Novo estudo aponta que casos de demência duplicarão nos EUA nos próximos 35 anos
Doença já representa um peso enorme para as famílias e o sistema de saúde do país: atualmente, mais de seis milhões sofrem de demência
Saúde|Apoorva Mandavilli, do The New York Times

Segundo um novo estudo, o número de pessoas nos Estados Unidos que desenvolvem demência anualmente duplicará nos próximos 35 anos, atingindo cerca de um milhão por ano até 2060, e o número de novos casos anuais entre americanos negros triplicará.
A causa principal do aumento será o envelhecimento da população, já que muitos norte-americanos estão vivendo mais do que as gerações anteriores. Até 2060, alguns dos baby boomers (pessoas nascidas entre 1945 e 1964) mais jovens estarão na casa dos 90 anos, e muitos dos millenials, como é chamada a geração posterior, estarão na casa dos 70. A idade avançada é o maior fator de risco para a demência. O estudo descobriu que a maior parte do risco aumentado da condição ocorreu depois dos 75 anos, crescendo ainda mais à medida que as pessoas atingiram os 95 anos.
O estudo publicado na semana passada na revista “Nature Medicine” descobriu que os adultos com mais de 55 anos apresentavam um risco 42% maior de desenvolver demência ao longo da vida. Este número está bem acima das estimativas anteriores de risco no decorrer da vida. Os autores atribuem esse resultado a informações atualizadas sobre a saúde e a longevidade dos norte-americanos e ao fato de que sua população de estudo era mais diversa do que a de estudos anteriores, cuja maior participação foi de pessoas brancas.
Alguns especialistas afirmaram que a nova estimativa de risco ao longo da vida e o aumento projetado dos casos anuais talvez estejam excessivamente altos, mas concordam que os casos de demência tendem a aumentar nas próximas décadas. “Mesmo que a taxa de crescimento real seja significativamente menor do que a prevista no estudo, ainda vai ser grande o número de pessoas afetadas pela doença. Vamos ver também um aumento no fardo familiar e social que a demência provoca, devido apenas ao crescimento do número de idosos, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países”, disse Kenneth Langa, professor de medicina da Universidade do Michigan, que pesquisou o risco de demência e não esteve envolvido no novo estudo.
A demência já tem um impacto enorme nas famílias dos EUA e no sistema de saúde do país. Atualmente, mais de seis milhões de norte-americanos têm demência. Isso abrange quase 10% das pessoas com 65 anos ou mais, segundo a pesquisa. Especialistas dizem que, a cada ano nos Estados Unidos, a demência causa mais de cem mil mortes e é responsável por um gasto de mais de US$ 600 bilhões em cuidados e outros custos associados.
Se as novas projeções forem confirmadas, cerca de 12 milhões de norte-americanos terão demência em 2060, afirmou Josef Coresh, diretor do Instituto Grossman de Envelhecimento Ideal da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York e um dos líderes do estudo que envolveu cerca de cem pesquisadores em dez universidades.
Os autores e outros especialistas observaram que o estudo reforça a urgência de tentar prevenir ou retardar o início da demência. Suas principais recomendações são: melhorar a saúde cardiovascular com medicamentos e mudanças no estilo de vida; aumentar os esforços para prevenir e tratar derrames, que podem levar à demência; e encorajar o uso de aparelhos auditivos, que ajudam a prevenir a demência, já que permitem que as pessoas estejam mais engajadas no âmbito social e no cognitivo. “É preciso enxergar a magnitude do problema”, frisou Alexa Beiser, professora de bioestatística da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston, que não esteve envolvida no novo estudo, mas o avaliou como revisora independente da revista. “É enorme, e não é distribuído igualmente entre as pessoas”, acrescentou Beiser, observando que o estudo apontou que há um risco desproporcional para negros norte-americanos.
Os pesquisadores avaliaram mais de três décadas de dados de um estudo de longa duração sobre a saúde de pessoas em quatro comunidades: Maryland, Mississippi, Minnesota e Carolina do Norte. Cerca de 27% dos 15 mil participantes eram negros, principalmente de Jackson, no Mississippi, informou Coresh. Os autores disseram que a análise, financiada pelo Instituto Nacional de Saúde, focou pessoas negras e brancas, porque não apareceram muitos participantes de outros grupos raciais e étnicos.
O estudo estimou que o número de novos casos anuais entre pessoas negras chegaria a cerca de 180 mil em 2060, sendo que, em 2020, esse número era de cerca de 60 mil. A principal razão para a triplicação de novos casos nessa população é que a porcentagem de negros americanos vivendo até idade mais avançada está crescendo mais depressa do que entre pessoas brancas, explicou Coresh.
No estudo, os participantes negros também desenvolveram demência em uma idade média mais jovem do que os participantes brancos e tiveram maior risco ao longo da vida.
