Apenas um terço dos boletins de ocorrência é investigado em SP
De acordo com a SSP, 78% do orçamento das polícias foi para o registro de ocorrências e o que sobrou foi usado para a solução dos inquéritos
São Paulo|Ugo Sartori, do R7*
Dados obtidos com exclusividade pelo R7 por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) mostram que apenas um terço dos boletins de ocorrência registrados em 2017 virou inquérito policial.
De 1.242.180 ocorrências lavradas nas delegacias paulistas no ano passado, 396.560 (32%) foram investigadas pela Polícia Civil do Estado de São Paulo. Do total, 3.294 são registros de homicídios dolosos dos quais, segundo o estudo do Instituto Sou da Paz, 34% viraram denúncia e somente 5% foram julgados.
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"Hoje, a Civil conta com cerca de 2.200 delegados. Em um ano, ela registra cerca de 4.500 inquéritos abertos, então, cada delegado teria que investigar quase 2,4 crimes por dia. Isso é humanamente impossível", afirma Raquel Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo.
De acordo com a SSP (Secretaria de Segurança Pública), o investimento contínuo em segurança permitiu ao Estado de São Paulo alcançar a menor taxa de homicídio do país: 7,23 casos por 100 mil habitantes. Segundo a instituição, todos os casos investigados são encaminhados ao judiciário, a quem compete acolher ou rejeitar os inquéritos. A secretaria também diz que houve esclarecimento de 66,1% dos 46,9% dos inquéritos de homicídios instaurados com autoria desconhecida no Estado. E ainda afirma que a média nacional é de apenas 4%.
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Diferença de orçamentos
O governo do Estado de São Paulo repassou R$ 18,4 bilhões para as polícias Militar, Civil e Técnico-Científica durante 2017. Desse valor, 78,6% foi destinado para a Polícia Militar. Cerca de R$ 14,5 bilhões foram investidos no patrulhamento e na repressão ao crime.
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O equivalente a R$ 3,9 bilhões (21,4%) foi destinado para a investigação desses crimes, responsabilidade constitucional da Polícia Civil. Já a Polícia Técnico-Científica, também responsável pelas investigações técnicas e perícias, recebeu 3,12% do montante, o que corresponde a R$ 576 milhões.
Para especialistas, além do dinheiro e do efetivo, os indicadores da "produtividade policial" divulgados pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) também demonstram a falta de interesse do governo. "O Estado de São Paulo tem priorizado menos a Polícia Civil. Quando olhamos os indicadores que monitoram os serviços, tem muito mais dados do trabalho da PM do que dos trabalhos da Civil ", afirma Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz.
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"É uma questão política. A PM nas ruas é um investimento do governo que aparece muito mais para a população, do que o trabalho investigativo da Civil, que, muitas vezes, não pode aparecer", disse Raquel Kobashi Gallinati.
Nos últimos três anos da gestão do governador Geraldo Alckimin (PSDB), houve reajuste no investimento do Estado nas três polícias, mas sempre com prioridade para Polícia Militar. De acordo com o governo, o orçamento das polícias é usado para pagar o quadro de funcionários, estrutura e operações de cada instituição. Atualmente, a Polícia Militar conta com 83.441 agentes, a Polícia Civil com 28.314 e a Técnico-Científica com 3.278.
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Em nota, a SSP afirma que segue investindo no reforço e modernização da investigação policial e que em 2017, mais de R$ 18 milhões foram repassados aos cofres da Polícia Civil para reparos de 120 delegacias. O orçamento da instituição vem sendo ampliado. Somente no ano passado o aumento foi de 3%, enquanto os investimentos tiveram incremento de 166%.
Operações
A Polícia Militar utiliza 20% de seu orçamento, cerca de R$ 2,9 milhões, para custeio de suas operações, as quais estão voltadas ao trabalho nas ruas e registro de boletins ocorrências. Já a Polícia Civil utiliza apenas 0,001% do seu repasse, cerca de R$ 42 mil, nas investigações desses boletins de ocorrências.
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"A Polícia Civil tem uma situação mais precarizada, ela precisa de investimento em estrutura, tecnologia, administração, modernização da formação policial. Precisa ser uma polícia muito mais voltada para a gestão da informação e da investigação", afirma Carolina Ricardo. "A PM, por outro lado, tem uma estrutura muito boa. Mas o investimento em uma não precisa significar - e não deve significar - o esvaziamento da outra."
Outro lado
Em nota a SSP, afirmou que é importante ressaltar que a Polícia Civil e Polícia Militar possuem formas distintas de trabalho, dessa forma, a comparação entre as duas é equivocada.
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Sobre a quantidade de inquéritos, a secretaria diz que é preciso esclarecer que o número de processos instaurados pode variar devido as naturezas criminais. Além disso, um único inquérito policial pode investigar mais de um crime ou ação, especialmente nas ações mais complexas ou praticadas por organizações criminosas.
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