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Como o racismo contribui para que a covid-19 seja mais letal em negros

Pessoas negras são as que mais morrem e são infectadas pelo coronavírus; discriminação impede o acesso a direitos, o que afeta a saúde

Saúde|Brenda Marques, do R7

Negros têm mais risco de morrer por covid-19 do que brancos
Negros têm mais risco de morrer por covid-19 do que brancos Negros têm mais risco de morrer por covid-19 do que brancos

Dados já conhecidos mostram que a covid-19 mata mais pessoas negras do que brancas no Brasil e em outros lugares do mundo. Um estudo da PUC-Rio mostrou que negros sem escolaridade têm 3,8 vezes mais risco de morrer do que brancos com nível superior no país. Já um boletim epidemiológico da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) aponta que a taxa de incidência e letalidade da covid-19 também é maior entre negros na cidade do Rio de Janeiro.

De acordo com o documento, que apresenta recorte focado nas favelas e foi baseado em dados oficiais da prefeitura entre 22 de junho e 28 de setembro, 48,19% das mortes por covid-19 foram de negros e 31,12% de brancos. 

Em entrevista ao R7, especialistas explicam que o racismo baseia a estrutura de diversas sociedades, como é o caso da brasileira, e promove uma discriminação que privilegia pessoas brancas em detrimento das negras, fato que se reflete também no âmbito da saúde.

A pesquisadora Roberta Gondim, da Escola Nacional de Saúde Púplica da Fiocruz define o racismo como um sistema de poder que se reproduz política, econômica e socialmente no sentido de manter vidas em posições subalternas como parte da estrutura de distribuição desigual de riqueza.

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"Essas vidas, em países de histórico colonial escravagista como o Brasil, são majoritariamente as negras" Portanto, a vulnerabilização das condições de vida e de saúde é parte importante dessa trama social", analisa.

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Longe de serviços de qualidade

Essa situação de vulnerabilidade é facilmente observada quando analisamos o perfil das pessoas que moram em favelas. Pesquisa feita pelos institutos Data Favela e Locomotiva no início deste ano mostrou que 67% dos maradores de favelas são negros.

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"Os melhores serviços ficam concentrados nos bairros mais centrais. Isso dificulta o acesso da população da periferia, de maioria negra, a tais serviços. Portanto, essa é uma forma de discriminação", destaca Silvia Maria Santiago, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp,

Segundo a especialista, a dificulldade para conseguir assistência em saúde também coloca as pessoas que moram em favelas no grupo de risco da covid-19 por dois fatores: elas são mais atingidas por comorbidades - que ficam fora de controle - e sequer chegam a ter acesso ao tratamento recomendado para a doença.

"A gravidade da covid tem sido identificada pela questão da idade e presença de doenças crônicas. Mas também é necessário ter o controle dessas doenças, caso o contrário o indivíduo fica mais vulnerável", pondera.

"Além disso, muitos desses moradores de periferia não tiveram acesso às UTIs e aos tratamentos especializados para a própria covid, o que faz com que o agravamento seja irreversível", acrescenta.

Menos renda e maior risco de contágio, em qualquer lugar

O boletim socioepidemiológico da Fiocruz também mostra que a taxa de incidência [número de novos casos] e taxa de mortalidade por raça/cor foi mais discrepante nos bairros sem favelas: cerca de duas vezes maior na população negra do que na população branca.

Contudo, o texto que fornece a análise desses dados enfatiza que o fato de um bairro ter baixa concentração ou ausência de favelas não significa que seja um local rico e com pleno acesso a equipamentos urbanos.

"A não presença de favelas não exclui a possibilidade de presença de outras estruturas urbanas precárias, como cortiços e ocupações", diz trecho do documento.

Silvia pondera que mesmo bairros com maior nível de riqueza podem ter bolsões de pobreza, com cortiços e outras habitações precárias, onde moram populações negras.

Já Roberta frisa que a incidência traz informações sobre quem está mais exposto ao risco de contágio pelo coronavírus, ou seja, quem tem menos possibilidades de cumprir o isolamento social pois precisa sair para trabalhar a fim de garantir sua sobrevivência.

"A população de baixa renda é a mais exposta e, como já dito, dada a nossa estrutura social de base racializada, corresponde à população negra, mesmo quando esta não se encontra em espaços territoriais precarizados como as favelas", afirma,

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A professora da Unicamp também destaca que esse dado é "dramático do ponto de vista do racismo institucional".

"O que pode acontecer é que os serviços [de saúde] estão próximos [das casas das pessoas], mas pode haver racismo institucional, com isso, na dificuldade de acesso a leitos, acabam privilegiando o paciente pelo quesito raça/cor. Assim, um paciente negro ficaria sem UTI", analisa.

Mudança exige novas bases sociais

Ela que para mudar o cenário atual é preciso investir em políticas públicas que levem serviços de saúde de qualidade para as periferias, o que abrange a atenção básica e especializada.

Entretanto, observa que, na prática, as autoridades não agem dessa maneira. "A gente vê gestões agindo de maneira racista, não colocam os serviços na periferia", conclui.

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Já para enfrentar futuras pandemias futuras pandemias, a especialista ressalta que é preciso agir em diversas frentes para diminuir a concentração de renda e garantir o acesso não só à saúde, mas também à alimentação, transporte e emprego.

Roberta, por sua vez, defende que o combate às desigualdades raciais depende da produção de novas bases societárias de geração de direitos e oportunidades mais justas. 

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