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Intoxicação por bebidas adulteradas e alimentos: implicações jurídicas

O consumo que adoece: da negligência ao crime

Direito e Vida Real|Stefanny FeresOpens in new window

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LEIA AQUI O RESUMO DA NOTÍCIA

  • Nas últimas semanas, episódios de intoxicação por bebidas adulteradas têm gerado internações e até mortes.
  • Mais de 60 alunos em Minas Gerais apresentaram sintomas de intoxicação alimentar em uma escola, aumentando as preocupações sobre a segurança alimentar.
  • A legislação brasileira prevê sanções para quem fabrica ou vende bebidas e produtos alimentícios nocivos e pode responsabilizar tanto fabricantes quanto comerciantes.
  • A importância de políticas de fiscalização e educação sanitária é destacada para prevenir novas tragédias e proteger a saúde pública.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Bebidas contaminadas geraram alerta à sociedade brasileira. Pixabay

Nas últimas semanas, episódios de intoxicação de bebidas alcoólicas por metanol têm chamado atenção da sociedade e das autoridades públicas. O que deveria ser um momento de lazer e descontração terminou, muitas vezes, em internações hospitalares, danos à saúde e até mortes. As notícias põem holofote sobre a banalização de práticas ilícitas no comércio de bebidas, revelando falhas de fiscalização, além da afronta aos direitos fundamentais à vida, à saúde e à segurança do consumidor.

Outro caso que foi alarmante ocorreu em uma escola estadual, noticiado no dia 8 de outubro, em Ibirité, Minas Gerais, onde mais de 60 alunos apresentaram sintomas de intoxicação alimentar. O caso ainda está em apuração pela Secretaria de Educação de Minas Gerais.


O metanol

Segundo o Ministério da Saúde, “o metanol é um solvente altamente tóxico, utilizado em produtos industriais. Ele não é feito para o consumo humano. Quando ingerido, o corpo o transforma em substâncias ainda mais tóxicas, como o formaldeído e o ácido fórmico, que podem causar danos severos à saúde, levar à cegueira e até à morte”.

A quebra de confiança

Embora tenhamos leis específicas para proteger a sociedade, a saúde pública, as relações de consumo e até mesmo o meio ambiente (tendo em vista o metanol em si), é inesperado um momento de lazer gerar consequências graves à saúde, com uma internação hospitalar. Diante da repetição de casos, houve queda no consumo de bebidas, deixando clara a desconfiança do consumidor, pelos produtos não oferecerem a segurança esperada por ele.


No caso ocorrido em Minas Gerais, sobre intoxicação alimentar dos estudantes, há também uma grande preocupação por envolver a responsabilidade da escola e do Estado, tendo em vista se tratar de uma escola estadual, gerando também desconfiança por se tratar de um ambiente do qual se espera segurança.

Aspecto legal

A Constituição Federal determina no artigo 196 que:


“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

(Constituição Federal)

O direito à alimentação é reconhecido pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, colocado como prioridade entre os direitos do cidadão, como direito social.

A Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, cria o Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências, para que se respeite o direito à dignidade da pessoa humana e que haja segurança alimentar e nutricional da população por atos do poder público, contando com a participação da sociedade, mediante programas e políticas públicas.


Para que os programas e políticas públicas sejam criados e cumpridos, prevê o artigo 2º, §2º da Lei nº 11.346/06 que: É dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade.

Da segurança alimentar

“A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”, é o que está transcrito no artigo 3º da Lei nº 11.346/06.

A aplicação desta lei decorre de vários fatores, como:

  • Ampliação do acesso aos alimentos, inclusive por meio de acordos internacionais, a fim de evitar a escassez;
  • Garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos;
  • Acesso à informação, conforme a transparência que o Estado deve proporcionar à sociedade.

O Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar) é formado por um conjunto de órgãos e entidades da União, dos estados, do Distrito Federal e municípios para que seja garantida a segurança alimentar e alimentação adequada, como:

  • a Consea (Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) é um órgão para assessorar o presidente da República, que a este propõe diretrizes e prioridades;
  • a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, composta por Ministros de Estado, sendo um órgão de execução da segurança alimentar.

