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Tratamento para leucemia é capaz de combater o parasita causador da doença de Chagas

Se não for tratada, a enfermidade pode causar danos irreversíveis e letais ao coração e a outros órgãos vitais

Saúde|Da Agência FAPESP

Foram registrados 4.000 casos da doença de Chagas anualmente nos últimos dez anos no país
Foram registrados 4.000 casos da doença de Chagas anualmente nos últimos dez anos no país

Um artigo publicado no Journal of Biological Chemistry descreve uma molécula capaz de inibir in vitro a proliferação do parasita causador da doença de Chagas.

O estudo foi conduzido por pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do CQMED-Unicamp (Centro de Química Medicinal da Universidade Estadual de Campinas), um INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a dificuldade de diagnóstico e de tratamento tornou a doença de Chagas uma das quatro maiores causas de morte por doença infecciosa e parasitária no país, com uma média de 4.000 casos por ano nos últimos dez anos.

A enfermidade é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida por insetos (triatomíneos) popularmente conhecidos como barbeiros ou bicudos. Se não for tratada, pode causar danos irreversíveis e letais ao coração e a outros órgãos vitais. Até o momento, existem apenas dois medicamentos disponíveis: o nifurtimox e o benzonidazol. De acordo com a DNDi (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas, na sigla em inglês), cerca de 20% dos pacientes interrompem o tratamento por causa dos efeitos colaterais, que incluem intolerância gástrica, erupções cutâneas e problemas neuromusculares.


“As opções de tratamento ainda são muito tóxicas, ou seja, para atacar o parasita, o medicamento acaba afetando outros processos do nosso corpo, gerando os indesejáveis efeitos colaterais”, explica Katlin Massirer, coordenadora do CQMED e autora do estudo. Uma das alternativas é encontrar medicamentos que atinjam apenas o foco da doença.

“A identificação de proteínas-alvo no parasita que sejam relevantes para o desenvolvimento de medicamentos ainda é um desafio de maneira geral. Quando se consideram os protozoários parasitas, isso é particularmente difícil, uma vez que estes têm vias enzimáticas e metabólicas distintas”, explica Massirer.


A primeira etapa nessa busca é validar proteínas que possam ser um bom alvo para o desenvolvimento de moléculas que sejam a base para gerar novos fármacos. No caso da doença de Chagas, o ideal é que se trate de um alvo capaz de interromper especificamente algum processo importante para a proliferação do parasita, sem afetar outros processos do organismo humano.

Os grupos da Unifesp e da Unicamp vêm estudando a enzima chamada TcK2. “Trata-se de um novo alvo potencial, dado o seu papel central na fase intracelular do ciclo de vida do Trypanosoma, ou seja, se inibirmos suas funções, o parasita não se multiplica na mesma velocidade”, explica Sergio Schenkman, professor da Unifesp e autor do estudo. O ciclo de vida do T. cruzi alterna-se basicamente entre uma fase de vida livre com uma fase intracelular obrigatória, de infecção no hospedeiro, quando a multiplicação é mais acelerada.


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Para esse alvo, os pesquisadores testaram 379 moléculas inibidoras, e apenas duas tiveram potencial de inibir a TcK2. Entre elas, a molécula chamada dasatinib teve um desempenho melhor na inibição da enzima, tendo provocado a desaceleração da proliferação do parasita em células de cultura, no laboratório. “Para assegurar que a molécula estava agindo na TcK2, nós testamos a dasatinib em Trypanosoma geneticamente modificado, sem TcK2, e a molécula inibidora não teve efeito”, explica Schenkman. “A dasatinib bloqueia a proliferação do parasita apenas em células que expressam TcK2, validando que essa enzima é o alvo do composto”, complementa Massirer.

O dasatinib já é um medicamento utilizado no tratamento de leucemias mieloides agudas e crônicas. “A terapia é eficaz devido à elevada sensibilidade ao dasatinib de uma proteína que está alterada na leucemia mieloide. No entanto, nos regimes de dosagem atuais, o dasatinib não atinge uma concentração suficiente para inibir a proliferação do T. cruzi. Logo, são necessários melhoramentos”, explica Schenkman. Ademais, a droga tem um custo elevado, que chega a R$ 15 mil por mês, um valor inacessível a grande parte da população, sobretudo àquela exposta ao risco da doença.

Uma vez validado esse alvo no parasita, e utilizando-se o dasatinib como ponto de partida, poderá ser encontrada uma molécula inibidora. Para isso, os cientistas pretendem avançar no entendimento de como se dá a ligação entre o inibidor e a enzima, para então estudar formas de tornar a molécula mais potente e específica. O passo seguinte será testá-la em animais de laboratório.

Uma possibilidade, segundo Schenkman, é que esses novos compostos sejam úteis para desenvolver uma droga que atue em combinação com outras já existentes. “O uso combinado das novas drogas poderia acelerar o tratamento, reduzir as doses, os efeitos colaterais e as taxas de abandono do tratamento, pois a TcK2 atua no parasita”, acrescenta o pesquisador.

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O estudo também recebeu financiamento da Fapesp por meio de um projeto temático. E contou com a colaboração de pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Araraquara, da Drug Discovery and Evaluation Unit, da Universidade de Dundee (Reino Unido), da Charles University (República Tcheca) e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

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