Cursinhos comunitários: jovens mudam a realidade na periferia
Estudante negro de Medicina dá aulas de Biologia e jovens da Brasilândia ajudam meninos e meninas a ingressarem nas escolas técnicas
Educação|Karla Dunder, do R7
José Wallison Sousa do Nascimento nasceu no Piauí, mas aos seis anos de idade deixou a terra natal para morar com a mãe e duas irmãs no Complexo da Maré, no Rio. O menino negro e periférico estuda medicina da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é professor de Biologia em um cursinho comunitário e quer ser referência para que outros meninos possam superar as barreiras e ingressar em uma universidade.
Em São Paulo, um grupo de jovens moradores da Brasilândia se uniu em torno de um sonho comum: contribuir para que mais estudantes de escolas públicas e moradores da periferia, assim como eles, tivessem a oportunidade de ingressar em Etecs (Escolas Técnicas Estaduais). Juntos criaram o Preparando o Futuro para complementar o conteúdo escolar do ensino fundamental e oferecer outras referências aos estudantes de escolas públicas do bairro.
Além das aulas e simulados de preparação para as provas, o Preparando o Futuro oferece orientação vocacional, de empreendedorismo e educação financeira para os meninos e meninas atendidos pelo cursinho.
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A história de Wallison e dos irmãos Tiago Almeida e Daniel Mariano são parecidas: jovens que superaram barreiras e hoje são referências aos estudantes da comunidade.
"Tenho muito orgulho de viver na Maré, ali criei a minha identidade", diz Wallison. "E quero me tornar uma referência para que que jovens como eu possam chegar a uma universidade e se quiserem sonhar com Medicina, tenham chances de ingressar no curso."
O interesse de Wallison e sua desenvoltura nos estudos chamou a atenção da diretora da escola. "Ela me dava aulas de reforço e consegui uma bolsa Ismart (que oferece bolsa de estudos em colégios de elite), passei e fiz o ensino médio no Colégio São Bento, percebi o quanto estava defasado e além do período integral, estudava a noite para compensar o conteúdo que não tinha aprendido."
Outra coisa chamou a atenção do menino da Maré: a falta de representatividade. "Eu e um colega éramos os únicos negros do colégio, havia um racismo velado, foram três anos difíceis para mim por muitos aspectos, mas consegui passar em medicina assim que completei o ensino médio."
"Fui o primeiro da família a ingressar em uma universidade e foi uma revolução na família e entre os meus amigos do bairro, que me perguntavam quais as minhas estratégias de estudo, " conta. Wallison dá aulas de Biologia em um cursinho comunitário, mas tem o planos mais altos: pretende criar um curso próprio para atender os jovens negros da Maré que querem estudar Medicina.
O jovem também foi um dos selecionados para o programa de Líderes da Fundação Estudar. "Tenho acesso a ferramentas para transformar o meu sonho em realidade."
Na Brasilândia, os jovens do Preparando o Futuro já transformam a realidade de meninos e meninas da região e como Wallison pretendem voar mais alto. Eles lançam a campanha O Sonho Saiu da Quarentena - Porque o Futuro não Pode Esperar para arrecadar fundos e ampliar a forma de atuação.
“Acreditamos na transformação pela educação, sempre contamos com o apoio de voluntários, e até esse ano não tínhamos um custo de funcionamento alto", explica Tiago, coordenador do cursinho. "Mas, agora com toda a reestruturação, principalmente por conta da pandemia, precisamos investir um recurso que para nós é muito alto, mas continuaremos convertendo isso em benefícios para os alunos e pensamos que em um ano ou dois podemos expandir para outras periferias,” completa Daniel.
A partir deste sábado (1º) até o dia 30 de setembro, através do sitepara arrecadar o valor deR$ 146 mil.
A campanha tem como objetivo ajudar os adolescentes a realizar o sonho de ingressar numa escola técnica, ter uma formação e oportunidade de emprego num futuro próximo. O Preparando o Futuro vai adaptar totalmente o seu programa de aulas à nova realidade do distanciamento social, o que permite atender os estudantes de maneira virtual ou semipresencial. A meta é atingir até o fim de 2021 cerca de 200 jovens.
Entre as ações, o cursinho pretende instalar uma Rede de intranet e WiFi comunitário com servidor próprio (que não consome dados móveis), cobrindo um território com cerca de 250 mil habitantes. O que permitirá que estudantes possam acompanhar as aulas pela plataforma do cursinho.
O Preparando o Futuro também quer adquirir equipamentos eletrônicos como notebook e tablets para o uso dos adolescentes, facilitando o acesso aos conteúdos educativos para quem não possui esses equipamentos.