'Pensei que tudo estava acabado para mim', diz afegã sobre o retorno do Talibã ao poder
Afeganistão voltou a ser governado pelo grupo extremista há dois anos, e a vida de toda a população foi impactada
Internacional|Do R7
Para muitos afegãos, em particular as mulheres, a vida mudou drasticamente com o retorno ao poder do Talibã, há dois anos, e o fim de duas décadas de guerra contra o Exército dos Estados Unidos e seus aliados.
Quatro afegãos, duas mulheres e dois homens, contam à agência de notícias AFP o impacto das mudanças em seu dia a dia.
A empresária
Arezo Osmani, de 30 anos, recorda que ficou "aterrorizada e triste" quando os talibãs retornaram ao poder, com a promessa de impor uma interpretação severa do islã.
"Não saí do meu quarto durante dez dias, pensei que tudo estava acabado para mim, assim como para todos os afegãos", conta.
Poucos meses antes, em fevereiro de 2021, Arezo havia inaugurado um negócio de produção de absorventes reutilizáveis.
A empresária, que chegou a ter 80 funcionárias, decidiu fechar o negócio devido à incerteza provocada pelo retorno dos talibãs ao poder.
Porém, dois meses depois, ela reabriu a empresa. O setor privado é um dos poucos restantes em que "as mulheres podiam trabalhar", explica.
"Lentamente, nós acostumamos com as condições e, felizmente, como somos uma empresa e trabalhamos na área da saúde, conseguimos prosseguir com nosso trabalho. Eu me sinto bem agora”, afirmou.
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Sob o regime talibã, as mulheres foram excluídas de ONGs e da maioria dos postos de trabalho no setor público.
As autoridades ordenaram em julho o fechamento de todos os salões de beleza, uma importante fonte de renda para muitas mulheres.
A redução das atividades das ONGs estrangeiras afetou consideravelmente a empresa de Arezo, porque suas principais clientes são de fora do país. Atualmente, ela emprega 35 pessoas.
"No momento, não temos contratos nem compradores... Se não conseguirmos vender os absorventes, vai ser difícil continuar o trabalho, mas estamos tentando permanecer de pé", disse esta mãe, que tem dois filhos.
O agricultor
Rahatullah Azizi admite que, desde o fim dos combates, a segurança melhorou no país.
"Aconteceram muitas mudanças desde agosto de 2021", afirma. "Antes era a guerra, agora está tranquilo", acrescenta o agricultor, de 35 anos, que vive na província de Parwan, ao norte de Cabul.
O conflito armado deixou quase 38 mil mortos e mais de 70 mil feridos civis entre 2009 e 2020, segundo um relatório anual da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão.
Apesar do cenário mais tranquilo, o agricultor continua preocupado.
A economia afegã, já abalada por décadas de guerra, enfrenta uma crise após o corte de bilhões de dólares de ajuda internacional devido à tomada de poder pelo regime Talibã.
A produção econômica desabou, e quase 85% dos afegãos vivem na pobreza, indica o relatório mais recente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A seca e os gafanhotos também devastaram as colheitas do país.
"As pessoas já não compram tanto os nossos produtos", declarou Azizi, que plantava em pouco mais de 1 hectare de terra arrendada.
"Antes, eu vendia 7 quilos de tomates por 200 afeganes (cerca de R$ 11,20), mas agora vendo por apenas 80 afeganes", acrescenta o agricultor, que espera ver os filhos estudarem em uma universidade.
O combatente talibã
Para Lal Muhammad, de 23 anos, o retorno ao poder dos talibãs significou maior estabilidade econômica.
Quando ele entrou para o movimento, há quatro anos, se acostumou a lutar longe de casa.
Hoje, Muhammad é um oficial da polícia da segunda maior cidade do país, Kandahar (sul), e recebe mais de 12 mil afeganes (cerca de R$ 684 reais) por mês.
O salário é "suficiente" para alimentar a família, mas ele afirma que nunca sonhou em ter muitos carros nem ganhar muito dinheiro.
"Meu sonho era estudar e trabalhar para o governo do Emirado Islâmico (nome que as autoridades atribuem ao governo). Ficarei até o fim", promete. "Graças a Deus, retornaram", completa.
O movimento Talibã, criado em Kandahar, governou o país entre 1996 e 2001.
"Estamos muito felizes. Não temos problemas, não há guerra nem combates. Estamos servindo ao Emirado e ao nosso povo", disse.
Ex-estudante de Medicina
Quando pensava em seu futuro, Hamasah Bawar imaginava que trabalharia no setor médico do país.
Os sonhos acabaram com o retorno do Talibã, que vetou o acesso das mulheres às universidades e às escolas do país.
"O fechamento das universidades foi devastador, não apenas para mim, mas para todas as minhas colegas de turma. Estamos quebradas, e é a pior coisa que poderíamos imaginar", afirma a ex-estudante, de 20 anos.
"Se uma menina tem educação, toda a sua família tem educação. Se uma família tem educação, toda a sociedade tem educação... Se não estudamos, uma geração inteira ficará analfabeta", disse a jovem, que mora em Mazar-e-Sharif, norte do Afeganistão.
Antes do retorno do Talibã, Hamasah estagiava em uma clínica. Mas as autoridades fecharam o centro médico.
"Como eu quero um futuro melhor, para minha educação, não tenho outra opção a não ser deixar o Afeganistão", afirma. "Não sou apenas eu, todas as meninas e mulheres do Afeganistão querem sua liberdade de volta", conclui.