Vídeo: polícia apreende lancha de sargento acusado de agiotagem
A Justiça também determinou a apreensão de uma moto aquática; os veículos eram ligados ao militar, que está preso
Brasília|Kelly Almeida, do R7, em Brasília
A Polícia Civil do Distrito Federal apreendeu, na manhã desta sexta-feira (3), uma lancha e uma moto aquática ligadas a Ronie Peter Fernandes da Silva, sargento da Polícia Militar do DF, suspeito de agiotagem e lavagem de dinheiro. Os veículos eram usados por ele durante passeios no Lago Paranoá. As apreensões ocorreram após decisão favorável da Justiça, que atendeu a um pedido de sequestro de bens feito pela PCDF. A lancha e a moto aquática foram levadas para o DPE (Departamento de Polícia Especializada).
Ronie Peter foi preso pela Polícia Civil do DF em 16 de novembro durante a Operação SOS Malibu. Ele emprestava dinheiro a juros altos e fazia a cobrança com violência, segundo a polícia. Investigações revelam que o militar usava empresas pequenas ou de fachada para fazer a lavagem do dinheiro.
A PCDF pediu o sequestro de três barcos de luxo, oito carros e 19 imóveis ligados ao militar. Os bens foram dados em garantia por pessoas que pegaram empréstimo e, depois, transferidos ao sargento Ronie Peter por vítimas que não conseguiram quitar as dívidas.
A investigação da DRF/Corpatri (Divisão de Repressão a Roubos e Furtos da Polícia Civil do DF) mostrou que o militar atuava havia pelo menos 15 anos com agiotagem. Durante a operação SOS Malibu, foram presas outras cinco pessoas, incluindo o irmão de Ronie, Thiago Fernandes da Silva, e o pai dos dois, Djair Baía da Silva. Os irmãos não faziam questão de esconder a vida de luxo que levavam. Nas redes sociais, ostentavam viagens internacionais a destinos paradisíacos, lancha, moto aquática e carros de luxo, em especial da marca Porsche.
Para usufruir essa vida luxuosa, o militar chegava a cobrar juros que ultrapassavam 10% ao mês. Por vezes, no entanto, cobrava os valores semanalmente ou a cada dez dias. Em caso de atraso no pagamento, havia uma multa diária, que se somava às dívidas das vítimas. Para obterem os valores, ele e seu irmão faziam ameaças às vítimas.
"Vou arrancar seu olho na mordida"
Áudios obtidos pelo R7 e pela Record TV mostram a violência com a qual agia o policial militar. Em uma das gravações, ele detalha que está atrás da pessoa e que vai procurá-la em todos os lugares, chegando a ameaçar arrancar seus olhos. “Se eu fosse você, se eu tivesse uma amizade com alguém, ligava e falava 'pelo amor de Deus, vai lá, acerta com o Ronie. Porque eu peguei dinheiro com o Ronie duas vezes'. Eu com a minha família aqui e você me ligou igual a um vagabundo, pedindo para eu transferir, e eu transferi na hora”, disse no áudio.
“Vou atrás de você na sua casa, onde você estiver eu vou te achar hoje. O U*** quer te matar também. [...] Eu vou morder seu olho, vou arrancar seu olho na mordida. Eu não vou só te espancar, não. Vou te arrancar os pedaços, vou morder seu olho se eu te achar”, diz o PM. As ameaças eram constantes nos áudios enviados por WhatsApp, o meio que ele usava para se comunicar.
Ronie e outras seis pessoas foram presas temporariamente no último dia 16. No dia 18, a polícia pediu que a prisão dele e do irmão, Thiago, fosse convertida em preventiva. "O pedido visa preservar a vida e a integridade física dos endividados e garantir a eficaz instrução, evitando o desaparecimento de bens dados como garantia e bens que serão objeto de medidas judiciais", detalha o pedido à Polícia Civil do DF.
A prisão temporária dos investigados venceu no dia 20 de novembro. Com isso, quatro pessoas deixaram a prisão. Ronie e Thiago, no entanto, permanecem presos por tempo indeterminado, já que o Judiciário atendeu ao pedido da Polícia Civil do DF para converter a prisão em provisória.
Movimentação milionária
Para tornar lícito o dinheiro obtido ao longo dos anos, o PM criou uma rede de empresas (existentes e de fachada) e pessoas para lavar os recursos. E as movimentações financeiras eram expressivas, da ordem de milhões de reais, apesar do salário de aproximadamente R$ 8 mil do militar. A situação chamou a atenção do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Relatório feito pelo órgão chegou a indicar agiotagem na atividade de Ronie. O órgão de fiscalização apontou movimentação financeira do militar incompatível com a renda declarada.
Conforme o Coaf, entre maio de 2017 e dezembro do ano passado, Ronie movimentou quantia superior a R$ 6 milhões em uma única conta-corrente. Um mercado em nome de Thiago e Djair movimentou R$ 8,5 milhões entre fevereiro e agosto deste ano. O valor é considerado incompatível com o porte da empresa, cujo faturamento é de R$ 30 mil mensais. Além disso, o Coaf indicou movimentação atípica de uma empresa de locação que, conforme investigação, não existe fisicamente, o que faz a polícia acreditar que se trata de uma empresa de fachada.
O que dizem os suspeitos
Em nota, a defesa do sargento Ronie Peter informou que o cliente não teve "direito ao contraditório em razão de se tratar de uma investigação policial, que boa parte do procedimento investigatório tramita em sigilo" e que "tudo será esclarecido no curso do procedimento". Detalhou ainda: "Podemos afirmar que foram intimadas pessoas apontadas nas investigações como vítimas; contudo, após esclarecerem as transações comerciais para a autoridade policial, estas não tiveram seus depoimentos formalizados e foram dispensadas sem nenhum registro".
O advogado de Thiago Fernandes, irmão de Ronie, informou que "jamais houve qualquer imputação de constrangimento, por quem quer que seja, mediante violência ou grave ameaça, com o fim de recebimento de vantagem econômica indevida ao investigado, elementos imprescindíveis à configuração do citado crime". A defesa disse ainda que "o investigado vem colaborando com as investigações, inclusive no que tange à entrega de senhas de aparelhos eletrônicos".
A defesa de Raiane Gonçalves informou que, além de nutricionista, ela é "empresária do ramo imobiliário, realiza compra e venda de imóveis e veículos de luxo" e que "no mês de junho de 2021 vendeu para Thiago Fernandes o veículo Porsche Carrera 911, de cor vermelha, pelo valor de R$ 740 mil. À época da venda do veículo, Thiago pagou parte do valor à vista e financiou o restante". Afirma que "só descobriu a não transferência do referido veículo junto ao órgão de trânsito competente com os últimos acontecimentos". A defesa diz ainda que ela vendeu outros três carros a Thiago e que "os valores foram pagos através de transferência bancária de titularidade da empresa TR Alimentos [um mercado em nome de Thiago e do pai]".
Os advogados da nutricionista confirmaram dois saques feitos por ela, um de de R$ 800 mil e o outro de R$ 530 mil. "Utilizando tais valores para realização de pagamentos diversos, os quais possuem comprovantes e que estão à disposição da Justiça", complementa a nota.
Em nota, a Polícia Militar do DF garantiu que "instaurou um procedimento apuratório sobre o caso de imediato" e que "não compactua com nenhum desvio de conduta de seus integrantes". E finalizou: "Comprovados os indícios de irregularidades ou crimes, todas as medidas cabíveis ao caso serão tomadas."
Os outros investigados não foram localizados pela reportagem.