Suspender do Twitter jornalistas críticos a Musk é um 'precedente perigoso', dizem autoridades
Rede social alegou que perfis divulgaram informações de localização em tempo real e atraiu críticas internacionais
Tecnologia e Ciência|Filipe Siqueira, do R7, com Reuters
Os últimos dias foram extremamente agitados no Twitter. Seu novo dono, Elon Musk, baniu diversas contas que o criticavam, e atraiu a desaprovação de autoridades internacionais, que enxergam nos episódios um sinal perigoso de que o bilionário não vê com bons olhos os tuítes que o atingem pessoalmente.
Na quarta-feira (14), a rede social baniu a conta @elonjet, que publicava a localização do jato particular de Musk com uma compilação de dados públicos.
Em uma medida que muito provavelmente teve o dedo do próprio Musk, o perfil pessoal de Jack Sweeney, o estudante responsável pelo bot, também foi banido, logo após divulgar o link da @elonjet no Mastodon, uma rede social de código aberto similar ao Twitter.
Mas os banimentos ainda estavam em seu início. Pouco depois, a rede social suspendeu a conta oficial do Mastodon na plataforma, e passou a bloquear todos os links que apontam para ela. E, na noite de quinta-feira (15), seguiu o processo e suspendeu massivamente as contas de diversos jornalistas de tecnologia, vários deles críticos à gestão de Musk.
Foram afetados profissionais de vários veículos, incluindo os maiores jornais dos Estados Unidos — New York Times, Washington Post e CNN e até a rede estatal Voice of America tiveram profissionais afetados.
Na mesma noite, ainda no calor do momento, alguns jornalistas iniciaram uma conversa ao vivo no Twitter Spaces. Mesmo os banidos conseguiram participar da conversa. O próprio Elon Musk entrou na sala e foi convidado a responder como alguém que diz apoiar a liberdade de expressão pode expulsar em massa jornalistas da plataforma comprada por ele.
O bilionário pensou e respondeu: "you dox, you get suspended" ("Você divulga informações pessoais, você é suspenso", em tradução livre), sem citar que vários dos jornalistas sequer tinham publicado links do perfil @ElonJet, a fonte das informações pessoais divulgadas.
Após se irritar com o questionamento, Musk tirou o Spaces completamente do ar, alegando que contas banidas poderiam utilizá-lo — um problema legítimo da plataforma, mas que dificilmente seria corrigido proibindo o acesso a uma função importante da rede social.
Críticas internacionais
O caso repercutiu muito mal para Musk, e autoridades internacionais se manifestaram sobre os banimentos, dizendo que a situação é um "risco à liberdade de imprensa". A ONU (Organização das Nações Unidas) disse que banir jornalistas sem explicações aprofundadas é um "precedente perigoso".
"Estamos profundamente preocupados... as vozes da mídia não devem ser silenciadas em uma plataforma que afirma ser um espaço de liberdade", disse Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da organização, António Guterres.
Ele acrescentou ainda "que a decisão abre um precedente perigoso num momento em que os jornalistas de todo o mundo enfrentam censura, ameaças físicas e coisas ainda piores".
Melissa Fleming, chefe de comunicações da Organização das Nações Unidas, afirmou estar "profundamente perturbada" com as suspensões das contas que "a liberdade de mídia não é um brinquedo".
Leia também
O episódio está sendo considerado pelos críticos como uma nova evidência de que Musk tem trabalhando para eliminar o discurso e os usuários de quem ele pessoalmente não gosta.
Roland Lescure, ministro da Indústria da França, postou que vai parar de escrever no Twitter. O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha alertou o Twitter de que a pasta tem problemas com medidas que ameaçam a liberdade de imprensa.
Nova regra
Para se defender, Musk divulgou a regra que justificou o banimento em massa de jornalistas. Segundo ele, quem "divulgar informações de localização em tempo real será suspenso", o que inclui linkar sites com "informações de localização em tempo real".
A divulgação da regra — que fora recentemente criada e aplicada retroativamente para expulsar muita gente da plataforma — se seguiu a um estranho relato pessoal do bilionário.
Segundo ele, um "perseguidor louco" bloqueou o carro onde ele trafegava com o filho, X, em Los Angeles. No tuíte, Musk publicou um vídeo do sujeito com uma balaclava e pediu aos 121 milhões de seguidores dele para ajudarem a identificá-lo.
Nas respostas, alguns apontaram que mostrar a placa do carro do tal perseguidor parece uma violação da própria regra de divgulgação de informações particulares. Ao contrário do vídeo de Musk, as informações sobre os voos do jato particular dele são públicas, e podem ser visualizadas em sistemas como o Flight Radar 24.
Ella Irwin, chefe de segurança e confiança da plataforma, também se manifestou após os episódios. Segundo ela, a empresa revisou manualmente cada todas as contas antes do banimento.
"Entendo que o foco parece estar principalmente em contas de jornalistas, mas aplicamos a política igualmente a contas de jornalistas e não-jornalistas hoje", afirmou Irwin, em entrevista à agência Reuters.
LEIA ABAIXO: Difamação e suspeita de fraude: relembre as maiores polêmicas da carreira de Elon Musk