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Como executores confessos de jovem negro ficaram livres por dias

Detalhes do caso Ahmaud Arbery na Georgia evidenciam o racismo estrutural, a persistência dos linchamentos e as distorções da Justiça dos EUA

Internacional|Cristina Charão, do R7

Ahmaud morreu em 23/2; homens que confessaram o crime foram presos em 7/5
Ahmaud morreu em 23/2; homens que confessaram o crime foram presos em 7/5

Ahmaud Arbery foi morto a tiros em 23 de fevereiro enquanto fazia seu treino de corrida numa estrada entre duas localidades do interior da Georgia, nos EUA. O corpo do jovem negro de 25 anos foi encontrado agonizando pela polícia. Ao lado dele, estavam dois homens brancos que relataram aos oficiais terem atirado em Arbery depois de decidirem sair de casa armados para "pegar o cara". Gregory e Travis McMichael, pai e filho, foram presos apenas 75 dias depois.

O tempo decorrido entre o assassinato de Ahmaud e a prisão de seus dois executores é chocante, mas não necessariamente uma surpresa. Crimes raciais enfrentam extrema dificuldade para serem solucionados em um país que, há apenas poucas décadas, ainda convivia com regras de segregação pela cor da pele.

Os detalhes da história do assassinato de Ahmaud Arbery e da tardia prisão de seus executores são reveladores neste sentido, além de denunciarem o racismo estrutural e a persistência dos casos de linchamento de pessoas negras nos EUA, em especial no sul do país.

Primeiro, só o relato dos autores do crime

Ahmaud morreu vítima de tiros disparados à queima roupa em uma estrada na localidade de Satilla Shores, um subúrbio típico de famílias brancas norte-americanas da cidade de Brunswick e distante poucos quilômetros do condado de Glynn, onde o jovem negro morava. Ele fazia sua corrida diária para "manter o corpo em dia, porque ele tinha sonhos", relatou a mãe, Wanda Cooper, à mídia local, lembrando que ele era um ex-atleta de futebol americano no colégio e nunca descuidou da saúde.


No mesmo dia, a polícia do condado de Glynn ouviu os McMichael. O depoimento, junto com chamadas que haviam sido feitas meia hora antes por outros moradores do bairro avisando que "havia um homem negro correndo pela estrada", foram os únicos registros sobre o crime.

Nas chamadas para o 911, ninguém relata que Ahmaud tenha cometido algum crime. Ele é apenas "um homem negro" passando pelo bairro e, segundo uma das ligações, a acusação foi que o "homem negro parou para observar uma casa em construção".


Gregory McMichael, um ex-policial e ex-detetive da Promotoria de Brunswick, relatou à polícia que, sabendo da presença de Ahmaud nas redondezas, voltou para casa e chamou seu filho Travis para que pegassem suas armas, entrassem no carro e fossem "atrás do cara".

Segundo o próprio Gregory, ele se referia a um homem que seria responsável por furtos recentes no bairro. Não há, segundo a própria polícia, nenhum registro de furto ou assalto em Satilla Shores nos 30 dias anteriores ao assassinato de Ahmaud.


Gregory relatou à polícia que ele e o filho entraram no carro e seguiram o homem porque ele teria a mesma descrição de um suposto ladrão que teria sido identificado por câmeras de segurança. Quando conseguiram fazer Ahmaud parar, ele teria sido agressivo quando perguntado o que ele fazia ali e, então, agredido Travis e agarrado a arma, que disparou.

Com o jovem negro, a polícia não encontrou nem arma, nem qualquer objeto que possa ter sido furtado.

'Estou correndo, não atire': manifestantes se reuniram em memorial para Ahmaud
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Três promotores depois, nenhuma acusação

A primeira promotora a assumir o caso, Jackie Johnson, declarou-se inapta a levar o caso adiante, uma vez que Gregory McMichael havia trabalhado com ela no escritório da Promotoria de Brunswick.