“Eu me pergunto se entendemos a questão no seu todo, mas pelo menos há fortes indicações de que os fatores de risco vascular são mais comuns nessa população”, disse Coresh, observando que a hipertensão, o diabetes e o colesterol alto aumentam o risco de demência. De acordo com ele, o status socioeconômico e os níveis educacionais mais baixos entre os participantes do estudo também podem ter desempenhado um papel, assim como o racismo estrutural que tem afetado a saúde.
Prever o risco de demência é complicado por vários motivos. As causas da doença variam e muitas vezes não são completamente compreendidas. Os tipos de demência também variam e podem se sobrepor. O novo estudo, assim como vários outros, não estimou quantas pessoas desenvolveriam o mal de Alzheimer, o tipo mais comum de demência. Isso porque muitos especialistas acreditam que aspectos do Alzheimer podem se sobrepor à demência vascular e que ambas as condições podem ser alimentadas por problemas cardiovasculares, afirmou Coresh.
Vários estudos feitos nos Estados Unidos e em âmbito mundial descobriram que a porcentagem de casos de demência entre adultos mais velhos diminuiu nos últimos anos, provavelmente em decorrência do melhor tratamento para problemas cardiovasculares e de uma população mais educada, já que a educação pode melhorar a resiliência cerebral e a saúde geral.
Segundo especialistas e os autores, essa diminuição não contradiz o novo estudo, porque este estimou o nível atual de risco cumulativo de demência ao longo da vida das pessoas e o projetou para o futuro. É possível que mudanças positivas – comportamentos mais saudáveis e melhor tratamento para condições como diabetes e derrame – reduzam a taxa de risco em qualquer idade nas próximas décadas, mas o número de novos casos a cada ano ainda vai aumentar em relação ao número atual de 514 mil casos, devido à crescente população de idosos, disseram especialistas. “Não importa se forem 750 mil ou um milhão por ano, sempre vão existir muitas pessoas, e, quanto mais viverem, mais demência haverá”, explicou Beiser, que trabalhou em estudos anteriores de diferentes pacientes que encontraram estimativas mais baixas.
O estudo também descobriu que as mulheres apresentaram um risco maior de demência ao longo da vida do que os homens: 48% para as mulheres e 35% para os homens. Coresh disse que esse dado apareceu principalmente porque as mulheres no estudo viveram mais. “O risco de elas terem demência quando chegarem aos 95 anos é maior, porque mais mulheres vão chegar perto dos 95.”
Langa afirmou que outros pesquisadores estavam tentando descobrir se haveria diferenças biológicas que aumentariam o risco para as mulheres. “É possível que o ambiente hormonal no corpo, ou mesmo as diferenças genéticas, afetem o cérebro das mulheres de uma maneira diferente da dos homens.”
Outro grupo de alto risco foi o de pessoas com duas cópias da variante genética APOE4, que aumenta muito o risco do mal de Alzheimer e de desenvolvê-lo em uma idade mais jovem do que aquelas que não possuem essa variante. No estudo, pessoas com duas cópias de APOE4 tiveram um risco de demência ao longo da vida de 59%, em comparação com o risco ao longo da vida de 48% para aquelas com uma cópia e o de 39% para pessoas sem a variante.
A análise usou dados de saúde do estudo Risco de Aterosclerose em Comunidades, que acompanhou pessoas com 55 anos ou mais, de 1987 a 2020.
Os pesquisadores usaram vários métodos para determinar se e quando os participantes desenvolveram demência. Cerca de um quarto dos casos foi diagnosticado com testes neuropsicológicos presenciais, enquanto outros foram identificados por meio de registros hospitalares ou atestados de óbito ou mediante avaliações telefônicas. Especialistas observaram que cada método tem sua limitação, o que pode levar à superestimação ou à subestimação dos números reais de pacientes com demência.
O estudo descobriu que, aos 75 anos, o risco de demência era de cerca de 4%; aos 85, de 20%; e, aos 95, de 42%. Os pesquisadores, então, aplicaram as porcentagens de risco sobre as projeções populacionais definidas pelo censo, e assim puderam estimar futuros diagnósticos anuais de demência.
Para reduzir as chances de desenvolver demência, especialistas e os autores do estudo enfatizaram a tomada de medidas para abordar fatores de risco conhecidos, como diabetes, pressão alta e perda auditiva. Um relatório recente da Comissão Lancet sobre demência listou 14 fatores de risco que podem ser melhorados e concluiu que “metade do risco de demência pode ser prevenido, e nunca é muito cedo ou muito tarde para lidar com ele”, disse Coresh.
Especialistas recomendaram essas medidas em vez de buscar novos medicamentos para Alzheimer, porque estes, ao que parece, são capazes apenas de retardar levemente o declínio cognitivo nos estágios iniciais da doença e apresentam riscos de segurança para a saúde. “Por causa de sua eficácia relativamente limitada, não acho que seja possível obter um bom resultado para diminuir o risco ao longo da vida só com medicamentos. Acho que vamos obter mais retorno se investirmos em algumas dessas intervenções de saúde pública e na mudança no estilo de vida que parecem melhorar a saúde em geral e diminuem o risco de demência ao longo do tempo”, afirmou Langa.
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