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Desejo de matar

Mataram Pedrinho Matador. No currículo do assassino, as vítimas ultrapassaram o número de cem

Arquivo Vivo|Por Percival de Souza, da Record TV


Pedro Rodrigues Filho, aos 68 anos, recebeu o título de serial killer, campeão brasileiro no estilo. No rastro sangrento das vítimas, a maior parte delas perdeu a vida dentro da prisão. Pedrinho era um homicida encarcerado. Tombou sob muitos tiros disparados por encapuzados, um deles com máscara de Coringa, perto da casa da irmã, em Mogi das Cruzes. Passou 42 anos preso. Foi morto cinco anos depois de deixar o cárcere. Colheu o que semeou.

Pedrinho Matador, este o seu apelido, foi enigmático personagem a ser decifrado. A psiquiatria não conseguiu dar conta do recado, como aliás é de praxe no sistema prisional, já que cabe a ela elaborar o diagnóstico que servirá de base fundamental para uma decisão judicial: liberar ou manter preso? Foi perigoso, mas deixou de ser? A periculosidade chegou ao fim ou ainda há riscos para a sociedade? É imputável, inimputável ou semi-imputável? Apresenta condições de voltar ao convívio social? Diga-se num laudo, muitas vezes padronizado e superficial.

São essas as perguntas de praxe. Em tese, as respostas exigiriam embasamento científico, o que nos faz lembrar Cesare Lombroso, Franco da Rocha e Nina Rodrigues, entre outros, e também o psiquiatra Tarciso Leonce Cintra, que dirigiu por longos anos a extinta Casa de Custódia e Tratamento, em Taubaté, sem contar os que diziam sim ou não no antigo Manicômio Judiciário. Sim e não, entretanto, podem ser irmãos. Como saber?

Leia mais: Pedrinho tirou a vida do próprio pai e de mais 100 pessoas


A tendência psiquiátrica, hoje, é a de eliminar o tratamento manicomial, ou seja, empregar outros métodos, fora do encarceramento, para os portadores de variados tipos de distúrbios mentais. Escrevi um livro sobre isso, A Revolução dos Loucos. Tempos atrás, era predominante o chamado duplo binário, isto é, aplicava-se as penas e a seguir uma complementar medida de segurança detentiva. Traduzido: a pena era cumprida e, se fosse considerada contínua a periculosidade, prorrogava-se a internação, que poderia até ser infinita, a depender do laudo psiquiátrico. Alguns advogados preferiram adotar essa alternativa no julgamento: se aceita a tese de inimputável, não ser capaz de discernir o que fazia, o defensor poderia dizer que não havia “perdido” o julgamento, algo que considerava importante para o seu histórico profissional.

O jovem Pedrinho, nos anos 70
O jovem Pedrinho, nos anos 70

Encaixar Pedrinho Matador na discussão criminoso doente, ou doente criminoso, não é nada fácil. Já se provou que nem sempre é possível garantir. E quando nada se garante, injustiças podem ser cometidas. Exemplos, existem vários — desde o esquartejador de mulheres, o “Chico Picadinho”, apelido dado na prisão a Francisco Costa Rocha, até João Acácio Pereira da Costa, o “Bandido da Luz Vermelha”.


Onde fica o serial killer? Não se conseguiu responder com exatidão. Máximo de tempo na prisão, como determina, com limites, o Código Penal, é uma coisa. Periculosidade é outra. Se não fosse assim, Pedrinho poderia ter sido solto bem antes. Portanto, não cabem sofismas.

MATADOR PRECOCE


É preciso saber, então, quem foi Pedrinho. Cartesianamente, deixando de lado os espessos mantos da fantasia, sob crivo político ou ideologizado, insuficientes para explicar o que acontece, com múltiplas variantes, na sociedade.

O primeiro alvo foi o subprefeito de Alfenas (MG), que ele matou por ter demitido seu pai do cargo de vigilante de uma escola, de onde desapareceram merendas. Não era verdade, o ladrão foi descoberto depois do crime vingador.