Semanas depois, o inquérito chegou às mãos do promotor da cidade de Waycross, George Barnhill. Ele escreveu uma carta à polícia, dizendo que não decretaria a prisão dos McMichael porque eles teriam agido segundo uma lei da Geórgia que permite aos cidadãos comuns prenderem pessoas ao testemunharem crimes e teriam agido em legítima defesa.

Barnhill acabou se afastando do caso depois que Wanda Cooper, mãe de Ahmaud, tornou pública outra conexão entre os envolvidos no inquérito. O filho do promotor Barnhill trabalha com a primeira promotora do caso, Jackie Johnson.

Por fim, o caso do assassinato de Ahmaud chegou à mesa de Tom Durden, promotor na cidade de Hinesville. Ele prometeu levar a decisão de abertura de inquérito por assassinato a um grande júri. [Diferente do Brasil, é possível chamar um júri apenas para decidir se uma acusação será feita ou não.]

Para o comentarista da rede de TV CNN, John Blake, o caso de Ahmaud deixa evidente que as leis que admitem o direito de autodefesa e de "prisão cidadã" servem para vitimar a população negra. Jornalista especializado em direitos de minorias, ele cita estudos acadêmicos que indicam que estas leis refletem um tempo em que homens brancos podiam torturar e matar negros sem qualquer tipo de sanção.

Um vídeo do crime

Os registros feitos pela polícia do condado de Glynn no dia 23 de fevereiro foram os únicos disponíveis até que o vazamento de um vídeo mostrando o momento em que Ahmaud é interceptado pelo carro dos McMichael.

Nas imagens, é possível ver Travis com o rifle do lado de fora do carro, que está atravessado na estrada. Gregory está de pé, em cima da caçamba da picape branca, com uma pistola na mão.

Ahmaud tenta dar a volta no carro pelo acostamento. Ele é então abordado por Travis e tenta se desvencilhar. Ouve-se um disparo. Gregory, de cima da picape, dispara três vezes mais, em direção a Ahmaud. Nos segundos seguintes, Travis solta o jovem negro, que cambaleia e cai no meio da estrada.

As imagens surgiram no domingo (3), 71 dias após a morte do jovem. A mídia norte-americana informa que a gravação teria sido feita por uma terceira pessoa, citada nos autos apenas como Rodie.

No relatório da polícia, este terceiro homem teria dito que estava na picape com Gregory, mas a gravação é feita de um segundo carro. Os advogados da família de Ahmaud Arbery acreditam que Rodie teria participação direta na perseguição e na emboscada que resultou na execução.

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Dois presos

A prisão dos dois executores de Ahmaud ocorreu na quinta-feira (7), véspera do que seria o 26º aniversário do jovem morto. Ela foi executada pelo GBI — o equivalente ao FBI na Geórgia. O escritório de investigações especiais foi acionado no dia anterior pelo governador do estado, Brian Kemp, em meio a pressões crescentes após o vazamento do vídeo.

Apesar da complexidade do caso, que pode ser enquadrado como crime de ódio, o GBI não havia sido acionado pela polícia do condado de Glynn, nem tampouco se manifestado antes desta semana. Isso só aconteceu após a divulgação do vídeo e a realização de manifestações online e nas ruas da Georgia.

Figuras como o jogador de basquete LeBron James e o presidenciável Jon Biden se manifestaram e grandes organizações de direitos humanos convocaram uma mobilização online em torno da hashtag #IRunWithMaud ("eu corro com Maud", em tradução livre).

Segundo o GBI, os McMichael são acusados de homicídio e agressão agravada.

Para a família, advogados de direitos humanos e muitos dos que defendem os direitos da população negra, não há dúvidas sobre o que aconteceu. "Sempre que alguém pula na traseira de uma caminhonete com pistolas e rifles para perseguir um jovem, segue este jovem e abate este jovem como aconteceu, isto é linchamento", disse o pai de Ahmaud, Marcus Arbery, logo após a prisão dos McMichael.

Até o momento, nenhuma motivação racial apareceu nas declarações oficiais.

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* Esta reportagem opta por não disponibilizar as imagens da execução de Ahmaud Arbery por crer que, para além da natureza violenta, a sua divulgação pode servir à propagação de mensagens de ódio.

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