Por que o transporte coletivo ainda não acompanha as necessidades do brasileiro?
Resistência à mudança e modelos antigos fazem com que o transporte coletivo ainda fique atrás das demandas da população
Espaço Prisma|Por Danilo Tamelini*

Quando se fala em inovação, é comum associar a palavra a setores jovens, digitais e de rápida transformação, como fintechs ou health techs. Mas existe um universo inteiro de serviços considerados “tradicionais” — transporte, energia, logística e construção — em que a inovação enfrenta um obstáculo muito maior do que a tecnologia em si: a cultura estabelecida.
No transporte de pessoas, setor em que atuo há quase duas décadas, essa resistência é evidente. O modelo de operação foi desenhado há mais de 50 anos e, por muito tempo, parecia intocável. Linhas, horários e concessões eram organizados de forma quase imutável, como se o passageiro tivesse que se adaptar ao sistema — e não o contrário. Um relatório do Banco Mundial estima que, em São Paulo, 34,8 % das viagens diárias são feitas em transporte público (ônibus, metrô ou trem), e no Rio de Janeiro esse número é de 47,3 %.
Quando surgem novas empresas propondo otimização com base em dados, uso inteligente da frota e serviços sob demanda, o embate não é apenas com a concorrência, mas com a lógica de um setor que acredita que “sempre foi assim”.
Empreender nesse contexto significa negociar com reguladores que muitas vezes ainda não possuem estruturas jurídicas para lidar com novos modelos. Significa dialogar com operadores que veem a tecnologia como ameaça e não como aliada. E, principalmente, significa conquistar o passageiro, que até pouco tempo não se via como consumidor ativo capaz de exigir melhorias de quem o transporta diariamente.
Esse é um ponto crucial: inovar em mercados tradicionais não é só implementar tecnologia, mas alterar expectativas. É abrir espaço para que um usuário de transporte coletivo entenda que pode ter rotas personalizadas, qualidade no serviço e previsibilidade de custos. E é mostrar para as empresas que contratar soluções de mobilidade não precisa ser sinônimo de altos gastos e baixa eficiência.
Há, claro, um lado positivo nesse processo: a barreira de entrada é alta, mas, uma vez superada, o espaço para crescimento é sólido. Quando a inovação se comprova eficaz em setores conservadores, a adesão ganha tração rapidamente, justamente porque resolve dores históricas.
O desafio de empreender em um mercado tradicional, portanto, é duplo: desconstruir crenças e construir soluções. O primeiro passo exige paciência, resiliência e diálogo constante. O segundo, pragmatismo — afinal, em setores essenciais, promessas não bastam. O que sustenta a mudança é a capacidade de mostrar, em dados e resultados, que é possível conciliar tradição e inovação para entregar algo melhor.
Respeitar a tradição de setores essenciais é importante — mas a tradição não pode justificar estagnação. O futuro do transporte coletivo e de outros serviços fundamentais depende de nossa capacidade de aliar inovação à cultura existente, entregando algo verdadeiramente melhor à sociedade.
*Danilo Tamelini é cofundador e presidente de uma empresa líder em soluções de gestão de transporte compartilhado com operações em diversos países
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