer imputação de constrangimento, por quem quer que seja, mediante violência ou grave ameaça, com o fim de recebimento de vantagem econômica indevida ao investigado, elementos imprescindíveis à configuração do citado crime". A defesa disse ainda que "o investigado vem colaborando com as investigações, inclusive no que tange à entrega de senhas de aparelhos eletrônicos".