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Fim do estado de emergência para Covid desestrutura o sistema e é temerário, dizem especialistas

Epidemiologistas e infectologista ouvidos pelo R7 destacam que na última semana a OMS manteve a classificação de pandemia com base em dados científicos

Saúde|Carla Canteras, do R7

Mudança de classificação pode estimular as aglomerações e causar surtos espalhados pelas cidades
Mudança de classificação pode estimular as aglomerações e causar surtos espalhados pelas cidades

O anúncio feito pelo ministro Marcelo Queiroga, na noite do último domingo (17), sobre o fim de estado de emergência de saúde pública no Brasil para Covid-19 gera preocupação entre os especialistas em infectologia e saúde pública, já que a decisão é vista como uma ação política e que não se baseia em dados científicos. 

O infectologista Carlos Fortaleza, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Unesp, ressalta que o fim da pandemia não pode ser determinado por decreto. "Não se termina a pandemia por decreto, isso é óbvio. É claro que vai haver um momento que as autoridades de saúde vão dizer que não temos mais critérios epidemiológicos para chamar a situação de pandemia. Mas o Brasil fazer isso antes da OMS (Organização Mundial de Saúde) é temerário e tem fins políticos", diz o médico, que também é coordenador do estudo da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) sobre os impactos da vacinação em massa em Botucatu, no estado de São Paulo.

Na última quarta-feira, o Comitê de Emergência da OMS (órgão formado por cientistas independentes) recomendou não alterar o nível de alerta em relação à Covid, já que o vírus continua em circulação e a evolução é imprevisível.

"O governo federal, neste caso representado pelo Ministério da Saúde, insiste no erro de que cabe a eles decidir se o mundo está em pandemia ou não. Se o Brasil está em pandemia ou não. A OMS se reuniu há uma semana e decidiu, com base nas evidências científicas, que ainda estamos em situação de pandemia", afirma Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas. 


Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), situação como a vivida atualmente pela China, com o crescimento de casos, é um alerta para o surgimento de novas variantes. 

"Estamos acompanhando alguns países, principalmente a China, onde o governo está com muita preocupação em relação a Xangai. Toda vez que tem transmissão muito acelerada, que a gente tem muitos casos, há a preocupação de que novas variantes possam surgir. E isso coloca o mundo em estado de alerta", explica ela. 


E acrescenta: "Felizmente a vacinação avançou muito no país e chegamos a patamares muito menores de infecção, adoecimento e óbito, por conta da vacinação. Mas ainda temos um cenário, por conta da desigualdade de vacina no mundo, que exige uma certa atenção."

Hallal concorda que o cenário é positivo por aqui, mas a emergência continua. "A pandemia até está numa tendência positiva no Brasil, mas está muito longe de dizer que ela acabou. É mais uma forçação de barra sem nenhuma evidência científica."


O infectologista Carlos Fortaleza diz que a decisão do Ministério da Saúde passa uma mensagem de relaxamento que pode levar a mortes que podem ser evitadas, já que vão acontecer surtos espalhados pelo país. 

"O que acontece quando você manda sinais para a população relaxar é exatamente quando começam a aparecer surtos. Tirar o estado de alerta precocemente, eu não diria que vai fazer a pandemia voltar em toda a sua força, mas vai gerar alguns surtos localizados. Boa parte vai ser de casos leves, mas uma ou outra pessoa vai ter de se internar, uma ou outra vai morrer. Eu sei que é um número pequeno, mas cada morte prevenível é importante", alerta o médico. 

A Itália, por exemplo, decretou o fim do estado de emergência no dia 31 de março, mas o uso de máscara em ambientes fechados segue até o dia 30 de abril. O país, que chegou a ser o epicentro da pandemia em 2020, tem mais 90% da população acima dos 12 anos com imunização completa contra a Covid-19. 

É necessário um período de transição

Para Carla Domingues, epidemiologista que coordenou o PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde de 2011 a 2019, o anúncio feito sem explicar como será o período de transição só confunde os governos estaduais e municipais. 

"Não explica como será feita a transição, só desestrutura todo o sistema de saúde pública e gera confusão porque os serviços não estão preparados para esse novo olhar. De novo ficamos no vácuo. Fazemos o quê: continuamos fazendo exames, notificamos, quais mecanismos os governos municipais vão usar para pedir leitos de UTI, caso aconteçam os surtos localizados. A doença não está controlada no Brasil e a situação não é a mesma no país inteiro", destaca Carla.

"Só a OMS pode decretar o fim da pandemia, mas os países têm o direito de decretar o fim da emergência, mas com normatização. Dessa forma, não dá para entender o que o governo está pensando", acrescenta a epidemiologista.

Quando é decretado o estado de emergência, há outras ações ligadas ao decreto que visam à operacionalização do controle da pandemia, nas questões de compras, contratos e licitações. Existe uma legislação vinculada à decisão e ao derrubar o decreto, a legislação também pode ficar prejudicada. 

"É preciso também manter uma vigilância funcionando de forma muito planejada para que a gente possa identificar qualquer mudança. Então, as coletas de testes para identificar se há um aumento no número de exames positivos, com vigilância genômica para verificar se há novas variantes surgindo, precisam ser mantidas", adverte Ethel Maciel.

"Os serviços não podem ser desmontados, a gente precisa manter um grau de atenção porque ainda estamos em uma pandemia e podemos ter mudanças nos nossos indicadores internos, se alguma nova variante de preocupação surgir", finaliza a epidemiologista.

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