Dentro da prisão — ele passou por várias — foi registrado o maior número de mortos. Nessa matança, Pedrinho dizia ter adotado um critério profilático, imaginando que o extermínio representasse um bem para a sociedade, que assim ficaria livre de pessoas nocivas. Isso passou a ser feito, “mato por prazer”, conforme tatuagem feita no seu braço, exibida com orgulho.

As vítimas eram das mais variadas. Na cadeia, matou um companheiro de cela por se queixar que ele “roncava demais”. Outro perdeu a vida, esfaqueado dentro de um camburão, a caminho do Fórum, porque era “bicho ruim”. Pretendia ser um maniqueísta, “matador do bem”.

Com essas características, sempre procurando justificar-se, Pedrinho não se considerava um caçador de justiça, mas sim um vingador. Quem fez, tem quer pagar, dizia com seus contraditórios argumentos.

O vingador adotava critérios personalizados, segundo sua mente indecifrável, como a escolha prévia das vítimas, e o planejado momento da execução. Foi assim com seu próprio pai, num dos casos mais violentos.

A mãe de Pedrinho foi morta pelo companheiro com 21 facadas, o que deixou o vingador-matador furioso. Tempos depois, encontrou-se com o pai assassino da mãe, dentro da própria prisão onde ambos estavam.

Pedrinho calculou o dia e a hora do que seria o ato que seria o mais macabro. No pátio, sem ninguém por perto, que eventualmente pudesse interferir, tirou a vida do pai com sucessivas e profundas facadas. Fez questão de deixar uma dilacerante marca registrada, uma assinatura simbólica do crime. Foram 21 facadas, o mesmo número com que a mãe foi golpeada até morrer. Com o pai já sem vida, abriu-lhe o tórax e retirou o coração, a ponta de faca, mastigando parte dele em seguida. A cena repugnou os próprios presos. Pedrinho, mais do que respeitado como prisioneiro, tornou-se muito temido, visto como um terrível exterminador.

Marcelo Rezende entrevistando Pedrinho Matador
Marcelo Rezende entrevistando Pedrinho Matador

Como encontrar algum tipo de significado para esse caso? Tarefa tida como impossível para quem quisesse decifrar a esfinge. Se ele pretendeu dizer alguma coisa com isso, o segredo foi para o túmulo, aliás em concorrido e surpreendente enterro.

Pedrinho teve um espelho para se inspirar? Não se sabe, nem se saberá. Passou por perguntas, exames, tentativas de compreender a personalidade. Uns, como se imaginassem possuir a chave para o mistério, tiveram o defeito de pensar que fossem mais importantes do que a realidade. Como o próprio Pedrinho, alimentavam a crença de que seria exclusivamente deles a responsabilidade para uma grande missão. Pedrinho tatuou que matar era seu prazer. Freud, o pai da psicanálise, procurou explicar: o ser humano poderia ter um a vida mais prazerosa desde que perdesse a ilusão da eternidade.

O critério freudiano não foi adotado, mas se Pedrinho quisesse mesmo desligar-se do infinito, sua representação do prazer em tatuagem poderia – não vou a me atrever a dizer que tenha sido – traduzir o desfrute do seu dia a dia na prisão com ímpeto incontrolável de matar. E dentro da prisão, a faca, o punhal, o estilete são passaportes entre a vida e a morte. A lei é outra. Moral também. Critérios são seletivos. Presos agrupados ou solitários. Amedrontar para sobreviver. Atacar e defender-se. Aqui fora, não se entende essa exclusiva Lei do Cão, particularíssima.

A longa história de Pedrinho é assustadora. A fera tinha como característica principal ser mortífero impiedoso. Paralelo só na ficção, por meio do ator Charles Bronson, no filme “Desejo de Matar”, também matador e vingador, porque sua esposa foi assassinada durante assalto e a filha estuprada pelos bandidos. Pedrinho tem no gene a reminiscência de, ainda menor de idade, beber goles de sangue de boi após o abate do animal.

Ponto final: encheram-no de tiros. Já inerte, cortaram o seu pescoço com golpe profundo. O que quer dizer esse ritual, só os assassinos encapuzados poderiam dizer. Quando e se forem presos. Ou nunca.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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