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Por trás da "boa aparência": o racismo em números no mercado

No Brasil, país em que mais de metade da população é negra, apenas 5% ocupam cargos de chefia na lista das maiores empresas 

Economia|Nayara Fernandes, do R7

Mulheres negras constituem menos de 1% dos cargos de chefia no país
Mulheres negras constituem menos de 1% dos cargos de chefia no país Mulheres negras constituem menos de 1% dos cargos de chefia no país

“Precisa-se de moça de boa aparência para auxiliar de dentista. Rua Boa Vista, 11, primeiro andar.” O anúncio publicado no Estado de São Paulo em junho de 1914 contém uma expressão de uso bastante comum até 2006, quando foi proibida por viés discriminatório. Para 70% dos brasileiros, “boa aparência” não é apenas um código para cabelos lisos e pele clara, é um sintoma da discriminação racial ainda presente no país em que mais da metade da população se autodeclara negra.

“Precisamos refletir sobre o significado da compreensão de que vivemos em um país racialmente harmônico, que ainda está presente em nosso imaginário. Pela noção de democracia racial, dizemos que o racismo não existe e, se a população negra vive em desvantagem social, é porque não se esforçou o suficiente”, explica Giselle dos Anjos Santos, doutoranda em História Social pela USP e consultora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), organização pioneira na promoção da equidade racial e de gênero no mercado de trabalho no Brasil.

Da base ao topo, pirâmide corporativa muda de cor

Na área de recrutamento e seleção por quase uma década, a ex-recrutadora Marion Caruso vivenciou de perto as inconsistências entre discurso e prática relacionadas à aceitação racial dentro do mercado de trabalho. “Me pediam que não enviasse pessoas negras para a vaga porque tinham ‘cara de empregadinha’”. Com demandas como as que Marion recebia, não é difícil imaginar porque a expectativa de que o Brasil alcance a igualdade racial no mercado de trabalho é de 150 anos, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos em 2016.

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Os números não param de alarmar. Ainda segundo o Ethos, embora 54% da população brasileira seja negra, eles ocupam apenas 5% dos cargos de liderança nas maiores empresas do país. Quando se fala em mulheres pretas e pardas em altos cargos de chefia, esse índice chega a menos de 1%. O espaço para homens e mulheres negros vai se afunilando conforme os cargos vão ficando cada vez mais altos: na base da pirâmide corporativa, os aprendizes negros chegam a ultrapassar os brancos.

Presença racial nas 500 maiores empresas do Brasil
Presença racial nas 500 maiores empresas do Brasil Presença racial nas 500 maiores empresas do Brasil

Giselle explica que, ao longo da história, a sociedade brasileira se construiu nas bases do racismo. Daí, a desigualdade e falta de oportunidades. “Todos os indicadores sociais refletem as desigualdades colocadas”, explica a estudiosa. "A mulher negra tem 50% mais chances de estar desempregada do que qualquer outro grupo da nossa sociedade. É fundamental que pensemos em ações afirmativas que venham no sentido de superar as desigualdades históricas. ”

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O requisito de boa aparência é vetado por lei, mas ainda existe
O requisito de boa aparência é vetado por lei, mas ainda existe O requisito de boa aparência é vetado por lei, mas ainda existe

Mesmo que o número de estudantes negros nas universidades federais tenha triplicado na última década, garantindo a qualificação necessária para as vagas, a consultora e pesquisadora alerta que as barreiras começam muito antes do recrutamento. “Existe uma lógica de rede de informação e contato. Quando perguntados nos censos desenvolvidos pelo CEERT em diferentes instituições como ficaram sabendo de determinada vaga, os profissionais brancos respondem que souberam por parentes e amigos. A realidade é diferente para pessoas negras, cujos familiares geralmente trabalharam a vida toda no setor informal. ”

“Sim à igualdade racial”

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Com mais da metade da força de trabalho brasileira em situação de vulnerabilidade, as alternativas para reverter esse quadro histórico precisam se mostrar as mais urgentes e criativas. “Uma de minhas principais frases é: o racismo é burro. Se temos uma população predominantemente negra, temos uma demanda reprimida que quer ser atingida e tem capital para isso”, explica Tom Mendes, um dos responsáveis pelo Instituto de Identidades do Brasil (ID_BR), uma organização pioneira na aceleração da igualdade racial.

“Quando falamos sobre inserção de profissionais negros no mercado de trabalho, não estamos falando de baixar a régua. Estamos falando de contratar pessoas que enriqueçam a empresa com outras experiências e engajem mais consumidores. Diversidade gera lucro. ”

Quando falamos sobre inserção de profissionais negros no mercado de trabalho%2C não estamos falando de baixar a régua. Diversidade gera lucro

(Tom Mendes)

Entre iniciativas de empregabilidade e educação, como o estudo de diversidade dentro das empresas e oferecimento de bolsas de estudo para profissionais negros, a organização articula de perto com os principais CEO’s do país. Na lista das lideranças que compreenderam a importância de um quadro de funcionários mais diversos – e que trabalham diretamente com o instituto – estão nomes como Luis Mariano, da Avon, e Marc Reichardt, da Bayer.

“Entendemos que aproximar grandes líderes da causa da igualdade racial é umas iniciativas com maior relevância. Quando a liderança apoia, todo mundo vem atrás”, conclui Tom.

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