Crise de refugiados é consequência de acontecimentos interligados
ReutersQuando o rompimento com a velha ordem imperial da Europa ocorreu, interesses nacionalistas provocaram as piores guerras da história: a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial. O mundo atual também vive um processo de ruptura, com nacionalismos exacerbados, posições extremadas e falta de diálogo que podem comprometer a ordem democrática, segundo um dos principais especialistas em política internacional do Brasil, Heni Ozi Cukier, mestre em International Peace and Conflict Resolution pela American University, em Washington.
— Grande parte da sociedade não está percebendo o momento crítico que vivemos atualmente. O cenário é claro, catastrófico, por causa de uma série de fatores que vêm se acumulando nos últimos anos e que têm sido responsáveis por nacionalismos exacerbados e ideologias extremadas. O mundo agora está à beira do precipício e as pessoas não estão se dando conta disso.
O especialista, que também é professor de Relações Internacionais da ESPM, explica que este pano de fundo está presente em praticamente todas as regiões do planeta e que as pessoas precisam entender o que está ocorrendo, antes que a situação piore ainda mais. Segundo ele, como sempre acontece na História, o retrato atual é resultado de uma combinação de acontecimentos que vieram em sequência e que estão absolutamente interligados.
— Podemos colocar como grande marco os atentados de 11 de setembro de 2001. Depois vieram a resposta americana no Afeganistão, a Guerra do Iraque, as turbulências que causaram a crise de 2008 (financeira), que culminaram com a Primavera Árabe, em 2011. Da Primavera vieram o fortalecimento do Estado Islâmico, a Guerra da Síria, potencializando a crise de refugiados, que causou o Brexit, que por sua vez foi determinante para a vitória de Donald Trump nas eleições americanas.
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Uma das diferenças dos tempos atuais em relação a outros está no poder da tecnologia por meio das redes sociais que, segundo Cukier, sendo utilizada muitas vezes de maneira inadequada, está influenciando no radicalismo de opiniões e praticamente extinguiu as chamadas "zonas de centro", onde o discurso era mais equilibrado.
— Em todo o mundo, o discurso ficou instantâneo e sem possibilidade de contraposição. Estamos caminhando em um mundo de ideias fixas, presas ao conceito do "politicamente correto", que gera uma polarização radical. Há um profundo vácuo no debate, em que a opinião diferente e até mesmo a autoridade perderam legitimidade. As pessoas, em geral, se tornaram rebeldes, repudiam tudo, na tentativa de se valer apenas do que lhes interessa, tirando inclusive o poder da autoridade. Se tudo é repudiado, a política, a polícia, a democracia acaba. A democracia, afinal, é política.
Poderio russo
O professor não se supreenderá, nesta conjuntura, com o crescimento cada vez maior de candidaturas nacionalistas, xenófobas e até racistas, tal qual ocorreu na Segunda Guerra Mundial com a ascensão do Nacional-Socialismo, roupagem disfarçada do que viria a ser o nazismo alemão.
— Surpresa será se a Marine Le Pen (do partido Frente Nacional, de extrema direita) não for eleita presidente da França nas próximas eleições. Essa visão de mundo agressiva, repetida por muitas pessoas, acaba se encaixando em nomes que se elegem para representar justamente esse discurso. É assim, por exemplo, que Donald Trump chegou ao poder nos Estados Unidos. Foi assim o cenário da Segunda Guerra: com uma sucessão de ideias poderosas e descontroladas.
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Um dos pontos que Cukier vê com preocupação é o possível aumento do poderio russo com um esfacelamento da União Europeia, que deverá ser a consequência de uma eventual vitória de Le Pen na França.
— Com uma vitória da Le Pen, digo que a União Europeia acabaria. E com isso, a Rússia ganharia poder dentro da Europa, já que não teria mais um bloco como contraponto. Vejo esse cenário difícil, sem contar com outros, como a instabilidade na Turquia, os caminhos do acordo com o Irã e a situação na Ásia, em relação também a questões como a da Coreia do Norte.
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