Aspecto penal

O Código Penal prevê alguns crimes cabíveis para os casos:

  • Crime de lesão corporal - a partir do artigo 129, do Código Penal, que busca proteção à saúde e integridade física das pessoas, que será violada quando o agente ofender/agredir a atividade funcional do corpo ou prejudicar a saúde de alguém (seja física ou psiquicamente).

O crime de lesão corporal varia de acordo com a gravidade do crime, ou seja, será de natureza grave quando o agente põe em risco a vida da vítima; gravíssima, quando há morte, por exemplo.

  • Perigo para a vida ou saúde de outrem - artigo 132: expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, com pena de detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave;
  • Adulteração de substância alimentícia ou medicinal - artigo 272: Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios. Trata-se de “corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.”

Esse crime incide sobre aquele que fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado: significa infectar, modificar para pior, alterar a substância para algo genuíno, reduzindo o valor nutritivo ou transformar a bebida ou alimento naquilo que é nocivo à saúde.

É cabível a penalização tanto para quem pratica esse crime em relação a alimentos, como para bebidas, sendo alcoólicas ou não.

O aspecto penal é relevante devido ao bem que se protege desses crimes: a saúde pública, o que há em comum entre esses crimes é o crime de perigo, isto é, há uma probabilidade de dano.

Análise pelo Código de Defesa do Consumidor

O CDC - Código de Defesa do Consumidor - determina a responsabilidade, que pode ser por vício do produto e do serviço. Cabe, nesse texto, falarmos sobre o vício do produto.

O direito do consumidor possui absoluta conexão com os casos de intoxicação, pois decorrem de relações de consumo (fabricantes, fornecedores, comerciantes, escola e Estado) e consequências legais, como é o caso do artigo 927 do Código Civil, que deixa clara a responsabilidade por dano causado a outrem por ato ilícito, havendo necessidade de reparação do dano, mesmo não havendo culpa:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

(Código Civil)

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

(Código Civil)

O Código de Defesa do Consumidor também deixa clara a questão da responsabilidade:

“ Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”

(CDC)

O vício do produto existe quando há um problema oculto no produto, tornando-o impróprio para consumo. É o caso de:

  • produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
  • os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação - como o caso das bebidas adulteradas;
  • os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Nesses casos, a responsabilidade é solidária (de todos) para os envolvidos - fornecedores, fabricantes, produtor, inclusive o comerciante. Assim, tanto o produtor quanto o bar, restaurante ou loja que comercializa a bebida podem ser acionados judicialmente. O consumidor lesado tem direito à reparação integral — material, moral e, quando for o caso, estética.

Qual o entendimento do Superior Tribunal de Justiça?

No Recurso Especial - REsp 1.899.304 foi discutido o dano moral de um consumidor por ter encontrado fungos em um pacote de arroz, alegando que isso colocaria sua saúde em risco. No entanto, a decisão foi de que o dever de reparar decorre da existência de dano real e não poderia ser baseado em dano hipotético. O que não ocorreu nos casos de intoxicação por ingestão de bebida e, menos ainda, na intoxicação escolar, pois houve um dano real às vítimas/consumidores.

Já no REsp nº 1.968.143/RJ, alegaram a existência de “corpo estranho” em bebida, trazendo a responsabilidade tanto para os fabricantes como para o comerciante. Entretanto, o Tribunal excluiu a responsabilidade da empresa comerciante, pois isso só seria possível se não houvesse a identificação clara dos fabricantes do produto e por ter sido provado que não houve má conservação do produto.

Um brinde à consciência

Casos revelam uma crise ética e negligência sanitária, persistindo, desta forma, o risco de novas tragédias relativas à adulteração e possíveis danos à saúde também decorrentes de intoxicação alimentar. O Direito, por sua vez, não pode agir apenas de forma repressiva; é preciso fortalecer políticas de fiscalização, educação sanitária e conscientização do consumo responsável.

A intoxicação por bebidas adulteradas é um lembrete doloroso de que a vida humana não pode ser tratada como subproduto de um negócio. Trata-se de saúde coletiva, e mais, de dignidade, de vidas!

Essas ocorrências devem nos lembrar sobre a responsabilidade estatal, não só sobre produtores, fabricantes, fornecedores, comerciantes. Assim como não se trata apenas de pessoas como consumidoras, e sim da dignidade e integridade da pessoa humana, protegida por leis, pela moral e pela sociedade.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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